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Los Hermanos, uma trajetória atípica
Publicado em 22/05/2019

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Pesquisador musical e jornalista analisa a manutenção da banda por mais de 20 anos no olimpo da música, com fiéis seguidores apesar das poucas concessões ao marketing e ao mercado

Poucas bandas podem se gabar de ter não fãs, mas seguidores. Os cariocas Los Hermanos estão entre elas. Desde seu primeiro sucesso, “Anna Júlia”, há 20 anos, eles percorreram uma trajetória atípica no contexto da música brasileira nesta era digital: sem lançar nada novo desde 2005, e em pausa desde 2007, não perderam prestígio e viram a adoração de sua primeira geração de ouvintes replicar-se entre os mais jovens. Tudo sem dar a menor bola às quase obrigatórias estratégias de marketing, às redes sociais, aos modismos do mercado. E, não menos importante, mantendo-se fiéis aos seus próprios gostos e a uma estética que influenciou um sem-número de artistas brasileiros que vieram depois deles.

A convite da UBC, o pesquisador musical, professor universitário e jornalista Gabriel Gutierrez Mendes analisou em entrevista por telefone o fenômeno Los Hermanos, que em tudo desconcerta por romper esquemas e amparar-se num elemento fundamental — e, por vezes, negligenciado — para manter a longevidade de qualquer artista: a qualidade da sua obra. O texto abaixo é baseado na conversa que tivemos com ele.

 

Por Gabriel Gutierrez Mendes, do Rio*

Foto de Caroline Bittencourt

O Los Hermanos é uma das bandas mais destacadas da transição entre dois modelos de mercado. Seu primeiro disco é de 1999, o ano mais lucrativo da história da indústria fonográfica. O último, de 2005, já surge amparado numa nova lógica da era digital. Mas eles têm uma característica incomum, uma das razões responsáveis por seu status de fenômeno. Estouraram numa gravadora — pequena, a Abril, mas, ainda assim, gravadora — com o hit “Anna Júlia”, clipe estrelado por Mariana Ximenes, bombação no carnaval, passagem por todos os estúdios de TV... E resolveram romper com isso tudo, ajudando a reconfigurar a indústria da música, por fatores estéticos e econômicos. 

No segundo disco, “Bloco do Eu Sozinho”, a mensagem é clara: "a gente vai para outro lugar". Tem uma relação com o momento econômico, de sair de um ambiente fonográfico e físico e ir para o mercado mais alternativo. E tem o projeto estético, de tirar um pouco o pé da coisa mais hardcore, ska, flertando com coisas mais brasileiras e que vão constituir a autoria deles.

Essas ações derivam num grande mistério. O público se mantém e até aumenta, apesar de a banda não ter lançado nada novo (à exceção do recente single, “Corre Corre”) desde 2005. É uma turma de 40 anos, a mesma idade deles, mas também muita gente de 20 e poucos. A banda atravessou gerações precisamente porque a paixão foi transmitida de uns a outros. Os novos fãs são aqueles cujos irmãos ou primos mais velhos ouviam o Los Hermanos lá do início. Uma prova de que a música não envelheceu, não datou, continua a se comunicar plenamente com as pessoas. 

Mas o que tem essa música? 

Primeiramente, ela ultrapassa todos os esquemas, não tem refrão — ou, quando tem, não entra obrigatoriamente antes do primeiro minuto, como hoje se prega. Toda a vulgata do mercado é quebrada, toda a interpretação mais primária vai para os ares. Eles mal estão nas redes sociais, não têm marketing digital, mal têm as informações sobre os discos disponíveis na internet. É preciso ir aos encartes dos álbuns físicos para saber. Você não consegue falar com eles. O canal deles no YouTube é meio deixado. Mas os fãs estão lá, contando histórias de amor, ajudando a criar uma mítica. Os fãs são parte ativa e fundamental desse fenômeno. Eles operam a mágica que a música é capaz de fazer, unindo artistas e seguidores. 

Outra coisa é o show deles. Ir vê-los ao vivo faz toda a diferença. Eles têm um certo desleixo, proposital, certamente, com o espetáculo. Enquanto a indústria diz que tem que ter uma luz impecável, oferecer dança, efeitos visuais, atrações mil para além da canção numa mise-en-scène incrível, eles quase não falam. O cenário é simples. Eles sobem lá, afinam os instrumentos na frente de uma multidão — mais de 40 mil pessoas no recente espetáculo do Maracanã — e, simplesmente, tocam. 

Quando não tocam, literalmente mal sabem o que dizer. Aconteceu no Maracanã. Passam a impressão de que não estão preparados para aquilo. E aí tocam as canções que criaram, e a mágica se restabelece. 

Coisa similar só tinha passado com Ivete Sangalo, Roberto Carlos, Sandy & Júnior e poucos mais. E todos estes, todos, eram e são amigos da indústria tradicional, diferentemente dos Hermanos. Que, certamente, querem ganhar dinheiro, viver da sua obra, como qualquer artista. Mas há artistas que claramente têm compromisso com outras coisas, com um legado, com o que dizer. O Los Hermanos está nesse grupo. 

O resultado dessa força magnética, desse jeito de fazer tão próprio, é a quantidade de gente que bebeu na fonte deles. Rubel, Baleia, Tim Bernardes, Cícero, Tiago Iorc, todo esse neofolk brasileiro pop. O peso à canção não foram eles que inventaram; mas modernizaram, certamente, atualizaram. Los Hermanos são algo, ao mesmo tempo, muito brasileiro e muito de vanguarda. 

Outro grupo que é objeto meu de estudo, o Racionais MCs, tem uma capacidade de mobilização, de influência, de magnetismo, que vejo de modo similar. São, claro, de outro universo musical e social, são da periferia de São Paulo, são do rap, diferentemente dos Hermanos, que dialogam com a classe média, a classe média alta, urbana e universitária. Em ambos os grupos, vejo uma comunicação intuitiva, não esquemática — vejo algo fresco, muito próprio e autêntico. 

As pessoas vão aos shows, compram discos, conversam sobre bandas e artistas, analisam... e, invariavelmente, fazem isso em contextos específicos: num bar, numa festa, num ambiente qualquer. Mas há bandas que transformam os seus seguidores, os mobilizam de uma forma que vai além, transitando pelo espírito do tempo. Racionais MCs e Los Hermanos fazem isso.

 

*Pesquisador musical e jornalista, Gabriel Gutierrez Mendes é professor das Faculdades Integradas Helio Alonso (Facha), no Rio, mestre em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e pesquisador do Centro de Arte e Cidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). 


 

 



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