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Gabriel Abaroa, do Grammy Latino: 'o mercado mundial está aberto ao Brasil'
Publicado em 24/01/2020

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Oportunidades de networking, a atitude certa para brilhar internacionalmente e outras reflexões do presidente honorário da Academia Latina de Gravação, organizador do prêmio que virou um espaço de encontro musical

Por Alessandro Soler, de Madri

Atualizada em 18/11/2021

Brasil e América Latina são um caso estranho de pertencimento e distância. Se, para todos os efeitos, somos parte integrante desse heterogêneo conjunto de nações de herança latina — ibérica, mais exatamente —, o fato de sermos os únicos lusófonos sempre impôs uma sutil barreira entre artistas nacionais e os de outros países da região.

A nova dinâmica de consumo musical, capaz de transformar em globais fenômenos locais, no entanto, vai mudando esse quadro. E, para a Academia Latina de Gravação, responsável pelo Grammy Latino, um dos principais espaços de encontro entre nossas culturas, cumpre-se a lógica de que a linguagem universal da música se impõe, derrubando separações.

Em entrevista à UBC, Gabriel Abaroa, presidente honorário da Academia desde agosto de 2021, fala sobre as dinâmicas possíveis entre criadores dos diferentes países latinos e destaca a oportunidade de networking nos Estados Unidos — maior mercado musical do planeta — que o Grammy Latino representa.

 

Sempre houve essa separação tênue entre brasileiros e latinos, que parece estar dando passo a uma aproximação. O que ajuda a explicar a mudança?

GABRIEL ABAROA: Gosto de começar com uma questão controversa que não existe, na minha opinião. Fala-se de uma separação histórica relacionada ao fato de o Brasil falar português, o que justificaria pensar que o mercado britânico ou o mercado dos Estados Unidos também estariam isolados (do Brasil) por ser o português um idioma que não é nativo (ali). Outro caso é o espanhol, não falado (majoritariamente) nos EUA, na Austrália, na Rússia e na maioria dos países da Europa. Acho que esse conceito é mais mental do que real. A beleza da música reside o fato de que o idioma é acidental. E a linguagem transmite, através de notas musicais, através de certas palavras, através de certas cadências, ritmos ou estruturas musicais que penetram nos mais recônditos locais em nível mundial.

No final dos anos 60, a música de (Tom) Jobim, (Vinicius de) Moraes e (João) Gilberto já tinha uma penetração mundial. E eles foram interpretados por pessoas como Frank Sinatra ou por brasileiros que decidiram se internacionalizar e conquistar outros mercados, como é o caso de Sérgio Mendes. E poucas pessoas sabem que (o álbum) “Herb Alpert apresenta Sérgio Mendes e Brasil '66” mantinha toda a estrutura financeira de uma gravadora recém-criada, o que permitiu que a empresa contratasse artistas tão importantes quanto os Carpenters ou Grand Funk, para citar alguns.

Essa empresa se chamava A&M, de Herb Alpert e de Jerry Moss, e tudo isso (se deu) através da música brasileira. 

O que justifica, então, a relativamente escassa troca criativa entre brasileiros e outros latinos?

Eu acho que seria mais saudável falar que aqueles que evitaram a oportunidade de conquistar o mercado mundial foram os próprios compositores e artistas brasileiros, tendo achado que um país tão vasto e rico como o Brasil era suficiente para poder levar uma vida muito confortável e muito bem-sucedida. O mercado mundial está e continuará aberto ao Brasil.

E, como exemplo, podemos nos referir ao caso de Anitta, que não tem limites e que se apresentou em Harvard para dar uma palestra em inglês, que se apresenta nos prêmios Grammy, que percorre a Europa... Ou o caso de um Michel Teló, com seu espetacular “Nossa, nossa, assim você me mata”, projetado em todo o mundo graças ao futebol, tornando-se um hino mundial mesmo estando em português. Todo mundo a cantava em português. 

Felizmente, há uma geração que não se esquece desse mercado internacional, e esse mercado nada tem a ver com a idade, mas com a atitude. Artistas como Caetano Veloso, que fez turnês cantando em espanhol e em português, Daniela Mercury, que faz apresentações nos EUA de maneira disciplinada, e Paula Fernandes, superartista brasileira que vem ao mercado dos Estados Unidos entendendo que precisa começar do zero, mas o faz com grande dignidade, beleza e alto nível artístico. Isto é, para mim, onde está a área de oportunidade. Eu deixaria de pensar que o português ainda é uma limitação. Pelo contrário, o português existe porque foi inventado para cantar.

Juntas e misturadas: Anitta, Olga Tañón (Porto Rico) e Milly Quezada (Dominicana) na edição 2019. Foto: Rich Fury, Academia Latina de Gravação/Getty Images

 

Que papel tem o Latin Grammy nesse cenário?

Por muitos anos, a Academia Latina de Gravação tem recebido várias propostas de diversos grupos brasileiros relacionados ao mundo da música, para deixar que o Brasil organize seus próprios Grammy, ao que eu, como líder desta organização, absolutamente me oponho. Porque a intenção da academia não é isolar o Brasil, mas que o Brasil saiba que possui uma embaixada musical onde pode expor seu produto, o melhor de sua música. É claro, ainda há muito a fazer, como ter uma forte presença de brasileiros nos programas de televisão (lá fora). Mas isso só será alcançado quando o público brasileiro exigir que suas emissoras de televisão no Brasil mostrem seus artistas, para que possamos dar mais exposição a eles. Enquanto isso não for alcançado, temos que continuar unidos, lutando para que o Brasil faça parte de um todo, e não de uma parte exclusiva.

Atualmente, a academia não tem apenas o prazer de educar seus membros que não falam o idioma português sobre a música do Brasil e dos países lusófonos. Temos um projeto no qual queremos servir como um elo entre a música country e a música sertaneja para trabalhar em conjunto no desenvolvimento de eventos internacionais com impacto em Nashville, Minas Gerais, Texas ou Paraná.

Conhece exemplos de colaborações musicais que surgiram no âmbito do Latin Grammy? Isto é, artistas que se conheceram nos prêmios ou outras atividades da academia e que fecharam parcerias. 

Parte do processo norte-americano de fazer negócios baseia-se na capacidade de construir pontes e fazer relacionamentos. Os americanos se referem a isso como networking. No mundo da música, o networking não necessariamente tem efeitos imediatos ou produz gravações como resultado instantâneo. Apresentar Yamandú Costa com o engenheiro de gravação mais famoso dos Estados Unidos, Al Schmitt, na frente de 200 produtores e engenheiros da América Latina tem um valor. Relacionar o rei Roberto Carlos com um admirador fervoroso e, ao mesmo tempo, intérprete de muito sucesso como Romeo Santos dará frutos mais cedo ou mais tarde. Conectar dois amores platônicos como Rita Moreno e Milton Nascimento gera magia musical. Ivete Sangalo e Alejandro Sanz se conheceram no Grammy Latino. Ultimamente, é impressionante a cadeia de artistas brasileiros que participam de eventos para se relacionar com o mundo da música em espanhol e inglês: Jorge Ben Jor, Os Tribalistas, Daniela Mercury, Alexandre Pires.


 

 



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