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Um luthier para chamar de seu
Publicado em 06/11/2017

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As razões dos músicos para manter firme o hábito de encomendar instrumentos personalizados

Por Gilberto Porcidônio, do Rio

Personalizados, criativos e que causem impacto logo à primeira vista. Não são só os músicos que se preocupam com a singularidade de sua obra. O trabalho artesanal milenar dos luthiers, os arquitetos originalmente decidados a construir instrumentos de cordas — mas que hoje, por analogia, abarcam criadores de quaisquer outros instrumentos musicais —, é levado em grande consideração. O mundo da música já possui “escolas” muito bem representadas, emuladas por aí e que se tornaram verdadeiros objetos de desejo. Nomes como Antonio Stradivari (ou, em latim, Stradivarius), Tranquillo Giannini, Romeu Di Giorgio, Les Paul e Leo Fender já disseram a que vieram. Porém, esse mundo é tão amplo quanto a possibilidade de melodias que se pode tirar de um instrumento.

Ao contrário de muitos músicos mais experientes que só vão buscar esse trabalho mais personalizado quando a carreira está mais madura, Hamilton de Holanda tem uma relação com essa arte desde o começo da sua carreira. Atualmente, o musicista usa os bandolins de Tércio Ribeiro, do Rio de Janeiro, e acredita que esses instrumentos guardam uma história geracional que pode ser ativada quando são tocados.

“Acredito que o luthier tem um quê de alquimista. Você imagina: eles pegam a madeira bruta e transformam em um objeto de valor. Ele, com certeza, está inserido de uma forma muito especial nessa cadeia de magia que é fazer música.”

A parceria estreita entre os dois marcará um dos 13 episódios da série "O Estado das Artes", que o músico, compositor e produtor Nilo Romero produz para o canal por assinatura Arte 1, com finalização prevista para janeiro. Com direção do cineasta José Joffily, a série mostrará a apaixonada obra de artesãos como Carlos Jorge de Oliveira, Lineu Bravo, Tércio Ribeiro e muitos outros, bem como os músicos que lhes encomendam peças personalizadas e especiais — gente do naipe de Guinga, Jaques Morelenbaum, Dirceu Leite e o próprio Hamilton. 

"A busca do músico é personalizar um instrumento. No caso do Hamilton e do Tércio, o Hamilton pediu um braço do bandolim um pouco mais largo para os dedos dele. Além disso, eles chegaram a um bandolim de cinco cordas, algo que não existia. Basicamente, o que o músico busca é essa peça especial e única que encaixe perfeitamente com ele. Se você entra numa loja, experimenta dez, pode dar certo. Outra é você escolher o tipo de madeira, conversar com o artesão…", diz Nilo Romero.

Os guitarristas costumam seguir uma linha de instrumento muito bem definidas, mas também há aqueles que gostam de inovar com criações completamente originais. Lucas Vasconcellos (na foto acima) é um deles. No ano passado, o músico realizou a turnê do Legião Urbana tocando uma guitarra modelo Telecaster feita pelo luthier Ariel Frainer toda com pau-ferro. Por essa madeira ser mais pesada, ela acaba gerando uma ressonância bem diferenciada, o que se adapta muito bem à pegada de Lucas. Depois, ele acabou comprando uma estilo cigar box do mesmo artesão. E não parou por aí:

“Como trabalho muito com produção e trilha sonora, busco instrumentos que tenha sonoridades diferentes. Quando eu ainda tocava com o Letuce, comprei, na estrada mesmo, um baixolão incrível do Jah Silva, que tem um design completamente original, muito lindo, e que soa como se fosse um baixo acústico. Já as minhas guitarras eu só levo para o Rodrigo Nahar, que é o meu ‘médico de confiança’.”

                                                      O Uakti em ação com alguns dos incríveis instrumentos criados por Marco. Foto Sylvio Coutinho

A paixão pelas sonoridades diferentes leva músicos a se arriscar na criação dos próprios instrumentos. Por vezes, dá tão certo que surge uma espécie de novo mito. É o caso de Marco Antônio Guimarães, lendário líder da banda mineira Uakti, que criou ao longo de 45 anos de experimentações. “Minha mãe, Heloisa Fonseca Guimarães, era artesã e tinha em casa uma pequena oficina com ferramentas variadas porque trabalhava com diversos materiais. Aprendi com ela o manejo de ferramentas e construía meus brinquedos quando criança. Quando fui estudar música na Universidade da Bahia, em Salvador, conheci Walter Smetak, suíço naturalizado brasileiro que construía maravilhosos e inusitados instrumentos musicais. Foi um encontro muito marcante e, por influência direta do trabalho de Smetak, quando voltei a Belo Horizonte comecei a criar meus próprios instrumentos”, ele contou à UBC.

