Instagram Feed

ubcmusica

No

cias

Notícias

Três histórias de transformação pela música
Publicado em 22/10/2020

Emicida e Fióti (rap) e Philipe Pancadinha (sertanejo) relembram como a criação musical lhes abriu portas de saída da pobreza e de realidades duras

Por Fabiane Pereira, do Rio

Os irmãos Emicida e Fióti: luta para mudar a realidade ao redor através da música

 

Há poucas verdades absolutas no mundo, mas uma delas é que a música transforma vidas. A música é uma das mais antigas e poderosas formas de expressão, tem papel importante na formação das pessoas, na melhoria no convívio social e na realização de sonhos. De quem a consome e de quem a faz.

Emicida e Evandro Fióti são irmãos e sócios na Laboratório Fantasma, uma das empresas mais bem-sucedidas do mercado independente da música. Duas das mentes mais brilhantes do cenário artístico contemporâneo tiveram suas vidas transformadas pela música. “A música me inspirou a sonhar e a criar um universo particular onde eu pudesse me ver no mundo, me projetando para além das misérias e das dificuldades que permeavam o ambiente em que cresci e que frequentei durante a minha infância e adolescência. Através da desigualdade, do preconceito e da exclusão, o mundo me dizia que eu não seria capaz de fazer algo grande nem de deixar um legado”, lembra Fióti. “Foi a música que serviu de combustível para eu acreditar que a gente era maior do que aquelas mazelas. Acho que, no fundo, esse é o propósito da arte.”

Com histórias semelhantes às de outros jovens pretos e periféricos, Emicida e Fióti têm consciência de que são exceção a uma regra que, em linhas gerais, exclui pessoas com sua origem e sua cor de pele do topo do mercado. Por isso, lutam diariamente para transformar o mundo de seus semelhantes através da música. 

“Foi a música que serviu de combustível para eu acreditar que a gente era maior do que aquelas mazelas. Acho que, no fundo, esse é o propósito da arte."

Fióti

Parte dessa transformação poderá ser vista no documentário “AmarElo - É Tudo Pra Ontem”, de Emicida, que será exibido no Netflix, dia 8 de dezembro. Dirigido por Fred Ouro Preto e produzido por Fióti, o filme chega ao streaming com entrevistas, animações e cenas de bastidores costuradas com imagens do show que o rapper fez no Teatro Municipal de São Paulo, um marco na sua carreira. O doc também explora a produção do projeto AmarElo e narra a história da cultura negra brasileira nos últimos 100 anos, a partir de três momentos importantes: a Semana de Arte Moderna de 1922, o ato de fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, pela valorização da cultura e de direitos do povo negro, e o espetáculo de estreia de AmarElo, que aconteceu em novembro – mês da Consciência Negra – de 2019. 

"São quatro décadas que separam a nossa ascensão ao palco do Teatro Municipal do encontro das pessoas do MNU naquelas escadarias. Então, subir ali e gritar 'obrigado, MNU' é (importante) para que eles saibam que é da luta deles que nasce um sonhador como o Emicida", diz o rapper. "Quando eu cheguei aqui, tudo era impossível, qualquer coisa que falávamos era tida como problemática e improvável de se realizar. Hoje, não é mais. E é dessa forma que quero que se lembrem do meu nome no futuro, como alguém que sabia que o impossível era grande, mas não maior que si. O palco do Municipal abrigou alguns dos mais importantes movimentos da arte, e acho que caminhamos para ser isso", diz Emicida.

Hits sertanejos

Philipe Pancadinha é outro que teve a vida transformada pela música. Até os seus 26 anos, o compositor que vem emplacando sucessivos sucessos radiofônicos nas vozes de duplas sertanejos trabalhou como porteiro. “Eu trabalho com música desde os 17 anos, mas até os 26 não conseguia viver dela. Hoje, aos 31, posso dizer que vivo de música. Muita coisa mudou desde que consegui ter estabilidade financeira”, conta. "A música pode tornar a vida das pessoas viável e rentável. Agora, ela não deixa de ser uma arte egoísta: acaba querendo a gente só para ela. Precisamos abdicar de muitas coisas para nos dedicarmos a ela.” 

