Instagram Feed

ubcmusica

No

cias

Notícias

Com a palavra, as gravadoras
Publicado em 11/04/2018

Imagem da notícia

Na última conversa da sala música do Rio2c – Rio Creative Conference do dia 05/04, a palavra ficou com as gravadoras.

Do Rio.

Leia abaixo como foi o debate entre Sergio Affonso (presidente da Warner Music Brasil), Paulo Junqueiro (presidente da Sony Music Brasil) e Paulo Lima (presidente da Universal Music Brasil) mediado pelo nosso diretor, Marcelo Castello Branco.

Marcelo Castello Branco:
O mercado da música nos últimos anos apresenta um crescimento constante, movido pelo digital. Por que muitos artistas não têm a mesma sensação e o que vocês podem dizer sobre a reclamação constante deles sobre as métricas de pagamento?

Sergio Affonso - Sempre foi assim. No passado tinha artista que não funcionava bem em rádio, não por motivos de qualidade, mas por motivos de aceitação. 
Mas eles reclamam e nós também. Porque é um veículo bastante novo e muita coisa vai se acertando no decorrer do período. Não é um processo que tenha terminado. Na verdade, está muito longe disso. 

Paulo Lima - Normalmente a gente reclama de uma coisa quando não tem conhecimento. Acho que falta um conhecimento da remuneração digital e de todo o negócio. (entenda aqui o processo da distribuição de streaming). Segundo, a gente vem de uma era de transformação. A gente passa de um CD, que era vendido a R$ 12, pro iTunes, com um modelo de negócios no qual a faixa custa U$0,99 e alguns anos depois chegam os serviços de streaming de música com um modelo de assinatura, no qual você deixa de ter posse do conteúdo. Nesse modelo, aquele teu U$1 vira R$ 0,00001. Então, a música digital precisa de um volume e uma escala que compense. É tão simples quanto isso. unidade, dezena e centena. Você tem que ter muito mais conteúdo escutado pra equivaler a um download e depois pra fazer o volume de um CD. 

Paulo Junqueiro - Já foi tudo dito. Acho também que tem artistas e artistas. Então alguns artistas reclamam, mas tem um monte de artista que não reclama. Que tá muito feliz com esse modelo.
É um ajuste que está sendo feito porque o negócio digital é um negócio novo. Quando a indústria foi criada e não tinha regras, os contratos começaram a ser ajustados e as regras começaram a ser estabelecidas. Eu acho que algumas dezenas de anos se fixaram num modelo. E agora a gente tá começando um mundo novo que vai se ajustar. 

Sergio Affonso - O maior desafio que eu tenho é todo dia aprender um pouco. E se a gente não tiver um desejo enorme de ficar na história e ter muito amor pelo que faz, acaba ficando pra trás e isso também acontece com artistas, empresários, com todo mundo que tá no nosso negócio. 


Marcelo Castello Branco: Muita gente acha que houve uma banalização da palavra A&R nos últimos anos. Na verdade houve uma transformação também. Era uma função interna e hoje essa função tá sendo exercida muito externamente. Como vocês trabalham hoje o desenvolvimento da carreira de um artista? O single compromete isso?

Paulo Junqueiro – Quando perguntaram ao John Ford se ele havia feito alguma pesquisa antes de chegar à invenção do carro, ele respondeu que, se ele tivesse feito, as pessoas teriam dito que queriam um cavalo mais rápido. Então acho que o A&R tem que entregar pras pessoas o que elas não conhecem.

A forma de fazer isso hoje que é um pouco diferente. Na época que eu era A&R a gente recebia ‘demos’ em cassete, depois em DVD já masterizada e mixada. A gente ia muito a shows, eu recebia também muita informação da mídia, dos parceiros, de empresários, etc. Hoje, além de fazer essas coisas, que eu ainda acho muito importante, tem o papel analítico de pesquisar no YouTube e nas plataformas qual é aquele artista que conseguiu chegar à métrica X.

O single hoje é a forma de você ir mostrando o seu trabalho e ir lançando o seu produto que no final pode até resultar num álbum ou não. Então não acho que é uma forma que compromete, acho que é uma forma diferente apenas.

