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Mercado musical: volta movida a álcool gel, máscaras e forte presença online
Publicado em 19/06/2020

Players do setor discutem os próximos passos de uma retomada da normalidade que, concordam todos, deverá ser bem lenta no Brasil

Por Ricardo Silva, de São Paulo

Colaboração de Leo Feijó, de Londres

A sanfoneira pernambucana Karol Maciel tem feito sessões de “são-joão” online por um aplicativo de reuniões virtuais, nos quais pede doações para minorar a “situação muito difícil” que está vivendo financeiramente. O cantor e compositor maranhense Beto Chaves pede socorro aos seguidores do seu canal no YouTube: doações em dinheiro para comprar alimentos. Serginho Moah, um dos principais nomes do pop gaúcho, se engajou numa campanha da Associação de Músicos do RS (Assmurs) para arrecadar cestas básicas e distribuir urgentemente a músicos, técnicos, compositores e cantores em risco de fome. No Rio, a carioca Angela Ro Ro, um dos grandes nomes da MPB, pede ajuda financeira urgente. Em São Paulo, a cantora e compositora Ana Cañas, expoente da música independente brasileira, organiza uma live para o próximo dia 9 de julho e pede doações aos fãs para pagar a transmissão — e também suas próprias contas.

São histórias duras e significativas do panorama de terra arrasada que a música vive nestes tempos de confinamento, mas não são as piores. Há casos de músicos e compositores trabalhando temporariamente no telemarketing, entregando comida para plataformas como iFood ou, simplesmente, passando fome, já que a ajuda de R$ 3 bilhões prevista na chamada Lei Aldir Blanc, aprovada pelo Senado para o setor cultural no último dia 4 de junho, ainda não foi sancionada por Jair Bolsonaro. 

A informalidade quase generalizada no setor tem tudo a ver com a precariedade que muitos profissionais da área enfrentam. Sem conseguir poupar e sem acesso à Previdência, músicos e técnicos precisam trabalhar — sem contratos — continuamente. A paralisia das atividades, portanto, tem um óbvio impacto em seu orçamento. “A área musical é muito precarizada, de profissionais, de formato, pagamento, contrato, formalidade. Essa quarentena abriu e mostrou como o mercado é insustentável para os músicos”, afirmou Lucas.

“A gente vai tirando como pode. Tenho colegas músicos que estão dando aula, outros estão pedindo dinheiro aos fãs. Não temos ajudas de governos”, descreveu Karol, que, numa situação normal, teria dezenas de shows nos meses de junho e julho por causa do São João, uma das festas mais tradicionais — e fonte de renda para muitos profissionais da música — no Nordeste. 

Show na Alemanha com o público dentro dos carros. Fórmula que começa a se difundir também no Brasil. Reprodução YouTube

Ana Cañas criou uma vaquinha virtual e, num desabafo no Instagram, contou ter dificuldade para fechar as contas e pagar o aluguel. “Confesso que nunca me passou pela cabeça levantar uma campanha para viabilizar uma live ou show. Mas, depois do meu desabafo frente às grandes marcas que negaram o nosso pedido de ajuda, e diante da enxurrada de amor (dos fãs), decidimos lançar um projeto inédito no dia 9 de julho, um show (virtual) só com canções de Belchior”, ela afirmou.

Angela Ro Ro também tentou vender lives, sem sucesso. "Estou passando por dificuldades financeiras. Quem puder depositar apenas R$ 10, agradeço. Saúde a todos! Já tentei vender barato live, mas ninguém se interessa", escreveu numa rede social a grande cantora e compositora.

Enquanto países como China, França, Itália, Reino Unido e Espanha vão, pouco a pouco, reabrindo o setor de eventos e shows, tateando caminhos como impor limitações de lotação (por ora, um terço ou metade do número pré-epidemia, com previsão de chegar a 75% da capacidade nos próximos meses), álcool gel, luvas e máscaras obrigatórias e separação de 1,5 a 2 metros entre as pessoas, há soluções ainda mais drásticas. 

É o caso de boates e shows na Holanda e na Bélgica, por exemplo, onde o público permanece sentado — a dois metros de distância uns dos outros —, e o contato interpessoal é proibido. Na Alemanha, músicos têm feito apresentações sobre ônibus em movimento pelas cidades, sem contato com o público. Também naquele país, têm proliferado boates e até festivais de música drive-in, com todo mundo proibido de sair dos carros e mantendo a devida distância de segurança. 

Caberia ter um show com uma lotação que permitisse a distância segura entre as pessoas. Como já tem acontecido na Espanha, por exemplo. Mas a gente não acha que vai voltar tão cedo aqui no Brasil."

Alexandre Rossi, Circo Voador (RJ)

Jota Quest: show em drive-in em São Paulo dentro de festival no Allienz Parque

A solução do drive-in, aliás, já chegou ao Brasil em novos cinemas do gênero, em cidades como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. E até mesmo em shows. No dia 24, o Allianz Parque, em São Paulo, estreia o projeto Arena Sessions. Bandas como Jota Quest e artistas como Mauricio Meirelles, AnaVitoria e Patati Patatá, entre muitos outros artistas, farão apresentações presenciais, com o público dentro do carro. 