Os instrumentos de Marco viraram objetos de culto e despertaram, ao longo dos anos, o interesse de diversos colecionadores. O mesmo ocorre com as peças criadas por Kleber Dias, que, além de ter trabalhado com artistas como Evandro Mesquita, Guto Wirti, Diogo Genovês e Gustavo Pereira, atrai muitos hobbistas (músicos que tocam mas não são profissionais). Ele, que tem 15 anos de profissão, coleciona experiências legais, como o dia em que o bluesman Larry McCray usou uma de suas guitarras — no caso, a primeira que ele fez em 2009 — no Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, em 2014:

“O Larry, que tem um monte de Gibson, quis usar logo a minha. Ele me viu com a guitarra, dentro do case, no saguão de um hotel, perguntou o que era e pediu para ver. Quando tirei do case, ele achou incrível, e a gente foi fazer um som no hotel mesmo. Ele tem uma sonoridade muito especial, um timbre muito próprio dela. Curtiu tanto que perguntou se poderia usá-la no show. Foi ótimo, porque eu queria pedir para ele usar e não sabia como (risos). É algo que eu guardo com muito carinho porque ele é um sujeito extraordinário, bem humanista. Foi incrível vê-lo tirando um som incrível... Ele até lamentou não poder ficar com a guitarra por mais tempo para poder aproveitá-la ao máximo.”

Um trabalho que ainda continua repercutindo bastante é o de Tião Cruz, baterista e luthier paranaense que morreu há dois anos. O trabalho dele pode ser visto em bateristas como as de Guto Goffi, Kim Pereira, Wilson Meirelles e Gui Rodrigues, que é percussionista do Monobloco há 18 anos e também toca a bateria do mestre em outros trabalhos, como com os músicos Da Ghama e Pedro Quentall, e a sua banda própria, o Cabeça de Nego.

“O Tião fez os tambores de madeira da minha bateria, só as ferragens eu comprei à parte. Como ele era um especialista e um exímio baterista, deixei os detalhes a critério dele, só dizendo que queria uma que fosse leve e fácil de carregar. O que eu mais destaco nela é o som único, mais seco e enxuto que o das tradicionais, funcionando melhor para shows semiacústicos e intimistas, em que a pegada não precise ressoar tanto além do necessário.”

Geraldo Azevedo: paixão por instrumentos diferentes e pela arte dos luthiers

O compositor, cantor e violonista Geraldo Azevedo é outro grande entusiasta da arte. Ele tem um violão do Sugiyama, um dos primeiros a empregar o pau-brasil para o trabalho artesanal, e que usou na época do projeto Cantoria, quando fez três discos. Seu apreço pela arte da fabricação de instrumentos é tamanho que ele chega a desenhar alguns para serem feitos da forma que deseja. Um desses Geraldo encomendou ao luthier paraibano Carlinhos Pau Brasil, que também criou instrumentos para Chico César e Zé Ramalho.

“Quanto mais eu conheço essa arte, mais eu gosto. Mas nunca meti a mão na madeira. Gosto mesmo é de tocar. Desenhei para o Carlinhos fazer para mim um projeto de violão eletroacústico todo adaptado, feito para ser apoiado na perna esquerda. Ele é inteiramente feito para a minha anatomia, ficando um pouco à frente do meu corpo e anatomicamente correto quando toco sentado. No buraco dele eu desenhei um olho”, conta Geraldo.

Especialistas para toda obra

A relação entre músicos e luthiers também funciona como uma espécie de proteção para se saber da procedência dos instrumentos, estejam eles perdidos ou haja desconfiança de que sejam roubados ou adulterados. Ano passado, circulou pelas redes sociais a história de um músico que teve seus instrumentos roubados e recuperados graças às informações que acabaram chegando a um luthier. 

Lucas Vasconcellos lembra outro caso que ele acompanhou em sua timeline. Ali se tratava da pirataria de instrumentos de música erudita, como violinos e violoncelos. Um grupo chegou a comprar instrumentos chineses de mil dólares, feitos de forma industrial, e os envelheceu artificialmente para que se parecessem com Stradivarius, Amatis e outros objetos de desejo do gênero. Assim, eles eram vendidos por até R$ 50 mil. Graças a informações fornecidas por luthiers, chamados a verificar a autenticidade dos instrumentos, a farsa foi descoberta.


 

 



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