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Rennan da Penha: 'De fora, não enxergam que um monte de gente trabalha no funk'
Publicado em 22/05/2020

DJ carioca se prepara para lançar seu primeiro DVD, um megashow que reuniu estrelas do gênero no Rio apenas algumas semanas depois de ele sair da prisão, onde cumpriu parte de uma pena por associação para o tráfico que a OAB diz ser injusta

Por José Alsanne, do Rio
Fotos de Lucas Lima

Em janeiro deste ano, o DJ Rennan da Penha subia ao palco da casa de shows Espaço Hall, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, para realizar um sonho: a gravação de seu primeiro DVD. Com o título “Segue o Baile”, o projeto apresenta músicas que o consagraram, com elementos visuais que retratam o dia a dia nas favelas cariocas, depoimentos de moradores, trechos de crianças brincando, soltando pipa e jogando bola. “Favela é família. Favela é aprendizado” foram as frases que estamparam os telões no início da apresentação.

Ainda sem data de lançamento, por conta da pandemia do COVID-19, é o resultado da gravação de mais de três horas de duração com participações de MC Livinho, MC Rebecca, Luísa Sonza, Kekel, Turma do Pagode, MC PH, Juninho 22, Parangolé e outros nomes do cenário musical. Mais de seis mil pessoas estiveram no espaço.

Para Rennan, este projeto teve um gosto ainda mais especial. Foi sua primeira apresentação ao sair da prisão, em novembro de 2019. Em março do mesmo ano, ele havia sido condenado a seis anos e oito meses em regime fechado por associação ao tráfico de drogas em segunda instância, depois de ser absolvido na primeira, por ausência de provas. 

Foram sete meses no complexo penitenciário de Bangu, até que a Vara de Execuções Penais do Rio o soltasse, após o Supremo Tribunal Federal (STJ) derrubar a possibilidade de prisão em segunda instância.

As supostas provas usadas pela promotoria foram mensagens de texto postadas por ele em grupos de WhatsApp nas quais Rennan menciona a presença da polícia na favela onde vive, durante uma incursão. Fotos de Rennan conversando com traficantes da comunidade, a mesma onde todos os envolvidos nasceram e cresceram juntos, foram acrescentadas ao processo pelo Ministério Público. 

Artistas — como Caetano Veloso, Paula Lavigne, Leandra Leal e Felipe Ret —, entidades como a OAB e juristas se manifestaram desde o primeiro momento contra a prisão. Para a Ordem dos Advogados do Brasil, os registros de natureza frágil são mais uma prova de que artistas do funk são criminalizados a priori, associados ao crime e à contravenção pelo fato de viverem na favela e se dedicarem ao gênero.

"Uma parceria do poder público entrando com a estrutura, e os artistas e organizadores, com o trabalho... (Isso) seria bom para a comunidade, mas acho que nunca acontecerá."

Rennan da Penha

Em comunicado reproduzido na edição nº 40 da Revista UBC, em maio de 2019, a OAB afirma que salta aos olhos o “juízo de valor negativo em relação a alguém que demonstre afeto a pessoas que faleceram na falida guerra às drogas ou que possua atividade econômica lícita vinculada a um estilo musical marginalizado”. Para Raull Santiago, empreendedor social, ativista do coletivo Papo Reto e morador do Complexo do Alemão, no Rio, “há um desconhecimento profundo da sociedade em relação à vivência da favela”. De acordo com ele, o que aconteceu com Rennan é um reflexo disso. “O preconceito, o racismo, a desigualdade que constrói um cenário de não valorização do que vem da favela estão novamente expostos”, afirmou na época.

Olhando para o futuro

Focado em deixar esse episódio para trás, Rennan se diz satisfeito com o resultado de “Segue o Baile”. “Era um sonho antigo, mas foi um pouco surpreendente porque não esperava acontecer nesse momento. Até fiquei na dúvida de primeira. Pra gente, que é de comunidade, ainda mais DJ, é uma experiência totalmente nova e desafiadora”, afirma ele, que aguarda o melhor momento para lançá-lo e “cair dentro da divulgação”. Ele adianta também que já tem 10 novas músicas produzidas para serem trabalhadas após o projeto.

