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Políticos, jingles e Direito Autoral
Publicado em 30/07/2010

Imagem da notícia Jingle, segundo Aurélio, consiste em “curta mensagem musical de propaganda”. Sem dúvida, tem abrigo na Lei de Direito Autoral. O jingle é obra intelectual protegida, e o jinglista, autor.

Um bom jingle é importantíssimo numa campanha política. Obviamente, por si só, não consegue operar milagres. Mas é certo que um grande jinglista consegue realizar a difícil missão de compactar, em 30 segundos, o espírito e a estratégia de uma campanha. Os jinglistas dão uma lição aos juristas, que, não raro, gastam laudas e laudas de papel, afugentando o simples e abraçando o prolixo. Eu presto muito atenção nos jinglistas, que dizem o máximo com o mínimo de palavras. Invejo essa capacidade hercúlea de concisão e criatividade.

Waltinho Queiroz, a meu ver, é um grande mestre nessa arte de jingles e, neste ano, inovou, espalhando outdoors pela Cidade do Salvador com anúncio de seu ofício. É isso mesmo, Waltinho! Você, que vende tanto os peixes dos outros, faz jus a vender seu próprio peixe. Adorei a ideia.

Um exemplo ajudará a explicar a força de um jingle. Em 1990, Antônio Carlos Magalhães (ACM) tentava voltar ao Governo do Estado da Bahia. Estava com a imagem desgastada, com a pejorativa alcunha de Toninho Malvadeza. Então, surgiu um jingle dizendo “ACM, meu amor, quem gosta da Bahia quer ACM, meu amor...”. A canção tornou-se a cara da Bahia. E a de ACM, que a adotou até o último momento de vida. ACM se elegeu. O que era peso tornou-se leveza. Virou melodia, poema, canção. Só os artistas conseguem isso. E todo mundo cantou o jingle, inclusive os opositores do carlismo.

Essa música, ainda bastante lembrada e executada, é de autoria de Vevé Calasans e Gerônimo, dois grandes compositores baianos, autores da lendária obra É d´Oxum (“Nessa Cidade todo mundo é d´Oxum, homem, menino, menina, mulher...”). Vevé Calasans é autor de inúmeros outros famosos jingles. Convido o leitor a colocar, no YouTube, as palavras Vevé Calasans e jingles, para conferir um pouco do trabalho desse grande artista.

Como estamos em época de campanha eleitoral, é bom esclarecer uma dúvida que muitos alunos e clientes têm suscitado: “A Lei permite paródias em campanhas eleitorais?” A vigente Lei de Direito Autoral, Lei 9.610/98, em seu art. 47, dispõe o seguinte: “Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”.

No meu livro “Os direitos morais do autor: repersonalizando o Direito Autoral”, explico que paródia é uma imitação cômica, humorística. Para o Direito Autoral, paródia traduz a ideia de humor, sátira. É permitida, conforme dispõe o mencionado art. 47. Ela satiriza pessoas ou fatos. O programa humorístico Casseta & Planeta, por exemplo, utiliza bastante esse recurso da imitação burlesca. É de sua essência o fim satírico ou jocoso, que provoca o riso. A deformação existente na paródia, em regra, não consiste em violação ao direito moral à integridade. Em outras palavras, a paródia consiste num limite ao exercício da prerrogativa extrapatrimonial de respeito à obra. O parodista não precisa, pois, pedir prévia e expressa autorização do autor da obra parodiada.

Pois bem. O que alguns (maus) políticos fazem é violação à Lei de Direito Autoral, e não paródia. Explico melhor. Não raro, algum candidato toma para si a melodia de uma canção de grande sucesso e coloca sobre ela outra letra, contendo, obviamente, propaganda de si, seu nome, slogan de campanha etc. A finalidade, nesse caso, não é humorística, mas publicitária. Não se encaixa, portanto, no permissivo legal disposto no art. 47 da Lei Autoral. A possibilidade do uso de paródia não pode ser interpretada de maneira desmedida.

Em nosso Escritório, já patrocinamos diversos casos em favor de autores e editoras. A tese despistadora e equivocada das contestações é sempre a mesma: utilização de “paródia”. Ora, se prevalecesse essa ideia, os autores estariam completamente arruinados. A norma que condiciona a utilização de composições musicais à autorização do autor estaria nulificada.

