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Jackson do Pandeiro: os 100 anos do Rei do Ritmo
Publicado em 30/08/2019

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Shows, documentário e reedições de discos homenageiam o conhecido — mas não suficientemente reconhecido — criador de um estilo único de fazer e tocar música 

Por Kamille Viola, do Rio

Nascido no dia 31 de agosto de 1919 em Alagoa Grande, na Paraíba, Jackson do Pandeiro conquistou o país com a originalidade de sua música, ganhando o epíteto de Rei do Ritmo e influenciando gerações de artistas, da Tropicália à turma responsável pelo renascimento do samba na Lapa, no Rio de Janeiro. Considerado um dos nomes fundamentais da música brasileira, o artista é celebrado com homenagens no ano de seu centenário, incluindo um documentário e reedições de discos.

Na Paraíba, foi decretado Ano Jackson do Pandeiro, com diversos eventos. Além de shows por todo o país, o ano conta com o lançamento do documentário “Jackson — da Batida do Pandeiro”, dos paraibanos Marcus Vilar e Cacá Teixeira, previsto para ser lançado após o Festival de Brasília (para o qual há expectativa de que seja selecionado). Entre os entrevistados, a segunda mulher de Jackson, a cantora Almira (de quem foi parceiro musical), que ainda estava viva quando o filme começou a ser feito, Gilberto Gil, Hermeto Pascoal, Alceu Valença, Lenine e Pedro Luís, entre outros.

Teixeira defende que Jackson é uma pessoa conhecida, mas não reconhecida. “O talento dele é reconhecido por gênios da música brasileira como Hermeto Pascoal, da galera mais nova o Lenine, o Pedro Luís, esse pessoal que continua respirando nessa fonte que é Jackson. Silvério Pessoa deu um depoimento, que acabou não entrando no filme, em que ele compara Jackson a Lou Reed. Porque não era um cara que tinha um estilo, não era preso a determinada temática: enveredava por vários ritmos. Ele apressou o compasso do frevo, fez samba no Rio de Janeiro, ganhou festivais de samba, de marcha, foi para a umbanda e outras religiões por conta da sonoridade que existia ali. Um cara que foi alfabetizado ao 35 anos de idade”, analisa.

O cantor e compositor Moyseis Marques conta que a fusão do samba com o forró feita pelo artista o influenciou muito. “Jackson era um paraibano que veio para o Rio de Janeiro cantando coco, cantando daquele jeito que os americanos chamariam de loose: completamente fora do ritmo. Dizem que existem duas escolas de canto popular no Brasil: uma se chama João Gilberto, a outra se chama Jackson do Pandeiro. Cada um dentro da sua esfera, cada um dentro do seu quadrado, mas com essa liberdade do canto popular”, comenta Marques. No sábado (31), ele se apresenta em um tributo ao paraibano no Circo Voador, no Rio de Janeiro, ao lado de Alfredo Del-Penho, João Cavalcanti e Pedro Miranda, com participação de João Bosco.

Marques conta que o jeito único de cantar do paraibano, “de levar o ritmo um pouco para a frente, adiantar e depois atrasar, que parece que vai dar errado, mas não dá”, chamou muita atenção quando ele o ouviu pela primeira vez. “Eu já vinha dos barzinhos, porque minha história musical começa com os bares, voz e violão, e depois tive uma banda de forró, o Forró na Contramão, de 1999. Embora essa informação do samba já estivesse na minha cabeça, por eu ter crescido no subúrbio, a primeira coisa que eu fiz profissionalmente foi o forró. E aí, quando eu ouvi Jackson do Pandeiro cantando forró daquela maneira sambada, foi muito determinante para mim, e acredito que para muitos da minha geração, como o João, o Alfredo e o Pedrinho, que estão fazendo esse show comigo. E o próprio João Bosco, que vai fazer uma participação com a gente, disse a mesma coisa”, lembra Moyseis Marques. 

Almira Castilho, segunda mulher e parceira musical por décadas, e Jackson do Pandeiro. Foto: Kojima

Marcus Vilar conta que duas coisas chamaram sua atenção sobre Jackson durante o processo do filme. A primeira foi a generosidade dele. “Muitos cantores de forró que saíram do Nordeste e foram para o Sul ele acolheu na casa dele, deixou ir ficando lá enquanto não se organizassem. Isso, para mim, foi forte”, diz. “Outra coisa foi a humildade. No filme, tem o depoimento do Zuza Homem de Mello dizendo que fez um festival da canção (MPB Shell) em 1981 — Jackson morreu em 82 — e foi à casa do Jackson convidá-lo para ser a principal atração do evento, que tinha Alceu Valença, Geraldo Azevedo e outras pessoas. Quando ele disse o valor do cachê, era muito baixo, típico de uma pessoa muito humilde. Ele não tinha noção do tamanho dele. Mas essa humildade, junto com a generosidade, o tornou mais humano”, analisa Marcus Vilar.

Entre as homenagens, acontece nesta sexta (30) na Casa Natura Musical, em São Paulo, o “Arraiá do Geraldo Azevedo – Especial Jackson do Pandeiro”, que traz músicas do pernambucano e sucessos do Rei do Ritmo. 