Do DVD, um total de 14 faixas inéditas já foram divulgadas no canal de Rennan no Youtube, entre elas “Depressão” (com participação de Livinho), “Deixa Ele Maluco” (com MC Rebecca) e “Cindelera” (com MC Kekel). A primeira publicada, “Carnaval Chegando”, com a cantora Pocah, ultrapassou os 10 milhões e 500 mil visualizações na plataforma de vídeos.

Com Livinho, durante a gravação

Neste período de isolamento social, o artista enfrentou um novo desafio, o de ter que adaptar suas apresentações para o formato online. “Não esperava ter que fazer show dessa maneira. É um pouco fora da realidade tocar sem público, mas, quando entro nas redes sociais e vejo a interação dos fãs pedindo música, dando sugestões, acho muito maneiro”, diz.

Ele vê o crescimento da solidariedade nestes tempos tão convulsos. Na apresentação realizada no dia 18 de abril, por exemplo, um total de 2,5 toneladas de alimentos foi doado e será distribuído a famílias pobres. O próximo show virtual está marcado para o domingo, 31 de maio, no YouTube. Já foram realizados cinco ao todo.

Para o futuro, Rennan da Penha também prepara uma versão da música “Rajadão”, da cantora Pabllo Vittar. “A obra, que une eletrônico com brega funk, ganhou também um trap e uma batida bem acelerada de funk”, conta. Outra adição recente a seu repertório é “Talarica”, parceria com o MC 2Jhow. “É uma resposta para as mulheres que adoram ficar com o marido das outras, tem uma linguagem bem diferente. A todo momento recebo marcação nas redes sociais, as pessoas adoram fazer vídeos e mandar recados através dela na internet”, diverte-se.

Do Pagode ao Baile da Gaiola

Vencedora do Prêmio Multishow na categoria “Canção do Ano” no ano passado, “Hoje Eu Vou Parar Na Gaiola” é um dos maiores sucessos da carreira do artista, composição de MC Livinho cujo vídeo no YouTube tem mais de 250 milhões de visualizações. A obra faz referência ao Baile da Gaiola, popular festa de rua da favela Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio. “Muitos não sabem, mas quem deu o nome foi um pagodeiro da comunidade, que tocava cercado por grades de proteção em um bar, era o Pagode da Gaiola. Depois colocaram uma equipe de som e aí sim eu comecei a tocar”, relembra.

De acordo com Rennan da Penha, nesta época, por volta de 2016, o funk do Rio estava em baixa, e o estilo em São Paulo tinha maior evidência. Ele então começou a fazer contato com artistas da cidade e de outras regiões do Rio, para apresentar novas músicas, divulgar o evento e também convidá-los. A partir dai, o baile se tornou o mais falado do Rio, atraindo jovens de outras favelas e também de classe média alta. Em 2018, ele comemorou seu aniversário na Gaiola. À meia-noite, já havia 20 mil pessoas no local.

Em outro momento da noite de gravação, em janeiro

Apesar de todo o sucesso e do poder transformador na vida de Rennan, a realização do Baile da Gaiola foi suspensa após operações policiais malsucedidas, com tiros e correria, no início de 2019. “As pessoas que observam de fora, que não estão ali curtindo, só veem venda de drogas e armamento. Não enxergam um monte de gente trabalhando, a senhora vendendo sua bebida, seu cachorro-quente. Há uma série de artistas trabalhando, como o MC que está ali cantando de graça, mas amanhã pode ter um futuro, uma oportunidade de cantar fora da comunidade”, argumenta o DJ.

Para ele, se o evento tivesse apoio dos governos, o baile poderia ser regularizado e ter ainda mais estrutura, sem as coisas que fazem as pessoas verem negatividade unicamente. “Se estivessem do nosso lado, poderíamos alinhar horário, local e segurança das pessoas, por exemplo. Uma parceria do poder público entrando com a estrutura, e os artistas e organizadores, com o trabalho. Seria bom para a comunidade, mas acho que nunca acontecerá isso”, prevê. “Só faltava isso para a gente ter um baile-vitrine, onde pudéssemos trabalhar sem medo de acontecer algo (ruim), onde pudéssemos colocar a vida para andar.”


 

 



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