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Seis perguntas para Toquinho
Publicado em 24/10/2018

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Compositor, com mais de 50 anos de carreira e dezenas de parceiros, analisa a era dos streamings, a ascensão de gêneros como sertanejo e gospel e a transição da MPB, que, para ele, tem uma enorme capacidade de se reinventar sempre

Por Ricardo Silva, de São Paulo

São mais de 50 anos de carreira, centenas de grandes composições, dezenas de parceiros. Toquinho é, com razão, considerado um dos maiores criadores da história da música brasileira. Mas não parou no tempo. A turnê "Contrapontos", que o leva a diferentes cidades do país na companhia de novos e jovens parceiros e amigos, como João Ventura, Camilla Faustino e Proveta, atesta isso. E o olhar lúcido e antenado sobre temas do mercado, também.

Nesta entrevista, ele fala sobre a era dos centavos do streaming — e sobre as benesses da difusão digital da música —, sobre a longa transição da MPB e a ascensão de gêneros como sertanejo, gospel e funk. Partes do bate-papo deram origem a uma reportagem publicada na edição de novembro da Revista UBC. A conversa completa você pode acompanhar aqui: 

Seus parceiros, ao longo de mais de 50 anos de carreira, contam-se às dezenas, o que dá fé de sua grande disponibilidade para somar esforços e compartilhar criatividade. Desde que começou, você sempre teve em mente trabalhar mais acompanhado do que sozinho?

Toda parceria é consequência de um entrosamento humano baseado em amizade e confiança mútua. A amizade fortalece qualquer vínculo profissional. Parceiros passam a se entender com a sincronia dos olhos, e essa sincronia perpassa pelas vozes e pelas mãos na execução de seus instrumentos. Parece que tudo obedece a uma linha de convergência que acaba na satisfação do público.  Nessa troca de experiências, surge a disponibilidade para a composição. O prazer da dedicação na procura da palavra certa, da rima apropriada para cada acorde. Muitos de meus parceiros foram e são também grandes músicos, condição que pode aprimorar ainda mais a criação melódica. Nesses mais de 50 anos de carreira, sinto-me privilegiado por ter trabalhado com parceiros que só contribuíram para a evolução positiva de minha trajetória musical.

Qual a diferença fundamental entre criar uma música sozinho ou com alguém? Também há um lado ruim na parceria? É preciso ceder num sentido negativo, ou seja, “engolir” alguma solução que não seria necessariamente a que você gostaria de adotar?

Parceria se traduz por troca de experiências e de ideias. Há uma conjunção de fatores que devem ser aceitos naturalmente e que vão se interpondo durante a criação. Tenho como letristas de minhas canções verdadeiros poetas da música, que sabem identificar cada palavra à grandeza de cada acorde. E o fazem com uma justeza que sai da expressão poética e atinge diretamente a alma das pessoas, dando à música a mesma sonoridade envolvente da poesia dos livros. Hoje, é difícil perceber isso na música popular brasileira. Há canções que parecem exigir uma criação individual, absolutamente própria. Aí, tenho de trabalhar sozinho, sem interferências, com mais liberdade.

O recente espetáculo traz parceiros consagrados e outros não tão conhecidos. Você presta atenção sistematicamente no que há de novo? Busca parceiros entre novos talentos com a intenção de revelá-los ao mercado? 

É necessário estar atento a tudo que se relaciona com a MPB. O momento é de transição, que, aliás, tem se prolongado demais. Mas o dinamismo da música popular brasileira tem essa característica. De repente, surgem talentos que perduram e se consolidam, como tem acontecido ao longo dos tempos. E o caminho atual tem sido as parcerias. Divido o palco com amigos de tantos anos que mantêm a mesma tendência musical, como João Bosco, Ivan Lins, MPB-4, Roberto Menescal. Mas também fico atento aos novos talentos que demonstram qualidade para se sustentar artisticamente. Meus shows são a prova disso, mostrando sempre uma renovação de cantoras ao meu lado. Algumas já não são novatas, mas convidei para trabalhar comigo logo que surgiram, como Tiê, Veronica Ferriani e Anna Setton, e mais recentemente Camilla Faustino. Quando há equilíbrio vocal e artístico, as parcerias sempre valorizam o conteúdo musical. Mais recentemente, fiz um show com a participação do jovem pianista João Ventura, num contraponto entre o erudito e o popular. Participaram também Proveta e Camila. Os novos tempos requerem esses ajustes que só engrandecem nossa trajetória musical.

Qual tem sido sua rotina de criação? Poderia comentar algo sobre canções (ou algum álbum) que eventualmente esteja criando e produzindo?

Trabalho sem pressa, vasculhando temas que o cotidiano me oferece e colecionando as melodias até que o momento propício se oferece para sua divulgação. O violão é um companheiro inseparável, estudo todos os dias, e essa afinidade com o instrumento, por si só, já é um motivo de inspiração. Continuo me divertindo com meu trabalho, que garante o desenvolvimento de minha carreira e o aperfeiçoamento com meu violão, base essencial de minha trajetória musical. A música esconde mistérios que se renovam a cada descoberta. Há que procurar desvendá-los. É o que faço, renovando-me e me propondo sempre aos desafios a que ela me convida. Ultimamente tenho trabalhado com Paulo Cesar Pinheiro em novas canções que certamente serão gravadas em breve.

No último dia 7 de outubro, celebrou-se o Dia do Compositor Brasileiro. A era dos streamings, que multiplicou exponencialmente as plataformas de propagação das músicas criadas por tantos compositores talentosos, também viu uma diminuição brutal nos pagamentos. É preciso que uma música seja reproduzida centenas de vezes para chegar à casa dos centavos. Como vê esse panorama?

Nos últimos anos, o avanço da tecnologia propiciou uma série de canais intermediários de comunicação que transformou toda estrutura de difusão de informações sobre todos os assuntos. A internet abriu um caminho fantástico, rápido e abrangente, de fácil assimilação e de difusão instantânea.  Adaptamo-nos a isso, sem excluir o rádio e outros canais tradicionais que sempre serão veículos importantes na divulgação da música e de outras formas de arte, e que também se adaptaram ao avanço tecnológico. Os centavos acabam chegando, mesmo sem o volume anterior.

A consolidação de gêneros como sertanejo, funk e gospel, por exemplo, que estão entre os estilos mais populares de Norte a Sul do país, parece estar tornando a MPB progressivamente um estilo de nicho. Como analisa esse fenômeno e que papel acha que a MPB, nosso estilo mais prolífico - e dos mais prestigiosos internacionalmente - terá nos próximos anos?

Nas décadas passadas, vivemos um período no qual a criatividade brotava a todo instante, marcado pela qualidade melódica e poética que caracterizava a composição musical como uma verdadeira obra de arte. Procuro estar atento a tudo que se relaciona com a MPB. O momento é de transição, que tem se prolongado demais. Mas o dinamismo da música popular brasileira tem essa característica. De repente surgem talentos que perduram e se consolidam, como tem acontecido ao longo dos tempos.

 

 

 


 

 



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