Além disso, os discos de Jackson do Pandeiro lançados pela Columbia e CBS serão reeditados pela Sony. O responsável pelo projeto é o pesquisador Rodrigo Faour, que em 2016 editou com Alice Soares e Maysa Chebabi a caixa “O Rei do Ritmo”, pela Universal. Igualmente, a Sony anunciou nesta sexta-feira (30), véspera do centenário, a chegada de seis álbuns raros de Jackson às plataformas de streaming. Restaurados e digitalizados, já estão disponíveis “Nortista Quatrocentão” (1958), no qual lançou o clássico “Tum, Tum, Tum” (“No tempo que eu era só/ E não tinha amor nenhum/ Meu coração batia mansinho/ Tum, tum tum”), um disco de 78 rpm (de duas faixas, gravado em 1959), com “Lágrimas” (um samba de sucesso no carnaval de 1960) e outro samba raro, “De Araraê”, além dos LPs “Jackson do Pandeiro é Sucesso” (1967), “O Dono do Forró” (1971), “Sina de Cigarra” (1972) e “Tem Mulher, Tô Lá” (1973).

Sobre Jackson do Pandeiro:

José Gomes Filho era um dos três filhos da cantora de coco pernambucana Flora Mourão (nascida Flora Maria da Conceição) e do oleiro José Gomes. Logo cedo demonstrou talento para a música: aos oito anos, já tocava zabumba e acompanhava a mãe nas festas da cidade. Com a morte do pai, sua mãe se mudou em 1932 com os filhos para Campina Grande (PB). Ali, começava a carreira artística de Jackson, que exercia paralelamente aos trabalhos de entregador de pão e engraxate. O nome artístico veio do ator Jack Perry, de filmes de faroeste dos tempos do cinema mudo, de quem era fã. Começava a ficar conhecido um certo Jack do Pandeiro. 

Em 1936, aos 17 anos, tornou-se substituto do baterista de um conjunto musical do Clube Ipiranga, sendo efetivado posteriormente como percussionista do grupo. Em 1939, ainda sob o nome artístico de Jack do Pandeiro, formou dupla com o irmão mais velho de Genival Lacerda, José Lacerda, fazendo sucesso em Campina Grande.

No início da década de 1940, mudou-se para João Pessoa, onde tocava em cabarés, até ser contratado da Rádio Tabajara como parte da orquestra da emissora, sob o nome Zé Jack. Quando o maestro Nozinho, que regia a orquestra, foi contratado para a Rádio Jornal Comércio, em Recife, o músico também foi para lá, em 1948. Foi na cidade que ganhou seu nome artístico definitivo e conheceu o pernambucano Rosil Cavalcanti, com quem formou uma dupla.

Foto: Funesc/PB

Em 1953, lançou pela gravadora carioca Copacabana o que seria seu primeiro sucesso: “Sebastiana”, em um compacto duplo de 78 rotações que também tinha “Forró em Limoeiro”, de Edgar Ferreira. Ainda no Recife, conheceu Almira Castilho (morta em 2011), que se tornaria sua parceira de palco e assinou cerca de 30 canções gravadas por ele (embora haja quem questione sua autoria, dizendo que na verdade quem fazia as músicas era Jackson, há quem defenda que ela era compositora, sim). 

No ano seguinte, os dois se mudaram para o Rio de Janeiro após um episódio traumático em uma festa na casa de Eládio de Barros Carvalho, ex-presidente do clube pernambucano Náutico. Em fevereiro daquele ano, a dupla tinha sido chamada para se apresentar no evento. Jackson não gostou quando alguns jovens começaram a assediar Almira. A briga se tornou grande, e eles fugiram para não serem linchados. Ainda assim, ele foi brutalmente agredido, correndo o risco de ficar cego. Magoados com a falta de apoio da rádio e do jornal, ele e Almira, que ainda não tinham envolvimento amoroso, pediram rescisão de contrato, assinado em 1953, o que foi negado. Pagaram a multa e foram para o Rio de Janeiro — na época, Jackson já era conhecido nacionalmente.

Ex-professora, cantora e dançarina, foi ela quem lhe ensinou a escrever seu nome, quando Jackson já tinha 35 anos. Almira foi com ele para o Rio, porque tinha gravado a voz feminina de “Sebastiana”. Na cidade, segundo o artista, era como sua secretária. Até que os dois se envolveram e, quando voltaram a Recife, a polêmica estava formada, já que a moça era namorada do diretor da rádio, Geraldo Lopes, e o comentário de que a dupla estava vivendo como casal no Rio era geral. Jackson e ela resolveram se casar oficialmente.

Gravou cerca de 140 discos e mais de 400 canções, dentre as quais diversas fizeram sucesso em todo o país, como “O Canto da Ema” (de Ayres Vianna e João do Valle), “Chiclete com Banana” (Gordurinha e Almira Castilho), “Forró em Caruaru” (Zé Dantas) e “O Velho Gagá” (Almira e Paulo Gracindo). Nomes como Luiz Gonzaga, Alceu Valença, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo também registraram seus sucessos.

Em 1967, conheceu a baiana Neuza Flores dos Anjos, com quem ficou até o fim da vida. Os dois se conheceram depois de um show dele no camarim e, segundo ela, que ainda é viva, no dia seguinte ele pediu a mão dela em casamento a seus pais. Neuza, que era metalúrgica, aprendeu com ele a tocar agogô e integrou o grupo Os Borboremas, que acompanhava o cantor no palco. 

Em 5 de julho de 1982, ele se apresentou na Festa da Associação Recreativa do Ministério da Educação e Cultura, em Brasília. No dia seguinte, enquanto esperava o avião para o Rio, desmaiou. Seguiu para a cidade, onde foi internado na Casa de Saúde Santa Lúcia e morreu no dia 10 do mesmo mês, de embolia cerebral e pulmonar. Foi enterrado no Cemitério do Caju. Não teve filhos.


 

 



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