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Jean-Michel Jarre: “Os criadores são o combustível do negócio digital”
Publicado em 18/06/2019

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O discurso a seguir foi proferido pelo presidente da Cisac durante a inauguração da assembleia geral da entidade, realizada em maio, no Japão

De Tóquio

Foto: JASRAC

 

Bom dia a todos. 

Gostaria de agradecer aos nossos amigos da JASRAC por serem os anfitriões tão maravilhosos desta Assembleia Anual da Cisac.

Parabéns à JASRAC por seus 80 anos de nobres e bem-sucedidos serviços aos criadores. 

Obrigado, também, aos distintos altos membros governamentais que apoiaram este encontro. Há algo de muito empolgante em realizar este encontro da Cisac na Ásia pela primeira vez em tantos anos. 

Como artista, estou particularmente feliz em Tóquio hoje. O Japão é, para mim, uma constante fonte de inspiração. Esta é uma região de expansão dinâmica e diversa — e, também, de um crescimento cultural e econômico espetaculares. 

As relações da Cisac com suas sociedades asiáticas estão repletas de oportunidades para o futuro. Por isso, nossa cooperação com a JASRAC para estreitar o vínculo com esta região é tão importante.

A Cisac é uma rede internacional de sociedades e criadores verdadeiramente única. A potência criativa de cada um dos nossos países é tão diversa. Do kabuki ao hip hop. De filmes de vanguarda à arte aborígene. Da música eletrônica que atravessa o globo aos roteiros de TV em línguas locais. Da pintura à realidade virtual. E ainda assim, junto com toda essa diversidade, temos um inquebrantável vínculo de unidade em nossa missão. Tudo o que fazemos juntos tem como finalidade melhorar as vidas dos criadores e ajudá-los a tirar seu sustento da cultura. 

Em meu período como presidente da Cisac, tenho trabalhado duro para contribuir com essa missão. 

Eu me lembro de que, quando comecei minha missão, muitos nas indústrias culturais consideravam o conceito de direitos autorais algo datado, uma ideia que havia ficado no passado. 

Passo a passo, todos juntos, conseguimos tornar a ideia de propriedade intelectual algo fresco — um princípio atemporal para um futuro sustentável. 

Todos, hoje em dia, conhecem a Cisac. Esta semana, tive a grande honra de ser incluído na lista da “Billboard” com as 100 pessoas mais influentes da nossa indústria, na condição de presidente da Cisac. Isso quer dizer que a nossa voz importa. Quer dizer que não apenas somos parte do jogo mas que, como autores e criadores, estamos no centro dele. 

Nestes últimos seis anos, tenho tentado levar nossa bandeira o mais alto possível ao redor do planeta, para que todos possam entender que nós, como autores, criadores e editores, somos o combustível do mundo digital. Merecemos uma parte desse bolo. 

Também nestes últimos seis anos, contribuí como embaixador na Unesco para criar um elo necessário entre a Unesco e a Cisac, a fim de reforçar a ideia de que o direito autoral é um direito humano fundamental — uma parte necessária do nosso desenvolvimento sustentável — e também para promover a importância da voz da África no século XXI. Da mesma forma, abrimos um escritório da Cisac na China. Hoje, a Cisac está em toda parte. 

A partir desta forte ligação com a Unesco, promovemos um encontro do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alguns meses atrás, com Gadi Oron e a equipe da Cisac. Trata-se de um grande homem de cultura, que está do nosso lado. Discutimos a possibilidade de criar um laboratório de ideias em coordenação com a Cisac e a Unesco. 

Por último, mas não menos importante, ganhamos uma batalha incrível. Uma nova legislação de direitos autorais foi adotada na Europa, com incríveis consequências globalmente. 

Foi uma batalha violenta, uma batalha difícil, contra o gigantesco lobby do Google. Gostaria de agradecer e prestar uma homenagem aos fantásticos trabalhos e à dedicação de Jean-Noël Tronc e seu time na Sacem; da Gesac; e, claro, da Cisac. Obrigado a todos vocês! Esse resultado não é importante só para a Europa; terá um efeito dominó no mundo inteiro — na África, na Ásia, na América do Sul e nos EUA. Os olhos do mundo estavam voltados para o Parlamento Europeu. 

Foi uma grande vitória. E me sinto honrado, pessoalmente, por ter sido parte desta campanha incrivelmente dura. O lobby anticopyright das empresas tecnológicas financiou uma brutal campanha de desinformação, mas nossa tenacidade e a justeza da nossa casa garantiram que se adotasse a diretiva de direitos autorais. 

Hoje, podemos comemorar, mas permitam-se contar uma história relacionada a isso tudo. Uma semana antes da votação, tive a ideia de lançar uma campanha chamada “Apenas diga sim”. A ideia era pedir a criadores de todos os tipos, de todas as gerações, inclusive de fora da Europa, que gravassem uma curta mensagem em vídeo pedindo aos membros do Europarlamento: “apenas diga sim!”

