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Execução pública perde quase R$ 200 milhões por ano com TV a cabo pirata
Publicado em 24/09/2021

Cálculo da UBC se baseia em dado de R$ 16 bi de prejuízo total do setor em 2019; principal razão são as 'caixinhas' ilegais

Por Alessandro Soler, de Madri

A pirataria da TV por assinatura no Brasil tira dos titulares de direitos de execução pública das músicas usadas na programação das emissoras quase R$ 200 milhões por ano. O cálculo, feito pela UBC a partir de dados divulgados por Marcelo Bechara, diretor de Relações Institucionais do Grupo Globo, mostra o tamanho de um problema a ameaçar a própria sobrevivência da TV paga, setor que em 2019 respondeu por 23% de tudo o que o Ecad distribuiu entre compositores e outros titulares. 

Na última quarta-feira, Bechara e diferentes especialistas participaram do webinar (seminário online) A Pirataria no Brasil, promovido pelos jornais "O Globo" e "Valor Econômico". Durante sua intervenção, o executivo do maior conglomerado de comunicação da América Latina, sob o qual estão os canais Globosat e a plataforma Globoplay, revelou que a perda de receita do setor de TV por assinatura — sobretudo por conta da difusão maciça das caixinhas vendidas livremente no comércio brasileiro, oferecendo canais pagos e até plataformas como Netflix e HBO com sinal aberto — foi de R$ 16 bilhões em 2019. 

Naquele mesmo ano, segundo dados da Teleco, consultoria especializada no setor de telecomunicações no país, o faturamento total das empresas de TV por assinatura do Brasil foi de R$ 18,9 bilhões. Já o valor de execução pública distribuído pelo Ecad e oriundo desse segmento foi de R$ 226,9 milhões. 

Caso os R$ 16 bilhões perdidos com pirataria tivessem entrado no mercado formal — e, portanto, na conta do cálculo de distribuição de direitos autorais —, os titulares teriam ficado com R$ 195,2 milhões a mais.

"É muita coisa. Reflete uma realidade, um enorme problema, o da apropriação indevida de sinal. Além das caixinhas, há áreas conflagradas em grandes cidades onde milicianos e traficantes dominam a distribuição pirata de TV por assinatura, lucrando com isso e usando esse dinheiro para financiar o tráfico de drogas e armas. As consequências vão muito além das perdas financeiras imediatas", disse Sydney Sanches, advogado especialista em direitos autorais e consultor jurídico da UBC. 

As tais caixinhas, que viraram febre no país, têm sido vendidas em lojas de produtos eletrônicos abertamente, inclusive com nota fiscal. Também são a estrela de marketplaces — conglomerados de sites que comercializam produtos e serviços — na internet. Por valores que podem chegar a R$ 2 mil, oferecem a promessa de sinal liberado, sem pagamento mensal, e às custas da exploração ilegal de conteúdos produzidos e originalmente distribuídos por outros.

A Anatel recentemente decidiu incluí-las na lista de equipamentos piratas junto com qualquer outro tipo de decodificador não homologado. Mesmo assim, não há indícios de que seu uso tenha caído. Ainda de acordo com a consultoria Teleco, em julho deste ano havia 16,3 milhões de assinantes no mercado legal de TV paga, contra 18,2 em 2017. A penetração dos canais pagos nos lares brasileiros, contudo, teria crescido, segundo disseram os especialistas durante a webinar, por conta da disseminação das caixinhas piratas.

"É uma cópia perfeita do produto lícito, o que raramente ajuda na luta contra a pirataria. Na pandemia, esse tipo de mercadoria ficou mais disponível, e a demanda aumentou. A pirataria surfou na onda do conteúdo digital, chegando com mais força à casa das pessoas", explicou Ygor Valério, advogado que atua no setor audiovisual e é sócio do escritório paulistano Cesnik, Quintino, Salinas, Fittipaldi & Valerio Advogados. 

Bechara, do Grupo Globo, chamou a atenção para um dado ignorado por grande parte dos compradores desses equipamentos: da mesma forma que quebram o código dos canais a cabo e liberam seu sinal, eles também podem captar dados de rede e informações pessoais dos usuários domésticos, beneficiando hackers e ladrões de senhas, por exemplo. Igualmente, as caixinhas poderiam ser telecontroladas por criminosos para integrar uma rede de ataques de ransomware ou outras atividades ilegais, sem que seu proprietário fosse consciente disso. 

"(Os compradores das caixinhas) estão colocando dentro da casa um terminal zumbi, que vai armazenando dados da sua máquina, até imagens de pornografia infantil, fazendo mineração de criptomoeda, usando o computador para ataques em rede. Você está dando a chave do cofre para o bandido", comparou o executivo.

A despeito do crescimento das grandes plataformas online, como Netflix, HBO, Apple TV+ ou Amazon Prime Video, a TV a cabo ainda deverá ter vida longa, sobretudo por conta do sinal instável de internet que chega a muitas regiões do Brasil. Por isso, afirmou Sydney Sanches, é tão importante protegê-la. "Uma associação como a UBC e todo mundo que defende o direito autoral devem participar desse debate. O direito autoral protege a música e também as emissões legais de TV. Ao lutar contra a pirataria da TV a cabo, estamos lutando pela legalidade e, especificamente, também pelos interesses dos autores de música que têm suas obras incluídas em produtos audiovisuais distribuídos pelos canais de TV, sejam os fechados, sejam os abertos, que também são distribuídos pelas operadoras pagas. Os criadores dos conteúdos são diretamente prejudicados pela perda de receita."

Diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco descreveu a pirataria de produtos culturais como uma hipocrisia que se repete de forma cíclica. Os consumidores, ávidos por ter acesso a produtos culturais, estariam paradoxalmente matando a indústria ao decidir não remunerá-la:

"O poder inventivo de quem se beneficia do acesso ilegal é ilimitado, e uma sociedade débil o acolhe e justifica de mil maneiras. Mas o dano ao setor criativo é incomensurável. Redes legitimas enormes de criação, produção e distribuição ficam mais vulneráveis e sofrem perdas que comprometem sua sustentabilidade. O resgate desta receita exige atenção de todos, criadores e legisladores."

Castello Branco também lembrou a responsabilidade do mercado formal em seguir educando o público, para mostrar que a aparente vantagem de curto prazo prejudica e ameaça a produção. "Todos perdemos. Principalmente o consumidor, iludido na sua desinformação ou dissimulação."

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