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Nas pequenas casas de shows, um difícil cenário pós-pandemia
Publicado em 16/11/2020

Especialistas de diversas partes do Brasil comentam a onda de fechamentos de palcos e as estratégias que consideram necessárias para dar novo oxigênio ao setor

Por Fabiane Pereira, do Rio

Foto: Divulgação/I Hate Flash

Bons tempos: a Casa da Matriz, que já anunciou que não reabrirá, numa noite de lotação há alguns anos

 

Inúmeras casas de shows — de pequeno, médio e grande porte — que estavam fechadas desde março estão começando a reprogramar seus palcos após autorizações das prefeituras. Nenhuma passou incólume pela pandemia. A maioria teve que reduzir drasticamente seus custos e demitir funcionários. Outras, como o tradicional Metropolitan, no Rio de Janeiro, só para citar um exemplo emblemático, simplesmente fecharam as portas definitivamente. 

Ainda na capital fluminense, a Casa da Matriz, um dos mais notáveis espaços da cena musical independente, o Comuna, o Baródromo e outras casas de pequeno porte já anunciaram que não reabrirão. A pandemia representou só a piora generalizada de um setor que já respirava por aparelhos há vários anos.

A ajuda prometida em abril pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para irrigar com créditos as micro e pequenas empresas — entre elas as da área de cultura — se perdeu no labirinto da burocracia e das promessas vazias. O presidente Jair Bolsonaro chegou a anunciar financiamentos a juros baratos para pequenos empreendedores, mas o dinheiro nunca chegou. A própria Lei Aldir Blanc, criada pelo Congresso em caráter emergencial, ainda não cumpriu totalmente seu propósito, como mostramos recentemente aqui no site. 

Um dos grandes especialistas no cenário musical independente e na diversão noturna no país, o empresário e jornalista Léo Feijó diz que as medidas anunciadas não são suficientes para reanimar o setor. “Além de o processo (de liberação de recursos) ser muito demorado, o volume de dinheiro não poderá resgatar os palcos prejudicados. O que fazer com R$ 10 mil depois de meses sem atividade? O que fazem músicos e todos esses profissionais até a economia da música se recuperar e o público voltar a frequentar espaços de música ao vivo?”, questiona. 

"O que fazem músicos e todos esses profissionais até a economia da música se recuperar e o público voltar a frequentar espaços de música ao vivo?"

Léo Feijó, empresário especialista no mercado musical

Para ele, artistas e palcos que tinham um público fidelizado contaram com mais mecanismos para se manterem durante a paralisação das atividades. “Muitos foram ágeis e conseguiram se manter por financiamento coletivo. Alguns palcos têm contratos com fornecedores de alimentos e bebidas e conseguiram apoio na travessia da crise. Outros organizaram lives monetizadas, de forma a gerar renda para artistas e para a manutenção dos próprios espaços. Quem pode viver de direitos autorais ainda respira melhor. Mas é preciso repensar tudo. É o momento de inovar, criar novos formatos, outras maneiras de expressar e comercializar a sua música ou as suas criações”, acredita.

Ricardo Rodrigues, sócio da Let's GIG - Booking & Music Services e representante de vários artistas, entre eles Luedji Luna, Tuyo, e Luê, também acredita que será preciso repensar todo o modelo desse negócio. “Os últimos 15 anos da música independente no Brasil foram de construção de uma cena viável, muito apoiada na música ao vivo. A gente vem desde o início dos anos 2000 estruturando, formando público, tendo os lançamentos, redes sociais, toda ação de comunicação, voltada para formar público e para conseguir dinheiro no segmento ao vivo. Nos últimos anos, estávamos começando a ver novamente um número maior de artistas independentes conseguindo rentabilizar um pouco mais o seu fonográfico, fazendo com que a porcentagem do fonográfico complementasse a renda do ao vivo. Só que de repente a gente viu essa cena dilacerada com o impedimento da realização de shows ao vivo”, relembra.

"Os últimos 15 anos da música independente no Brasil foram de construção de uma cena viável, muito apoiada na música ao vivo. De repente, a cena foi dilacerada."

Ricardo Rodrigues, sócio da produtora Let's GIG

A cantora e compositora Julia Mestre lamenta a desaparição de vários palcos de pequeno porte país afora. “Quando uma casa de shows fecha a porta, uma estrela no céu se apaga. Ver tantas casas, resistentes da arte, fecharem parte o coração de qualquer artista. Meu último show, pré-pandemia, aconteceu no dia 12 de março, no teatro Bruta Flor, em São Paulo. Recentemente soube que eles não iriam reabrir por motivos financeiros. Pensar no próximo ano, o que pode acontecer em 2021, é uma caixinha de surpresas, mas eu acredito que a arte sempre se reinventará”, diz a artista. 

