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Paródias: A voz do autor
Publicado em 07/07/2022

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Por Geraldo Vianna, diretor da UBC, produtor musical, arranjador, compositor e violonista

Em um mundo orientado por ideologias, associadas a doutrinas e posicionamentos sócio/político/culturais, onde se busca a imposição de sistemas que assegurem a sobreposição de ideias e conceitos administrativos, que atendam aos interesses individuais ou de grupos, todas as formas de pseudo liberdade de expressão, têm que ser revistas e analisadas sob o prisma dos direitos e deveres, com lisura e consciência jurídica.  

O Brasil sempre foi considerado um dos maiores expoentes de autores e compositores em todo o mundo, com uma indústria de entretenimento consolidada dando suporte a toda a gama de criadores em seus diversos setores, gerando muitos empregos diretos e indiretos. Segundo estudo da Cisac (Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores), de 2015, em parceria com a Unesco,  o setor criativo, fundamental para a economia global gerava, em todo o mundo,  US$ 2,25 trilhões (algo em torno de R$ 7,131 trilhões naquela ocasião) para a economia global e cerca de 30 milhões de empregos.  

Quando associado ao setor de educação, turismo e de eletrônicos, nas várias formas de gravação,  reprodução e utilização, esse número se eleva a proporções incalculáveis.  

Mesmo assim, os autores, compositores e criadores desse imenso leque cultural que abrange a música, literatura, poesia, roteiros para cinema e televisão, entre muitos outros, são alvo de constantes tentativas de usurpação de seus direitos morais e intelectuais, bem como de cerceamento de suas ideias e impressões artísticas desenvolvidas ao longo de uma carreira embasada pela entrega absoluta à sua criação. Um bem valioso e necessário para a economia e identidade nacional, que de tempos em tempos se vê ultrajado e ameaçado por interesses mesquinhos e oportunistas; com limitação da compreensão social, artística e dos direitos e deveres dos cidadãos. Da ética. 

Há alguns anos, com interesses exclusivamente políticos, isentos de qualquer pudor e respeito, ressurgiu o tema das paródias musicais. Dessa vez atendendo aos interesses individuais e eleitoreiros da campanha do candidato Tiririca ao cargo de deputado federal. O então candidato, utilizou a música “O portão” de Roberto e Erasmo Carlos, como mecanismo de massificação (com muito mau gosto, inclusive), sem a autorização dos autores. O artista, um “palhaço” que se destacou em programas de humor da televisão brasileira, em benefício próprio, ridiculariza a imagem dos autores, pondo em risco o que poderia ser chamado na constituição da vida em sociedade, de “cláusula pétrea” do mais alto conceito ético: o respeito 

Ao utilizar essa obra de grande sucesso sem a autorização dos autores, com alterações que beneficiam seus propósitos eleitoreiros, ridicularizando um tema que já faz parte do inconsciente coletivo de toda uma geração, ele desconsiderou o trabalho de entrega e dedicação dos criadores, que traz em sua essência o conhecimento artístico/musical aliado à experiência pessoal de toda uma vida.  

Agora, esse tema volta à pauta do STJ, que analisa se a alteração de uma letra de música, para utilização em propaganda político-eleitoral, caracteriza ou não paródia. Lembremos que a utilização de uma obra, em qualquer circunstância, necessita da autorização expressa do(s) autor(es) devendo, a parte interessada em seu uso, cumprir todo o processo de liberação. Música e letra se interligam e criam uma identidade própria. 

Houve um caso em que  4ª Turma condenou um supermercado pelo uso não autorizado, com alterações de uma música para publicidade na televisão. Os ministros entenderam, naquela ocasião, que o uso da canção atendia aos interesses comerciais da empresa. Ora, a utilização de uma obra conhecida do grande público, com letra alterada, não caracteriza interesses comerciais, se considerarmos que o uso da mesma, visa a promoção e massificação de um determinado nome que pleiteia um cargo público? 

Cabe àqueles que examinam a causa, o discernimento, compreensão e busca da preservação da imagem do artista criador, com base no aspecto intelectual e sentimental que move a criação artística. Da importância, para o autor, da integridade de sua criação, alheia aos posicionamentos político/partidários. Não podemos permitir a utilização, com despudor, de toda a carga emocional que cativou inúmeros admiradores da obra, com objetivos escusos, que atendam somente ao desejo e objetivo de realização no poder.  

Não devemos permitir a disseminação da cultura do desrespeito, por parte de políticos que, com ações dessa natureza, indicam um caminho de mediocridade administrativa, onde imperam a arrogância, falta de cultura e vulgaridade, ao se apoderarem de obras que não os pertencem, sem autorização prévia. Um verdadeiro exemplo daquilo que poderá ser sua gestão.  

A paródia é permitida para fins artísticos e jamais se imaginou que a improbidade de políticos mal intencionados seria tema de discussões em um momento em que o país necessita tanto de líderes humanitários, comprometidos com as questões sociais; que a verdadeira cultura brasileira depende da valorização de seus artistas, de seu conteúdo. 

Que um dia todos os palhaços voltem a ser a alegria das crianças e não, excêntricos candidatos à falta de criatividade e mediocridade humanas. Que se apropriam indevidamente de direitos alheios, sem permissão. Enquanto isso, continuamos compondo músicas que falam de amizade, amor, respeito… Somos honestos e queremos viver daquilo que produzimos. Nada mais. 

LEIA MAIS: Suspenso o julgamentto do uso de músicca em 'paródia' política


 

 



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