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Raio-x dos empresários musicais nacionais
Publicado em 26/11/2019

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Pesquisadora da ESPM-RJ faz extenso levantamento sobre a atuação de um profissional que, revelam os números, longe de subtrair, multiplica os lucros dos artistas

Do Rio 

Quantos artistas musicais têm empresários no país? Qual o percentual médio de remuneração desses empresários? Que funções têm no mercado musical da era digital? O que aportam para a carreira de cantoras/es e bandas que se aventuram num universo tão duro e competitivo? A pesquisadora Anita Carvalho, do Laboratório de Economia Criativa da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) do Rio de Janeiro, mestranda em gestão estratégica da economia criativa, se propôs a responder a essas questões e muitas mais. Ao centrar sua atenção no mundo do empresariado musical, ela encontrou dados que amparam uma constatação empírica e óbvia: ter um empresário — e uma equipe de apoio em geral —, longe de subtrair dinheiro do artista, no geral o ajuda a multiplicá-lo

“Artistas que se autoempresariam têm uma média de 2,05 shows por mês, com faturamento médio de cerca de R$ 10 mil. Já os artistas atendidos por um escritório de empresariamento fazem uma média de 6,76 shows, com faturamento médio de R$ 377 mil, 34 vezes mais do que os primeiros. Esse dado demonstra o impacto de ter uma equipe trabalhando pela sua carreira”, ela conta. 

As meninas da Mulamba, banda curitibana do universo independente que vai galgando seus passos em direção ao mainstream, sabem disso. Participantes do Projeto Impulso, da UBC, elas fecharam contratos com a empresária Fátima Pissarra para caçar oportunidades de parcerias com marcas; contrataram uma produtora e estão prestes a assinar com uma editora. O momento, elas dizem, exigia recorrer ao olhar especializado. 

“Há quatro anos a Mulamba trabalha de forma independente. Apesar de ajudas pontuais de produtora, assessoria de imprensa, o grosso ficava conosco. Sempre nos dividimos entre as seis para dar conta de tudo. Cada uma tem uma função. Porém, as demandas começaram a aumentar. Claro que nos sobrecarregaram e até estressaram”, conta Naira Debértolis, guitarrista, baixista e violonista do sexteto. “O estresse burocrático tira o foco do artístico: a gente sai do caminho de compor, arranjar, cuidar do show. Até acho possível para uma banda independente fazer tudo, mas que saiba que é muito estressante. Os artistas devem conhecer o negócio, saber para onde estão indo. Mas é outra coisa poder deixar a parte mais 'chata' com pessoas que sabem fazer melhor.”

Numa entrevista com o site da UBC, a pesquisadora Anita Carvalho, que dá aulas no curso de gestão de carreiras do Vivo Rio Academy, revela alguns dados superinteressantes encontrados durante a sua pesquisa de mestrado. Confira. 

 

Que sinais indicam que um artista independente e do midstream (de tamanho médio) precisa de um empresário? 

ANITA CARVALHO: Todo artista, independente do porte, já tem um empresário, ainda que seja ele mesmo. É impossível seguir com uma carreira artística sem as atividades inerentes ao empresário: agendar shows, se relacionar com a imprensa e com os fãs, divulgar eventos e alinhar cronogramas de produção. Recomendo às bandas iniciantes: vocês não têm o maior cuidado em escolher os músicos que vão participar da banda? Tenham o mesmo cuidado ao entender que o empresário é fundamental. Então chamem desde o início aquele amigo que gosta de gestão e é proativo para fazer parte da banda, como empresário/produtor. Foi assim com Os Paralamas do Sucesso, que seguem até hoje com o mesmo empresário. 

 


Numa era de estímulo ao empreendedorismo, ao faça-você-mesmo, ao “você pode tudo com foco e determinação” (o que sabemos que nem sempre é verdade), muitos artistas se sentem compelidos a tentar conduzir também os aspectos burocráticos da sua carreira. Qual a chance de sucesso deles?

A chance de sucesso vai depender da habilidade do artista com os negócios. Alguns conseguem, como é o caso da Anitta (que, apesar de ter fechado recentemente com um empresário, Brandon Silverstein, mantém um rígido controle sobre tudo). Mas, de modo geral, são duas competências muito diferentes as artísticas e de gestão. (No empresariado) são muitos aspectos distintos do fazer artístico, como planilhas financeiras, otimização de impostos, verificação de contratos, controles de entradas e saídas, checagem das condições do local do show, elaboração de cronogramas, entre muitos outros. O ideal, no meu ponto de vista, é que o artista tenha disponibilidade para cuidar da sua música. Os que optam por esse modelo de se autoempresariar necessariamente vão ter que constituir e liderar uma equipe para cuidar de todos esses aspectos. 

No meu universo de pesquisa, 12% dos artistas do mainstream brasileiro (o ponto de partida foram 600 artistas listados no banco de dados da publicação “Showbusiness”) se autoempresariam; 23% possuem um empresário independente; e 58% são atendidos por um escritório de empresariamento. Dos que não têm empresários, 76% gostariam de ter.


Se se comparam os empresários do período de ouro da indústria fonográfica, pré-pirataria, e os de hoje, seu papel mudou muito?