Em contraste com essa realidade, no Reino Unido o governo anunciou um pacote de suporte às artes e à cultura, incluindo museus, galerias, teatros, centros culturais e casas de shows. Isso inclui as "grassroots venues", como eles chamam os palcos de médio e pequeno porte que, como sugerem seu apelido, em inglês, são as raízes que ajudam a formam a cena. 

"Meu último show, pré-pandemia, aconteceu no dia 12 de março, no teatro Bruta Flor, em São Paulo. Recentemente soube que eles não iriam reabrir."

Julia Mestre, cantora e compositora

De acordo com a associação que representa esses locais no Reino Unido — são mais de 900 estabelecimentos associados —, eles conseguiram "salvar" 89% dos palcos. Um total de £ 41 milhões em ajudas imediatas foi distribuído, o equivalente a mais de R$ 300 milhões. Alguns fecharam, mas a maioria voltará depois da pandemia.

Já por aqui, palcos de médios e pequenos portes, fundamentais para o ecossistema da música, ao fecharem suas portas pela falta de subsídio público, deixam toda uma cena órfã. 

Ana Morena, diretora do DoSol, importante hub cultural de Natal, conta que a cena potiguar está saindo da paralisia muito timidamente. “Alguns profissionais da cadeia produtiva da música já estão voltando às suas atividades, mas acredito que ainda vamos lidar com um mundo através de uma tela por muito tempo. Isso acaba se refletindo diretamente na produção artística. A retração econômica é certa, e já estamos esperando um 2021 muito difícil.”

"A retração econômica é certa, e já estamos esperando um 2021 muito difícil.”

Ana Morena, produtora e diretora do espaço DoSol, de Natal

Hugo Bodansky, idealizador do espaço Odeon Sabor e Arte, de São Luis, acha que a saída para os artistas sobreviverem a médio prazo — ou enquanto a população não estiver vacinada — é diversificar as produções e focar no audiovisual. “Neste momento, o mais prudente a se fazer é investir na produção e na gravação de materiais para a internet, assim como em shows virtuais. Mas é preciso que tenhamos investimentos públicos para o fomento destas produções”, opina. 

Manter uma casa de shows voltada para o fomento da cena independente, no Brasil, sempre foi tarefa árdua, embora se saiba nesses espaços nascem os grandes artistas. “É o laboratório onde quem surge ganha experiência de palco, forma a sua audiência, onde outros com carreiras mais consolidadas fazem um circuito que garante renda o ano todo. É onde as gravadoras podem selecionar novas apostas, onde a mídia percebe novos talentos que merecem espaço.Apesar da relevância estratégica dos palcos, a indústria da música no Brasil trata com desprezo estabelecimentos com capacidade para até 600 lugares. A indústria explora essa máquina de criar e fomentar artistas como algo descartável. Fechou uma casa? Ah, daqui a pouco abre outra. É verdade. Quem cria um novo palco com esse perfil é apaixonado por música. O que move esse negócio não é apenas o lucro. As margens são muito apertadas. Marcas e agências também não colaboram, com algumas exceções. A maioria investe todo o seu orçamento de marketing em grandes festivais, em busca de um caminho mais fácil”, diz Léo Feijó.

"Neste momento, o mais prudente a se fazer é investir na produção e na gravação de materiais para a internet."

Hugo Bodansky, idealizador do espaço Odeon Sabor e Arte, de São Luís

O trabalho em rede, colaborativo, que já vinha sendo construído no mercado independente deve ganhar força em 2021. Ana Morena acredita que a única forma de este mercado se manter vivo é trabalhar em conjunto. “Acho que a maneira de nos fortalecermos neste momento é empreendermos localmente, fomentando nós mesmos e ampliando ainda mais as redes. Inclusive é muito importante estarmos juntos, para que nossas vozes falem mais alto, exigindo o que nos é de direito. Começando por respeito”, pontua. 

Ricardo Rodrigues concorda: “Uma conexão real entre as casas de show, os festivais, os artistas e os empresários responsáveis pela carreira desses artistas será fundamental para sairmos desta pandemia com rotas mais claras de circulação.”


 

 

 


 

 



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