Philipe Pancadinha

 

Autor de músicas como “Largado às Traças” (Zé Neto & Cristiano), “Amor Mal Resolvido” (Simone & Simaria), “Carrinho de Areia” (Gusttavo Lima) e tantos outros sucessos cantados por sertanejos, Pancadinha admite que sua vida mudou mesmo após passar a compor para o gênero mais ouvido do país. 

“O sertanejo alcançou números surpreendentes devido à sua forma. O cotidiano impresso nas letras sertanejas, para mim, foi a grande virada. Além, claro, do empreendedorismo dos grandes escritórios e dos grandes empresários do gênero, que investem na cadeia produtiva”, acredita.

“É muito difícil você falar para alguém que não teve estudos, formação, que cresceu em um bairro periférico, que ele tem as mesmas chances."

Pancadinha

De empreendedorismo a Laboratório Fantasma entende. Desde que foi criada, em 2009, Emicida e Evandro compreenderam que o gerenciamento da trajetória de um artista não era apenas sobre lançar discos e fazer turnês, mas, sobretudo, sobre construir uma visão de mundo e criar narrativas que se desenvolvam em torno de um estado de espírito (com a ambição de melhorar pessoas, comunidades, países e o mundo). 

“No últimos 20 anos, o Brasil passou por transformações digitais, tecnológicas e, consequentemente, sociais. Vivemos anos importantes com uma ascensão econômica, estabilidade política e, sobretudo, descentralização dentro da indústria, o que possibilitou que novos agentes transformadores, vindos das mais diversas áreas e de dentro das periferias do país, pudessem expor a sua voz, ter relevância e construir audiência”, diz Fióti. “Eu gosto de salientar também que, na verdade, o rap sofreu e sofre muita discriminação. A gente está falando de um estilo de vida e de arte que nutre, inspira e salva a vida de milhares de jovens no planeta. Isso não é medido na quantidade de views ou na textura da música, mas sim no legado”, completa.

Fióti é cria do Projeto Guri, um dos maiores programas socioculturais brasileiros, que atende a cerca de 50 mil crianças e adolescentes por ano. Ainda pequeno, o hoje bem-sucedido empresário do mercado da música teve contato direto com a arte graças aos cursos oferecidos nos períodos de contraturno escolar. Com todas as barreiras estruturais que temos na sociedade brasileira, resquícios diretos de um processo de abolição da escravatura tardio e feito de maneira desumana e excludente, ainda vivemos num contexto de abismo social. Nesse sentido, através da música, do empreendedorismo e também do esporte, conseguimos compreender que o problema do Brasil não é sobre capacidade, e sim sobre oportunidade. A minha geração tem a oportunidade de se beneficiar diretamente de lutas e construções de militantes, sobretudo da comunidade negra, que vieram antes de nós.”

"Quando eu cheguei aqui, tudo era impossível, qualquer coisa que falávamos era tida como problemática e improvável de se realizar."

Emicida

Pancadinha faz coro ao dizer que, com a desigualdade imensa que assola o país, a música é um dos únicos caminhos de transformação social. “É muito difícil você falar para alguém que não teve estudos, formação, que cresceu em um bairro periférico, que ele tem as mesmas chances de outras pessoas que cresceram com estabilidade financeira, emocional e familiar. Isso é uma piada. A música e o futebol, no Brasil, são portas de entrada e podem ser a virada de chave na vida de muitos jovens. É por isso que ambos são paixões nacionais."

LEIA MAIS: Carlinhos Brown: 'Acredito no poder do foco para buscar novas saídas'

LEIA MAIS: UBC estreia série de lives Música Preta Importa

LEIA MAIS: Uma entrevista exclusiva com Rennan da Penha


 

 



Voltar