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Quando a rua é o palco
Publicado em 18/04/2019

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Artistas que se apresentam em logradouros ou no transporte públicos contam suas experiências; alguns deles já caminham para a formalização

Por Roberto de Oliveira, de Nova Iguaçu (RJ) 

Pode ser pela falta de portas abertas nos palcos tradicionais aos que não são conhecidos do grande público. Pode ser só um desejo de levar arte às pessoas à moda antiga, como sempre se fez em todos os tempos: subindo a um caixote e cantando, tocando, recitando o que se sabe. Apresentações artísticas na rua não perdem a capacidade de atrair e encantar, ainda que pequenas plateias, às vezes ficando nisso, sem formalização, sem recebimento de direitos autorais, sem gravação ou ganhos fixos. Às vezes, ocorre todo o contrário. 

Foi assim com a britânica Jesuton (foto), cujos vídeos fazendo covers de artistas como Amy Winehouse ou Adele pelas ruas do Rio de Janeiro chegaram até o apresentador da TV Globo Luciano Huck, que a levou ao seu programa. De 2012 para cá, a cantora, que nada conhecia do Brasil e reproduziu aqui um tipo de performance comum (no metrô e nas ruas) em sua Londres natal, virou compositora, gravou discos (primeiro de covers, depois o autoral “Home”, de 2017), apresentou-se em festivais (como Lollapalooza) e assinou com a Som Livre. 

“Me sinto bem diferente daquela pessoa de 2012. Aprendi muito com tudo que fiz e estou agradecida por poder mostrar meu trabalho”, ela disse ao site G1, agregando que, na rua ou num palco profissional, mantém a mesma timidez do início: “Para mim, como artista, a questão da timidez é necessária. Tenho que passar por ela. Sempre vou ser tímida na hora de entrar no palco, ainda tenho aquela reação corporal. Mas não podemos nos definir por nossas fragilidades, é preciso enfrentá-las.”

Artistas que ainda não fizeram esse salto, como ela, têm outras questões para enfrentar. Marcos Gayoso, de 36 anos, é um músico que, por ser morador de uma região pobre de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense), e ainda não ser famoso, procurava um local para ensaiar e tocar com sua banda de rock, a Genômades. Diante do quadro de escassez de salas de show ou lonas culturais na cidade, se engajou aos movimento de ocupação artística das ruas e dos transportes públicos. 

“Precisávamos ir para a rua nos expressar porque não havia diálogo com ninguém para realizar nossas manifestações culturais, não tínhamos aparelhos na cidade... Comecei a ir para a rua e a incentivar outras pessoas que trabalhavam com arte a virem também”, conta Gayoso. 

A movimentação foi bem-sucedida por um ano, até que a repressão da polícia e a exigência de alvarás dificultaram a ocupação do espaço público. A solução foi buscar apoio na prefeitura municipal para acabar com a burocracia. A pressão dos artistas foi crescendo, e o resultado foi que, em 2016, Nova Iguaçu sancionou a lei 4.577, que permite ao artista de rua se manifestar livremente no espaço público, uma conquista já alcançada também em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Em nível federal, tramita na Câmara dos Deputados há anos um projeto substitutivo proposto pelo relator Waldenor Pereira (PT-BA) a partir de dois projetos anteriores que tratavam do tema, de autoria do deputado Vicente Candido (PT-SP) e da ex-deputada Janete Rocha Pietá, respectivamente. A última notícia que se tem da atual proposta, que tem caráter conclusivo — ou seja, dispensa voto em plenário — foi sua aprovação na Comissão de Cultura, em 2016. 

De acordo com a proposta, a autorização será dispensada caso a apresentação seja gratuita (com contribuições voluntárias do público), não atrapalhe a circulação de pessoas e não cause danos ao espaço público, entre outras condições. "A regulamentação proposta contribui para a livre expressão dos nossos artistas urbanos, impedindo que ações arbitrárias de autoridades públicas cerceiem os seus direitos culturais e da população que constitui o seu público”, diz Pereira.

"A gente precisava ir para a rua se expressar porque não havia diálogo com ninguém para realizar nossas manifestações culturais, não tínhamos aparelhos na cidade..."

Marcos Gayoso, artista de rua 

Desde 2018, os transportes públicos fluminenses aderiram à liberalização. O que se viu foi a proliferação de centenas de rappers, poetas, músicos e atores utilizando os vagões para desenvolver arte e se sustentar. Não é permitida a cobrança de cachê dos passageiros, mas o famoso “chapéu” está liberado. Com as doações espontâneas, o artista pode levar para casa entre R$ 100,00 e R$ 200,00 diários, em média, segundo dizem alguns. 

E, claro, há a visibilidade. Como ocorreu com Jesuton, alguém também parou para prestar atenção em Júnior Sousa, de 24 anos, que canta no metrô há um ano. Em uma das viagens, Carlos Souza, 38 anos, produtor técnico do grupo Roupa Nova, gostou da apresentação e convidou o músico para gravar singles em um estúdio no qual tem uma parceria. 

Júnior Sousa, no metrô: "vitrine perfeita para que pessoas possam te ver", ele diz

“Ao seguir para uma reunião, encontrei o Júnior cantando músicas que me pareciam de outros cantores. Ao falar com ele, descobri que eram músicas próprias. Por isso surgiu em mim a vontade de, de alguma maneira, ajudá-lo na sua trajetória”, relembra Carlos. 

A primeira música, “Sentimento Por Você”, foi lançada no YouTube, mas Júnior não deixou de cantar nos vagões do metrô. “Ali é uma vitrine perfeita para que pessoas de todos os lugares possam te ver, conhecer o teu trabalho, e isso abriu muitas portas em relação a shows e todos os tipos de evento”, afirma o artista, que se apresenta solo ou com uma banda. E que, claro, dá passos pela profissionalização, com a possibilidade de arrecadar direitos autorais com suas músicas. 

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