Sergio Affonso - Acho até que pelo contrário. Antes, quando o artista lançava um álbum de 10-14 músicas, virava um escravo daquele álbum por 2 a 4 anos. E se errou, errou. Hoje você bota um single na rua e pode errar (não pode errar muito, mas pode errar) e na sequência pode acertar o outro. E isso pode ser em dois ou três meses. Então hoje se tem uma liberdade maior, com mais gastos, é fato, porque erra-se mais então se gasta mais, mas há um espaço maior de criação para todas as partes. 

Paulo Lima - Primeiro: A Universal não tem mais A&R. Segundo: todos os profissionais da companhia são A&R's. Terceiro, a gente contratou produtores exclusivos externos pra trabalhar como A&R. Porque hoje a gente tem uma visão de que não somos mais uma gravadora, já que quem grava são os artistas no estúdio. Os artistas procuram os produtores que são os meus A&R's. A vida inteira aqui a gente já comprou CD's por causa de uma música. Então quando o iTunes nasce em dezembro de 2003 quebra-se o paradigma e você passa a comprar uma música a um dólar.

Eu entendo que o planejamento de um artista é diferente do outro. Cada artista é uma marca, uma startup. Tem artista que eu lanço o álbum inteiro, como o duo Anavitória, porque o álbum tinha uma história pra contar. E foi um dos álbuns mais escutados no ano passado. Tem artista que, se você lançar o álbum inteiro, vão escutar uma música só. Então acho que tem que ser muito planejado e eu acho que a grande mudança do nosso lado aqui é de poder testar e entender o que cabe pra cada artista. Eu acho que o single pode favorecer ou atrapalhar a carreira de um artista.

Sergio Affonso - Eu tive o privilégio de trabalhar com A&R's como o próprio Paulo Junqueiro, Tom Capone, Renato Correia, Liminha, Peninha, Mariozinho Rocha, enfim, eu fiquei meio viciado e é uma coisa que eu não abro mão de jeito nenhum. A métrica pode estar me dando uma informação e eu muitas vezes vou na contramão da métrica. E tenho acertado. Quando você menos espera aparece, de repente, uma artista que não estava em métrica nenhuma, uma das artistas mais incríveis que passaram na minha vida recentemente, que foi a Iza, uma cantora que a gente lançou e chegou quase por acidente.

Marcelo Castello Branco: O que é importante hoje? Que critérios vocês utilizam pra contratar um artista e pra descartar um artista?

Sergio Affonso - Pra contratar um artista eu continuo usando uns critérios até um pouco antiquados. Acho que, se não cantar uma barbaridade, porque tem muitos que não cantam, tem que ter um poder de comunicação junto ao público que não pode falhar. Eu tive um chefe que falava pra mim: "o que o público quer, na grande maioria, é estar voltando pra casa no transporte público e sem perceber cantando uma música. Um ‘Vai Malandra’”. Então quando eu estou de frente pra um artista, quero saber se ele consegue fazer isso. Tem que emocionar o público de alguma forma, mesmo que não seja uma canção de amor, mesmo que seja um dos funks mais rasgados que possa existir, ele tem um poder de comunicação com aquele público.

Eu só descarto quando eu entendo que infelizmente eu não posso fazer mais nada e que prender o artista na companhia é um prejuízo pro artista também, porque ali, do outro lado, tem uma vida. Eu só descarto depois que entendo que não posso fazer mais nada.

Inclusive quando eu recebo demos eu ouço todas e sempre que posso mando um feedback porque eu entendo que do outro lado tem uma vida. O cara tá apostando naquilo ali.

Paulo Junqueiro: Acho que existe um monte de critérios pra contratar um artista. O que mais vale pra mim é o critério do coração, aquilo que te emociona, para aí sim, você juntar com o mercado. Porque pode me emocionar mas não ter nada a ver com o mercado. E também pode acontecer o contrário: funcionar muito no mercado e não me emocionar tanto. As métricas também são um critério hoje em dia. O fato de você querer oferecer às pessoas aquilo que elas não conhecem é um grande critério. Vou falar de uma artista que está tocando nesse momento aqui no Rio2c, a Thais Alvarenga, que não tem métrica nenhuma, vai na contramão do mercado e do que está acontecendo, não canta funk nem sertanejo. É talvez uma MPB misturada com pop e rock. E eu acredito nela porque ela é uma artista de verdade. Será que é o que mercado quer? Tomara que sim, é o que eu espero.

Acho que o primeiro sintoma do descarte do artista é dele mesmo. A gravadora não funciona exatamente assim: “descarta um artista e você tá demitido”, é um processo de desgaste, ou de falta de inspiração do artista. E tem horas que é o próprio mercado ou mesmo a gravadora, que não tem como "abraçar" todos os artistas. Então, para não prestar um mau serviço, é melhor conversar com o artista que vamos deixar para uma próxima oportunidade.