Além de cantar sucessos e apresentar novas como o recém-lançado single "Guerra e Paz", o Jota Quest deve falar sobre a pandemia e lançar uma mensagem de esperança pela recuperação. A banda vem se envolvendo em iniciativas beneficentes, como uma live para ajudar o Amazonas, um dos estados mais afetados pela Covid-19, e que terminou com mil doadores de dinheiro para a compra de alimentos e outros itens de necessidade básica. "De pouquinho em pouquinho, podemos fazer a diferença", eles disseram em seu perfil oficial no Instagram.

Em Curitiba, a Pedreira Paulo Leminski também já vem sendo usada para shows e festas, com todo mundo dentro do próprio carro. E a empresa Dream Factory está de olho em grandes espaços de estacionamentos de shoppings em cidades como Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Brasília, Rio e São Paulo, entre outras, para criar um projeto de shows e festas em forma de drive-in. 

Somado ao uso de máscaras de proteção, álcool em gel e outras medidas, deve ser a nova normalidade do setor cultural. 

Alexandre Rossi, programador do Circo Voador, um dos palcos mais importantes do Brasil, no Rio de Janeiro, acompanha as decisões de outros países que já vêm sendo replicadas aqui. “É uma cadeia que movimenta muita grana ao redor do planeta, então é certeza que vai ter muita gente empenhando esforços em fazer com que volte o mais breve o possível. Mas nós queremos ter certeza que todos estarão seguros na hora que voltar”, ponderou Rossi, mais conhecido como Rolinha. “Como o Circo é um espaço meio aberto, caberia, por exemplo, ter um show com uma lotação que permitisse a distância segura entre as pessoas, depois que o achatamento da curva (de contágios) permitisse. Como já tem acontecido na Espanha, por exemplo. Mas a gente não acha que vai voltar tão cedo aqui no Brasil.” 

Um momento do debate da FGV entre executivos de grandes gravadoras: unanimemente, eles creem em demora na retomada

Executivos de três majors da música no Brasil, Paulo Lima (Universal Music) Sérgio Affonso (Warner Music) e Paulo Junqueiro (Sony Music), concordam com ele. As políticas públicas erráticas e o tamanho da queda do setor musical desde março os fazem ver uma volta paulatina, com muitos players (casas de shows e festivais pequenos, donos de bares, restaurantes e discotecas com música ao vivo) ficando pelo caminho. “Eu não vou deixar a minha filha ir a um show enquanto não houver uma vacina”, disse Lima, resumindo o pensamento de muitos, durante uma transmissão ao vivo promovida pela Fundação Getúlio Vargas para tratar dos possíveis caminhos da retomada na música. 

“É uma temeridade forçar a barra e voltar a fazer coisas na marra. No interior e nas periferias, a gente vê uma coisa espantosa: todo mundo aglomerado, um perigo (para a proliferação do vírus). Artistas meus têm manifestado muita inquietação, querem tocar, querem gravar clipe. Eu digo a eles: 'grava clipe em casa, faz live. É preciso ser criativo, mais que nunca. Não é o momento de reabrir”, completou Sérgio Affonso. 

“Eu não vou deixar a minha filha ir a um show enquanto não houver uma vacina.”

Paulo Lima, Universal Music Brasil 

Para eles, a febre das lives — que no Brasil, uma sociedade jovem se comparada à europeia e muito interconectada, tiveram grande sucesso — veio para ficar. Se, por um lado, as pessoas estão desejando voltar para o convívio social e os eventos ao vivo, os shows por streaming atingiram rapidamente outro patamar, antecipando um movimento que levaria anos para ocorrer caso não tivéssemos tido a pandemia. 

O empresário Facundo Guerra, diretor-executivo do Grupo Vegas, do Blue Note SP, Cine Joia e outras casas de shows e boates na capital paulista, crê que o universo de apresentações online veio para ficar. “Provavelmente, mesmo depois da reabertura, vamos manter a transmissão de shows online nos canais dos artistas e das nossas casas, viabilizando pagamentos e tips online”, ele disse. “O que me preocupa é uma eventual transformação cultural no hábito de ir a shows. Eu acredito que não acontecerá, mas é um risco”, apontou Facundo, que iniciou as atividades em 2005 e contribuiu para a revitalização do chamado Baixo Augusta.

Rolinha, do Circo Voador, é outro que avalia uma presença cada vez maior do digital, complementando (ao menos em parte) o orçamento da casa, zerado pela paralisia. “O nosso negócio é juntar pessoas em torno de uma paixão, e fazer isso virtualmente ainda não se mostrou algo que nem de longe possa substituir a experiência de ir a um show. Apesar disso, gostamos dessa forma de interação também. Teremos que desenvolver algo nesse sentido.”

Um pouco mais otimista, Bernardo Amaral, produtor de eventos e fundador da Apresenta Rio (associação que reúne os promotores de eventos no Rio de Janeiro), trabalha com o limite do mês de outubro para o início de uma retomada — que, entretanto, ele prevê lenta. “Talvez a partir de agosto já haja um reinício, mas em outubro imagino que possamos voltar a atuar com mais segurança e protocolos de saúde, com utilização de máscaras, distribuição de álcool, equipes treinadas, redução da capacidade e higienização de todos os ambientes”, previu. “Vai ser assim a partir de agora.”

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