Trabalhamos com minha própria equipe, noites e dias, para contatar os artistas, de modo que tudo estivesse pronto antes da votação. Foi extremamente difícil convencer criadores mundo afora a enviar uma mensagem simples. Isso quer dizer que todos vocês têm uma tarefa a desenvolver em seus respectivos territórios: informar e educar os autores, para que eles entendam que devemos falar claramente e numa só voz. Músicos, cineastas, artistas visuais, jornalistas e todos da mídia: ESTAMOS NO MESMO BARCO. 

Como eu disse, a diretiva é um avanço real não só para a Europa, mas para o mundo. Acima de tudo, ela aponta para uma nova e mais justa relação entre criadores e as plataformas gigantes que usam suas obras. Estabelece novos princípios que ajudarão roteiristas e diretores em sua campanha por uma remuneração justa. A nova legislação europeia não é só um modelo legal para outros países, mas um farol e uma inspiração para legisladores em todo o mundo. 

Não há qualquer dúvida de que essa decisão estabelece um antes e um depois. Não estamos em guerra com as plataformas digitais. Nós precisamos delas tanto quanto elas precisam de nós. 

Elas permitem aos criadores alcançarem audiências enormes. Mas nós, como criadores, somos o combustível do seu negócio. Essa deve ser, como todas as parcerias, uma relação simbiótica, e não um pacto de Fausto. Deve ser igualitária e justa. 

Recentemente, em um dos meus últimos álbuns, “Electronica”, tive uma colaboração de Edward Snowden para mostrar o perigo do mau uso da tecnologia. Ele ainda é tido como um traidor em seu país, mas é graças a ele que todos sabemos que nossa vida privada pode ser afetada por alguns atores digitais. 

A tecnologia é neutra. É o modo como a usamos que pode ser positivo ou negativo. Não somos contra a tecnologia. Dizer que somos contra a liberdade de expressão porque queremos uma regulação justa para a internet é como posicionar-se contra as carteiras de motorista em nome da livre circulação na aurora da indústria automobilística. A nova legislação europeia não é só um modelo legal para outros países, mas um farol e uma inspiração para legisladores em todo o mundo. 

Nosso objetivo é alcançar uma parceria justa com todos os usuários da nossa obra. 

Nestes últimos seis anos, tenho tentado ajudar a nossa comunidade a navegar as águas tormentosas da transição ao mundo digital. Depois de todas essas vitórias, há uma questão chave para compositores, artistas, cineastas e milhões de criadores que a Cisac representa no mundo todo. O digital compensou para eles? A resposta é não, não compensou inteiramente. 

A verdade pura e simples é que, no mundo digital, os que criam cultura ainda não são recompensados de forma justa em comparação com os que distribuem e difundem a cultura e a informação. O crescimento empolgante das receitas com streaming a que assistimos é uma boa notícia. Mas não nos esqueçamos de que o mundo digital é dominado por um punhado de potências gigantes. E, com frequência, é o próprio ambiente legal que torna possível essa dominação. 

Esta é a maior razão de ser do trabalho realizado pela Cisac. A despeito de todos os benefícios que o digital trouxe, a verdade é que os Golias desse comércio ainda reinam soberanos. Diante deles, sejamos os Davis do século XXI! 

Nossa missão é criar um ambiente legal moderno que remunere propriamente os criadores. E só poderemos fazer isso eficazmente se atuarmos juntos. Precisamos pensar e agir globalmente. 

Falando do futuro, uma das próximas prioridades, para a Cisac e para todos nós, será organizar um laboratório de ideias sobre inteligência artificial, a fim de definir quais os desafios da propriedade intelectual que temos à nossa frente. 

Por fim, acabo de completar dois mandatos como presidente da Cisac. Tenho levado essa missão seriamente. Acho que devo retribuir porque há urgência em proteger a criatividade dos nossos filhos. Tenho desfrutado muito do trabalho com Gadi e sua equipe. Vejo as mudanças positivas que ele trouxe à Cisac, com sua dedicação e sua competente administração. Fui convidado a permanecer como presidente por mais um ano. Estou feliz em aceitar, se esse é o desejo dos membros da Cisac. 

Sou afortunado por ter uma carreira de sucesso e por ter alcançado uma audiência global com minha música. Sinto que é uma responsabilidade fazer o que puder para ajudar a próxima geração, cujos sucesso e sobrevivência dependem tanto da proteção dos seus direitos. Podem estar certos de que sempre contarão comigo se necessário!

Não se esqueçam: o que diferencia a democracia e o caos é a definição de regras — igualdade para todos —, e isso é mais relevante do que nunca na era digital. A melhor forma de ferir a liberdade de expressão é não nos garantir os meios para sobrevivermos do nosso trabalho. 

O Google se define como um mecanismo de busca. Para que eles sejam isso, é preciso que haja algo a ser buscado. Eles usam nossos conteúdos. Somos acionistas virtuais da companhia deles. As futuras gerações de criadores têm direito a uma parte do bolo digital. 

Repetirei o que já se tornou, como vocês sabem, meu lema como presidente da Cisac: num telefone inteligente, a parte inteligente somos nós!

Obrigado a todos pelo seu trabalho. Desejo-lhes uma assembleia anual muito bem-sucedida.

LEIA MAIS: Marcelo Castello Branco, diretor-executivo da UBC, é eleito presidente do conselho administrativo da Cisac, durante a Assembleia Geral da entidade


 

 



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