Paulo Lima: Eu só descarto o artista que não vê valor na companhia. Eu acho que o artista é um sócio, a gente não contrata o artista. O artista tem que ter "borogodó", algo que não se define. E tanto nós quanto todo o corpo da companhia que trabalha buscando talento encontra "borogodó", e às vezes é num estúdio ouvindo uma voz e um violão, como foi o caso do Atitude 67. A contratação vai de um alinhamento entre os pilares: o artista, seu talento, seu manager, o produtor do artista e a companhia. Porque aí quando se alinha os pilares, aí salta o hit. Se tem hit, contrata e estoura. Se não tem hit dificilmente vai acontecer.

Marcelo Castello Branco: Qual o papel que a música brasileira pode ocupar no mundo com a globalização e o fim das fronteiras?

Sergio Affonso: Mudou muito a partir da Anitta. Eu trabalho há 49 anos na indústria fonográfica, trabalhei com diversos artistas na Universal (antiga Poligram), Warner e EMI, e nunca tinha visto o que eu vivo com Anitta hoje. Não há uma semana em que eu não receba dois ou três pedidos de dueto ou participação, algo que era muito difícil de acontecer com outros artistas. (veja aqui o fenômeno do feat) E isso, pouco a pouco, vai se espalhando para outros artistas. Mas o que eu acho mais legal ainda é que antes o Brasil era conhecido pela música mais erudita, como a bossa nova e a MPB, e, agora, a música que está entrando lá fora é o funk, mesmo que muita gente torça o nariz. É incrível você ver o David Guetta ou o Bruno Mars pedindo a lista de 10 funks mais tocados. Tem gente que aposta que o funk vai superar o reggaeton, que é um gênero fortíssimo lá fora. Despertou-se um interesse pela música do Brasil novamente, de forma muito forte e eu acho isso sensacional. 

Paulo Lima: Acho que o principal fator, independente do estilo de música, é a música digital. Existia uma barreira física, você não tinha como lançar um produto físico no mundo inteiro. Agora, se a gente lança um single hoje, ele já está no Japão também. Então, são dois fenômenos: o surgimento da música digital e o celular. Gente, o Brasil tem mais celular que pessoas. Os serviços digitais crescem em uma velocidade muito grande. Quando um hit de qualquer gravadora tem êxito no Brasil, ele automaticamente salta no top global, que é monitorado no mundo inteiro. Então, todo mundo passa a escutar. As pessoas lá fora se identificaram com a nossa batida do funk depois que passaram a escutar, graças ao digital. 

Sergio Affonso: Junto a isso tem o fato de que a geração dos artistas novos tem um foco completamente diferente dos artistas do passado, tem um pensamento sobre a carreira bem diferente. Eu estava almoçando com um jovem artista antes de vir pra cá e teve uma hora que eu falei "chega, cara, você vai me matar". Porque é pergunta atrás de pergunta: "o que eu faço agora?", "o que vem depois disso?"... Isso mudou bastante, mas a música brasileira está ganhando um outro degrau lá fora muito legal de ver, porque é gente jovem fazendo música.

Paulo Junqueiro: Fora do Brasil, a música brasileira sempre teve autoestima. A bossa nova era um novo jazz, a MPB tocava as pessoas com Gil, Caetano, Bethânia. Mas a gente tinha uma barreira que era a língua. Pra música chegar fora do Brasil, ela tem que ter um estímulo, além da letra e do tema da música. E o que está acontecendo com o funk é isso, tocou no coração das pessoas no ritmo, na parte do "mexer", tal como o raggaeton.

Paulo Lima: Só pra pontuar uma coisa importante, eu acho que há uma mudança de consumo e há um efeito urban music global. Se puxar qualquer chart global, a música urbana é muito escutada no mundo inteiro. Mas por aqui, as pessoas não conheciam. O digital quebrou essa barreira e conectou. O YouTube tem um papel fundamental nisso. O Brasil cresce muito na exposição de conteúdo porque é muito grande. Terceiro país no YouTube, segundo nas playlists digitais... Estourou aqui, vai saltar no mundo. Mas pras pessoas não acharem que é só funk que está fazendo sucesso, é importante lembrar que quem puxou o funk com mais consistência foi o Alok. O Alok é uma explosão no mundo inteiro.

