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Pé na estrada, olho nas contas
Publicado em 11/09/2017

Produtores e artistas independentes dão dicas de como agitar viagens pelo país mesmo em meio à crise

Por Roberto de Oliveira, do Rio

Por mais que a internet tenha facilitado o acesso à música, o show ainda é uma ferramenta muito especial na construção de uma carreira, pois é no palco que o artista se revela ao fã — e que a química rola ou não. Com tantos problemas de ordem política, social, econômica e até filosófica nublando o presente e o futuro do país, colocar o pé na estrada e levar um espetáculo para fora da cidade ou do estado, sonho de tanta gente que vive de música, virou tarefa superdesafiadora. Mas, como ensinam produtores e líderes de bandas independentes, nada impossível.

Até mesmo nomes mais estabelecidos, como Marcelo Jeneci (na foto acima), precisam usar táticas variadas para poupar e conseguir estender uma turnê. Um aliado dele — e de vários outros indepentes — hoje em dia é a tecnologia. Antes de agitar uma turnê, a empresária de Jeneci, Verônica Pessoa, segue um antigo conselho: vai aonde o povo está.  “Existem algumas ferramentas, como o aplicativo Playax, que fornecem dados sobre os variados públicos, onde encontrá-los nas redes sociais, quem faz mais streaming e onde e também apresenta algumas casas de show como sugestão", ela ensina. De posse dos dados, a tática é antiga: contatar as casas de shows, orçar deslocamento, alimentação, gastos eventuais com equipe, fazer um planejamento sensato de cada parada, contando com despesas extras e imprevistos. "O negócio é conhecer, procurar estar perto do seu público e observar onde é que deu certo para voltar depois”, diz Verônica.

Os festivais, que sempre fora vitrines e portas de acesso a muitos grupos, hoje têm menos grana para investir e costumam dividir a conta com quem quer se apresentar. Por isso ainda não deu para a banda Gente, de Mesquita (RJ), que jamais tocou fora do Estado do Rio e tenta guardar dinheiro para uma miniturnê ou uma participação num festival. “Gostaria de ir, mas, para isso, seria necessário um festival que oferecesse um prêmio ou a estadia, pelo menos, coisa que não é fácil de achar”, diz Wallace Cruz, cantor, compositor e guitarrista da banda. Ano passado, nós públicamos aqui no site uma relação com os dez principais festivais independentes do país, com contatos de redes sociais e/ou páginas web: dê uma olhada, vale a pena ficar ligado para conferir as regras e os prazos de cada evento e, eventualmente, conseguir uma vaguinha por lá. 

A casa vai com a gente

Cair na estrada já não é o problema para a Pirâmide, banda formada por Julio Mallaguthi,  Mariano Neto e Fábio Gesteira. Eles montaram uma kombi com fogareiro, cooler, barraca de camping, colchão e todos os utensílios para a sobrevivência de um power trio em turnê. Com esse espírito de guerrilha, a banda viajou por todo o Estado do Rio de Janeiro, vendeu dois mil CDs e passou recentemente também por São Paulo, Minas Gerais e Brasília. O dinheiro vem de várias fontes: venda de CDs e produtos de merchandising (copos, camisas e adesivos) na famigerada lojinha montada nos locais de shows; contribuição de fãs (o bom e velho chapéu); e shows fechados com cachê ou participação na bilheteria. “Fazemos no mínimo cinco shows por semana, muitas vezes em praças, parques e bulevares, assim conseguimos manter a estrutura da empresa Pirâmide. Fechamos com o contratante da cidade e bolamos uma tour ao longo do caminho até a cidade final. Com essa estratégia, além de equilibrar os custos da viagem, conseguimos atingir um público bem amplo, na sua maioria carente de manifestações culturais, pois se encontram distantes dos polos culturais do país”, afirma o baixista Mariano Neto.

A banda Pirâmide em esquema guerrilha durante uma apresentação de rua em Niterói (RJ)

Planejar minuciosamente é mesmo o negócio. Se vai tocar em algum lugar, mapeie casas de shows (ou mesmo praças ou parques ou locais tradicionais de apresentações de rua) em cidades da região onde possa haver receptividade, procure (se for o caso) os donos dos palcos, negocie cachês, proponha a divisão da grana dos ingressos, busque patrocínio cultural de restaurantes ou bares para economizar na alimentação...

O esquema de guerrilha é também o que norteia Oxiton Knup, representante do punk rock belo-horizontino que organiza um festival dedicado ao gênero na capital mineira, o Som Underground. Para a sexta edição do evento, estão confirmadas bandas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, todas elas bancando parcialmente suas despesas. “Quando a gente vai tocar no Rio, por exemplo, vai de carro ou pega ônibus na rodoviária. Infelizmente não temos como bancar as passagens (aéreas) porque a entrada do festival é gratuita”, diz Oxiton, que se mostra feliz quando o objetivo do evento é alcançado: “É gratificante. Ficam as fotos, as filmagens e o intercâmbio de bandas.”  

A fórmula poupar + dividir despesas = viajar habita a realidade da banda de hardcore Confronto há anos. Eles começaram um trabalho de formiguinha divulgando o trabalho pelo país e até lá fora, conseguiram publicar de modo independente, surgiram convites e, em 2002, veio a primeira turnê sul-americana. A fórmula para conseguir sair do Rio, onde estão sediados, foi a mesma de que várias bandas nacionais já usufruíram: "patrocinadas" por bandas locais. Esse esquema de camaradagem de artistas chamando gente de fora (e oferecendo hospedagem, comida e preciosos contatos para os shows) é usada por vários independentes que tentam levar seu som para fora, como mostramos numa reportagem aqui no site em março passado. Hoje já é diferente: os contratantes bancam todas as despesas da Confronto, pois, devido aos 18 anos de ralação, a banda consegue colocar um público pagante nos shows.

Mas quem não ainda consegue não deixa de tentar se projetar. Alternativas criativas para cair na estrada aparecem muito em tempos ruins, analisa Fabiana Batistela, diretora de uma feira internacional de negócios da música, o SIM São Paulo. “O músico precisa investir na carreira como se investisse na sua empresa, pois, apesar dessa quebra de uma sequencia boa de crescimento do mercado fonográfico que vínhamos tendo, o artista novo, que sempre viveu num ambiente desfavorável, consegue achar soluções.”

Já que não dá para viver somente de streamings nem, muito menos, de likes e views, vale a pena pegar alguns desses toques antes de cair na estrada e aproveitar que o fim do ano está perto para começar a se organizar para 2018... acreditando sempre que dias melhores virão. 


 

 



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