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Encontros e despedidas
Publicado em 12/06/2017

Nos dois anos da morte do compositor e ex-presidente da UBC Fernando Brant, o músico Geraldo Vianna, nosso conselheiro fiscal, escreve sobre o amigo, lembra como se conheceram e se tornaram parceiros na música e nas ideias.

por Geraldo Vianna, músico e membro do Conselho Fiscal da UBC


Geraldo Vianna e Fernando Brant. (Foto: Myriam Vilas Boas)


O tempo, naturalmente vai delineando nosso caminho. Mesmo que não saibamos os motivos daquilo que nos move, quando olhamos para trás, percebemos melhor a nossa história O acaso se existe, às vezes nos conduz aquilo que chamamos de predestinação.

Em 1987, em uma agência dos Correios, em Belo Horizonte, impaciente, eu aguardava para ser atendido. Estava prestes a enviar para a fábrica a matriz de meu primeiro trabalho. Um LP que alavancaria toda minha trajetória de violonista, produtor e arranjador. Em meio aos devaneios naturais daquele momento, fui despertado por um toque no ombro, que me fez voltar à realidade. A pessoa que me tocou queria uma caneta emprestada. Surpreso, emprestei-lhe a caneta, enquanto minha memória buscava, no passado, uma noite de inverno em minha cidade natal, Nova Serrana. Ouvia uma música que trazia algo novo em sua sonoridade que fui compreender bem mais tarde. Foi assim o meu primeiro encontro com Fernando Brant.

Alguns anos depois, em um encontro de bar, o amigo Tavinho Moura me apresentou formalmente ao Fernando. Houve uma pequena troca de cumprimentos e poucas palavras.

Pouco a pouco, mineiramente, fomos construindo uma amizade duradoura. Acho que eterna. Em princípio tímida, seguida por muitos anos de cultivo compartilhando o pensamento e as formas de compreensão do mundo. Desse período ficou uma música guardada nos apontamentos do tempo, com a eterna promessa de uma letra. Não seria lembrada por palavras. Viriam outras mais maduras, forjadas no dia a dia do ofício de criar.

Enquanto nasciam músicas e novos projetos, em conversas entrecortadas pela necessidade de trabalhar, criar e sobreviver da música, me inteirei da realidade vivida pelos autores e compositores. Da problemática e do desrespeito aos criadores, no Brasil e no mundo.

Fernando Brant sempre defendeu os interesses dos autores em importantes fóruns de discussão sobre o direito autoral, mundo afora. Lidava com maestria com os aspectos políticos que envolvem as decisões legais e transitava com espontaneidade por todos os meios relacionados com a arte. Preocupado com os jovens autores, ele apostava na conscientização da classe como forma de resistência ao sistema, compreensão e aplicação do modelo de negócio dos novos tempos. Exigia o respeito da sociedade, da indústria discográfica, dos políticos e empresariado em geral, aos criadores. É celebre o seu alerta "O autor existe".

Divergíamos em alguns aspectos políticos, principalmente, mas eu percebia nele uma leveza e uma grande capacidade para a discussão e convivência em meio a diversidade de ideias. Aprendi com ele a jamais confundir o ser com a causa das discussões.

Viveu assim a sua vida.

Partiu em um nevoeiro, como escreveu em uma de nossas músicas. Era o dia dos namorados. Cumprira seu tempo e missão em nossa companhia. Em uma noite de inverno, em minha cidade natal, eu ouvia uma música que mudaria minha vida. Naquela hora, o tempo, delineando meu caminho, me conduziu à Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant), onde eu encontraria um amigo que partiu para outros encontros e aventuras.

(Texto publicado originalmente no jornal Estado de Minas em 11 de junho de 2017)


 

 



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