Sergio Affonso: Eu ia falar justamente isso. Alok, Bruno Martini e Ziba fazem um single e vira um hit global e todo mundo começou a escutar aqui antes mesmo de saber que eles eram brasileiros. Outro case é Anavitória, que estourou na Europa.

Paulo Junqueiro: O Alok, pra mim, não é exatamente uma representação da música brasileira. É música eletrônica cantada em inglês. Demorou até as pessoas entenderem lá fora que ele era brasileiro. Então, acho que Anitta, sim, está abrindo portas pra música brasileira cantada em português também. E todo mundo sabe que Anitta é brasileira.

Sergio Affonso: O Alok começou fazendo música em inglês e superou um preconceito no Brasil, da gente mesmo, como é o meu caso, e conseguiu fazer um enorme sucesso fora do Brasil, ainda que com uma música cantada em inglês. Mas na essência ele é brasileiro, ele toca em show de música sertaneja. 

Paulo Lima:  Sim, mas aí eu vou polemizar um pouco. O Alok não canta. O que fez essa música estourar no mundo foi, primeiro, o fato de ser um hit. “Here me now” é um hit e ponto. Segundo, os números dessa música no Spotify Brasil e global. Quando ela entrou no top 25 do mundo, virou uma máquina e todo mundo começou a ouvir. É o efeito de uma música, que se a gente for analisar friamente, fez sucesso por causa do digital. (veja aqui seis dicas pra fazer sua música circular). O ISRC dessa música não é nem brasileiro, então eu entendo o que ele tá dizendo, mas é o efeito de três brasileiros fazendo uma música que se tornou hit no mundo por causa do digital.

Sergio Affonso: Eu acho que isso não tem nada a ver, que essa música é universal e os caras são brasileiros e o Zyba cantando inglês. Eu ouvi recentemente um artista que a maioria aqui não vai nem conhecer chamado Agostinho dos Santos cantando em inglês com Johnny Matis. Você fica chapado. O cara canta de uma forma impressionante e é um sambista cantando bossa nova. Então eu não tiro de forma nenhuma da mesa o fato do Alok ser brasileiro.

Marcelo Castello Branco: Os agregadores são as novas gravadoras ou são apenas distribuidoras?

Paulo Lima: Eu costumo dizer que esse é o tema mais polêmico que a gente vive hoje na indústria, porque a prática do agregador e o modelo de negócio são completamente diferentes dos de uma gravadora. O agregador é um distribuidor. Ela pega a música, formata e entrega. O que uma gravadora faz é potencializar a carreira do artista em todos os sentidos.

Hoje a Sony é dona de um agregador. A Universal também. O porte que a gente tem de estrutura e todo o investimento que a gente faz na carreira de um artista são completamente diferentes de um agregador. O business model não se compara. Tem papel pra todo mundo.

Sergio Affonso: São trabalhos completamente diferentes, mas que podem se complementar. Eu, particularmente, busco isso. E não vejo por que estar 100% separado, nem 100% junto. No que depender de mim, minha companhia não atua como agregador. Às vezes a gente faz pontualmente, numa estratégia de um selo, por exemplo, mas não é o foco. Por isso, é superimportante o trabalho que eles fazem. E tem muita gente que desconhece isso. Eu tive uma reunião recentemente com um artista e quando eu falei “homepage takeover”, Spotify e agregador ele não entendeu nada. (Veja duas formas de usar o Spotify a seu favor).  É muito uma coisa interna, mas acho que o trabalho de um agregador pode complementar o de uma gravadora.

Paulo Junqueiro: Eles se completam, uma agregadora é uma distribuidora. Mas aqui no Brasil existem agregadoras que se acham gravadoras, e que falam: "os meus artistas", "eu negocio contratos dos meus artistas", "não venha aqui roubar meus artistas". E eu falo: "como assim, os artistas não são seus". E nem são meus. Então aí acho que ainda existe espaço pra gente se encontrar conceitualmente. Saber o que é uma gravadora, o que é uma agregadora e o que é uma distribuidora. Assim como existiam as distribuidoras de disco físico, que não eram gravadoras, eram distribuidoras. Assim como hoje em dia tem distribuidoras para distribuírem conteúdo digital e ponto final. Mas não vão lá fazer o A&R do artista, o marketing, não vão sofrer com o artista, etc, etc.


 

 



Voltar