No período que você menciona, no qual as gravadoras eram muito fortes, o papel tanto das gravadoras quanto dos empresários era muito bem delimitado. As gravadoras produziam os discos, faziam o marketing e a distribuição. Os empresários cuidavam de comercialização, logística e produção dos shows. As próprias fontes de receita eram bem claras: as gravadoras ficam com a receita de produtos fonográficos, enquanto que os empresários ficavam com a receita da venda de shows ao vivo. Com a transformação do mercado, especialmente após a chegada da música digital, esse cenário mudou completamente. As gravadoras enxugaram seus departamentos, e os empresários se viram obrigados a assumir, por exemplo, a gestão do marketing dos artistas. Além disso, com o avanço da tecnologia, as gravadoras perderam o monopólio da gravação, de modo que muitos artistas já chegam na gravadora com o disco pronto (produzido pelo empresário, que antes não tinha essa função). A perda de receitas com a venda de fonogramas levou as gravadoras a investirem nos chamados contratos 360 graus, nos quais recebem uma parte da receita da venda de shows dos artistas. Ou seja, as responsabilidades dos empresários foram ampliadas, e suas receitas diminuíram. Algumas gravadoras inclusive criaram departamentos de empresariamento artístico, mas, de modo geral, isso não deu muito certo, por que elas não tinham a expertise necessária. Além do mais, a atividade de empresariamento artístico é muito pessoal, sendo difícil de ser executada na pessoa jurídica. Mesmo os escritórios de empresariamento têm uma figura que é o empresário em si, e que se reporta diretamente ao artista. 

 

Por que o papel do empresário é tão especial?

Um empresário deve ser o CEO da empresa “Artista”. O artista é uma empresa, uma marca, cujos produtos oferecidos ao mercado são as músicas e os shows. O fã é um cliente, assim como o contratante de shows. Como CEO, ele deve fazer o planejamento estratégico da empresa, elaborar o plano de marketing e comunicação, fazer a gestão financeira, contábil e jurídica do negócio - além da direção de produção e logística dos shows. São muitas atribuições e responsabilidades. O empresário é também o elo de ligação do artista com o resto do mercado, fazendo a interface com as gravadoras, imprensa, casas de show e até mesmo fãs com solicitações especiais.


Como toda relação profissional, o bom “casamento” entre artista e empresário depende de feeling, de interesses comuns, de visões de mundo e de mercado similares. Como escolher o melhor empresário que se adapta a você?

Muito interessante a palavra que você escolheu: casamento. Porque é essa palavra que alguns empresários e artistas que eu entrevistei usaram para definir a relação empresário-artista. Na pergunta anterior, comparei o artista a uma empresa, mas isso vale para o ponto de vista do negócio. No ponto de vista humano, o artista é uma pessoa, e o relacionamento não se dá na base do B2B (business to business, ou negócios entre companhias, em tradução livre). É um relacionamento extremamente pessoal, daí a dificuldade das gravadoras em assumir a gestão de carreiras como pessoa jurídica. É preciso uma extrema sintonia entre empresário e artista para que a coisa funcione. Se não houver uma harmonia nas visões, se o empresário acha que o caminho é um, e o artista acha que é outro, dificilmente essa parceria vai ser frutífera. Então, como escolher o melhor empresário que se adapta a você? Do mesmo jeito que se escolhe marido/esposa: namorando. Recomendo aos meus alunos que tentam entrar nesse mercado que tenham várias reuniões com o artista antes de fechar a parceria, apresentando seu método de trabalho, sua visão sobre aquele trabalho, que metas são viáveis de serem atingidas. Com esse alinhamento pessoal, artístico e de expectativas, o trabalho tem muito mais chance de sucesso. É comum artistas passarem por alguns empresários até encontrarem o “empresário ideal”. O importante é não desistir.
 

Pela sua experiência durante a pesquisa e no contato com o mercado, qual o percentual médio de remuneração dos empresários?

Mapeei cinco modelos de negócios em prática hoje no mercado. A remuneração vai depender desse modelo de negócio. O mais comum é o modelo de sociedade, no qual artistas e empresários dividem lucros e receitas na proporção estabelecida. Ou seja, entra tudo, sai tudo, o saldo é rateado entre as partes num formato que varia entre 20% a 40% para o empresário. Antigamente, era comum o percentual de 20%. Mas hoje, com o aumento das atribuições dos empresários, verifica-se com mais frequência a existência de percentuais maiores. Já no modelo do empresário investidor, a participação do empresário pode chegar a 70%, dependendo do investimento que ele fizer na carreira do artista. Esse modelo é o que costuma gerar brigas na justiça, porque, depois de alcançarem o sucesso, os artistas tendem a questionar o percentual acordado no início. No modelo de agência, o empresário é responsável apenas pela gestão comercial (venda de shows), sem se envolver no planejamento da carreira em si. Nesses casos, se pratica um percentual de 10% a 20% do bruto. Os outros modelos que identifiquei são o da gravadora-empresária, sobre o qual se tem pouca informação por ser um modelo recente e não estabelecido plenamente, e o modelo do artista-empresário. Nesse último, o artista contrata alguém para cumprir o papel do empresário, geralmente pagando um valor fixo mais um percentual nos resultados. 


Que outros números interessantes encontrou na pesquisa?

Há dados sobre a quantidade de shows e o faturamento deles, em 2017 e 2019.

  • Quantidade shows realizada em 2017: 55 mil
  • Quantidade shows realizada em 2019: 40 mil (queda de 27%)
  • Faturamento de shows ao vivo em 2017: R$ 2 bilhões
  • Faturamento de shows ao vivo em 2019: R$ 1,75 bilhão (menos 15%)

A queda na quantidade de shows e no faturamento pode ser resultado da crise econômica e do endurecimento dos critérios de contratação por órgãos públicos. A diferença na queda entre quantidade de shows e faturamento pode indicar que artistas com maior cachê (e, consequentemente, com maior projeção) conseguiram manter uma agenda mais robusta.

LEIA MAIS: Cinco lições de empresários musicais, do mainstream ao ultraindependente


 

 



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