Os políticos costumam gastar verdadeiras fortunas numa campanha, fazendo plotagem de veículos, faixas, banners, cartazes, santinhos, bandeiras, adesivos, balões... Por que não pagar também pela música? Por que querer economizar justamente na parte do compositor, que é um trabalhador intelectual?

Um candidato que não respeita o Direito Autoral é ficha suja. Não merece voto algum. Será que todos nossos parlamentares respeitam a dignidade do trabalho do compositor? Não. Tanto que alguns fazem “paródia” (leia-se ilícito autoral). Tanto que existem prefeitos que não querem saber de pagar direitos autorais decorrentes de execução pública. Tanto que há alguns projetos de lei bizarros no Congresso Nacional. Tanto que existem políticos donos de emissoras de rádio que não anunciam os nomes dos compositores, infringindo frontalmente os arts. 24, II, e 108 da Lei Autoral. Emissora de rádio e TV que não diz nome de compositor deveria sofrer multa. As emissoras têm de cumprir as finalidades informativas, educativas, artísticas e culturais, consagradas expressamente na Constituição Federal (art. 221, I).

No dia 03 outubro, a Câmara dos Deputados será inteiramente renovada, e o Senado Federal terá renovação de dois terços. Ou seja, teremos 513 novos deputados federais e 54 novos senadores. Será que eles saberão votar em benefício dos milhares de compositores brasileiros?

Quero dizer, por fim, que o ponto nevrálgico da questão autoral é a moralização do processo de renovação de concessões de rádio e televisão. Como se sabe, o prazo de concessão para as emissoras de rádio é de 10 anos, e de 15 anos para as emissoras de televisão.

Será que os inúmeros políticos (deputados federais e senadores) concessionários de rádio e TV são favoráveis ao disposto no art. 113-A do texto em consulta pública do MinC, referente à reforma da Lei Autoral? Eis a redação: “Art. 113-A. Caberá ao Poder Executivo dispor, em regulamento, sobre a manifestação do Ministério da Cultura, no processo de renovação de concessões públicas outorgadas a organismos de radiodifusão, acerca da adimplência desses organismos no que tange aos direitos autorais”.

Acredito que a redação desse dispositivo não é clara. Ademais, é insuficiente para uma eficácia satisfatória. Indaga-se: o Ministério da Cultura terá, de fato, poder para impedir a renovação das emissoras inadimplentes? É isso mesmo? Ou essa manifestação não terá qualquer força impeditiva? Será semelhante aos pareceres da OAB contrários às aberturas de novos cursos de Direito? Infelizmente, a OAB, quando não recomendava a abertura de um curso jurídico, vinha o MEC e autorizava... Daí termos mais de mil e cem faculdades de Direito no País, o que consiste num escândalo, num verdadeiro estelionato educacional. Indaga-se: o Ministério das Comunicações já opinou sobre o referido dispositivo (art. 113-A)?

Acredito que a solução jurídica seja através de PEC (Proposta de Emenda Constitucional). O art. 223 da Constituição Federal, que é uma excrescência, merece ser reformado.

A renovação de concessão para radiodifusão sonora e de sons e imagens compete ao Poder Executivo. Mas será que ele terá vontade de mexer nesse vespeiro? Ou se trata de mais um jogo de cena para iludir os autores nacionais?

Digo de maneira clara, para não deixar qualquer dúvida: sou absolutamente favorável à criação de uma regra legal que proíba, efetivamente e com o máximo rigor, a renovação de concessão a emissoras inadimplentes em matéria de direitos autorais. Se a Administração Pública me convencer de que poderá conseguir efetivar essa medida, serei um ferrenho defensor de sua participação na seara da gestão coletiva de direitos autorais.

Após o projeto Ficha Limpa, começaríamos o Emissora Limpa. Havendo condenação transitada em julgado relacionada a dívidas de direitos autorais, a emissora não conseguiria a renovação da concessão. Mas será que os parlamentares legislarão contra si próprios? Quem viver verá.

Publicada em 29/07/2010 | Autor: Rodrigo Moraes, presidente da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Lazer da OAB-BA.

 

 



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