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Depressão e ansiedade: perigo para músicos e compositores
Publicado em 19/09/2017

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Especialistas e artistas que enfrentam esse problema falam sobre a alta incidência de transtornos do humor ligados à própria natureza da carreira criativa e dão recomendações para evitá-lo

 

De São Paulo

 

A vida de um músico é, muitas vezes, associada ao som, ao barulho. Mas um percentual nada desprezível deles padece de condições silenciosas — e perigosas: a depressão e outros transtornos do humor. No Setembro Amarelo, a campanha anual contra a depressão e os suicídios promovida desde 2014 pela ONG Centro de Valorização da Vida (CVV), especialistas lançam um alerta sobre a alta incidência desses problemas entre artistas e criadores, músicos e compositores incluídos, gerados ou agravados pela própria dinâmica de vida e trabalho. E recomendam medidas simples e eficazes para diminuir a pressão e tentar evitar uma condição que pode ter fatores influenciadores genéticos mas que são, muitas vezes, ativados por gatilhos ambientais.

Se, pelos dados do levantamento mundial da Organização Mundial da Saúde (OMS), cujos resultados de 2016 foram divulgados em fevereiro passado, 5,8% dos brasileiros (11,5 milhões) de pessoas sofrem de depressão, a ansiedade afeta nada menos do que 9,3% de nós, recorde mundial. Em média, 32 pessoas se suicidam no país a cada dia. Não há muitos estudos por aqui sobre os músicos e compositores especificamente, mas trabalhos desenvolvidos em outros países dão uma ideia da dimensão do problema. Segundo uma pesquisa extensa da Universidade de Manchester, no Reino Unido, e publicada em novembro do ano passado, 71,1% dos músicos britânicos relataram episódios de ansiedade e ataques de pânico em algum momento; e 68,5% afirmaram ter tido depressão.

“Os estudos nesse campo, que envolvem artistas criativos — músicos, escritores, artistas de teatro — e sua relação com transtornos do humor, sejam depressão, ansiedade, distúrbios bipolares, são extremamente complexos, e ainda escassos no Brasil. Mas os realizados em outros países e os dados empíricos aqui mostram clara relação entre a própria natureza da criação artística e os transtornos do humor. É mais comum esse tipo de manifestação entre artistas que passam mais tempo sós, isolados, como compositores, escritores, do que entre aqueles que sobem ao palco, socializam. Mas não podemos ignorar o poder de fatores como abuso de álcool e drogas, a exposição, a busca pelo sucesso e outros fatores como favorecedores da ansiedade e da depressão”, afirma Carlos Felipe Almeida D'Oliveira, médico psicoterapeuta e parceiro do CVV no Rio de Janeiro.

                                             Padre Fábio de Melo: "Tinha medo de tudo, das pessoas"

Transtornos de humor atingem artistas famosos no Brasil e no Exterior

A exposição, o turbilhão de apresentações para grandes plateias, as viagens, a necessidade de manter uma agenda de constante contato com pessoas não fizeram bem ao Padre Fábio de Melo, que canta músicas religiosas e já vendeu mais de 4 milhões de cópias dos seus discos e quase 5 milhões de exemplares de seus livros e teve seu momento de auge na carreira entre 2005 e 2015. Foi quando ele teve o diagnóstico de síndrome do pânico, que, controlada com medicamentos, reapareceu há cerca de dois meses. “Eu tinha sensação de morte, de que algo muito ruim estava acontecendo. Tinha medo de tudo, das pessoas... Estou medicado e vivendo um processo de superação diária. Cheguei a me esconder debaixo da cama e ficar uma semana sem sair de casa. Nunca chorei tanto”, conta.

Ele não está, nem de longe, sozinho nessa. O cantor e compositor Armandinho admitiu problemas graves com o álcool e a depressão em 2014; o cantor Lucas Lucco expôs longamente as angústias do seu quadro de depressão aos fãs, em redes sociais, em 2015; Paula Fernandes admitiu em 2012 que teve depressão no final da adolescência, quando começava sua caminhada por exposição e sucesso na carreira artística. Renato Russo, Vanusa, Mauricio Mattar, Chrigor (ex-vocalista do Exaltasamba): muitos artistas nacionais sofreram de um mal que, no exterior, afetou nomes como Bruce Springsteen, Michael Jackson, Sinéad O'Connor, Lady Gaga, Selena Gomez...

Acumulam-se os casos de artistas que têm a coragem de procurar ajudar e expor seu problema. Mas, segundo o estudo inglês, a maioria não o faz. “52,7% tiveram dificuldade em pedir ajuda. Os nossos dados preliminares sugerem que trabalhar com música, ou ter a ambição de se envolver com o mercado musical, podem de fato estar levando os músicos a adoecer ou, pelo menos, estar contribuindo para aumentar seus níveis de enfermidades mentais”, descrevem Sally Anne Gross e George Musgrave, autores do trabalho.

Medidas podem ser eficazes na prevenção

“Às vezes, para um é a pressão do sucesso. Para outro, a falta de privacidade. Para um terceiro, a questão emocional. Eventualmente, o abuso de álcool e drogas... Quando paramos para pensar, apesar de toda a questão da exposição da internet, que aproxima quem está longe e distancia quem está perto, além de levantar constantemente questões ligadas à autoimagem, trata-se de um problema que, de diferentes formas, pode afetar todos nós, não só os músicos. Falar, ser ouvido, perceber alguém que, de maneira respeitosa, ouve a gente sem dizer que o problema da gente não tem valor é muito importante”, afirma Patrícia Fanteza, empresária que, há 19 anos, é voluntária do CVV e já atendeu a músicos e outros artistas com quadros depressivos e pensamentos suicidas.

Para Carlos Felipe Almeida D'Oliveira, medidas simples e universalmente associadas a um estilo de vida mais saudável contribuem para evitar o quadro:

  • Rotina: Muitas vezes, músicos que se apresentam e fazem turnês têm horários alterados, trocam o dia pela noite ou, pior, carecem totalmente de qualquer rotina. Tentar equilibrar o sono, respeitar os um tempo mínimo de descanso e manter, na medida do possível, uma certa rotina têm efeitos extremamente benéficos à saúde física e mental.

  • Exercícios físicos: São reiteradamente comprovados os benefícios da atividade física para a saúde física e mental. Mesmo que esteja envolvido numa turnê, num processo longo de gravação, num processo criativo extenuante, separe um tempo para atividade cardiovascular, para musculação, ioga ou o que quer que mantenha seu corpo ocupado. Ajuda a regular o sono, a liberar toxinas prejudiciais, a manter o sistema imunológico regulado e faz bem à mente.

  • Contato social: A natureza da criação artística é, às vezes, cruelmente solitária. Não se isole, mantenha contato com amigos, com as pessoas que ama. A sensação de solidão, de incompreensão e isolamento são gatilhos para transtornos do humor, particularmente a depressão.

  • Boa alimentação: Dica óbvia, mas nem sempre respeitada num dia a dia avassalador como pode ser o de um músico. Uma máquina maltratada não rende, apresenta problemas, falha. Estudos associam alguns alimentos à produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores ligados à regulação do humor, ao bem-estar: ovos, peixes, linhaça e grãos e sementes integrais em geral, castanhas, chocolate amargo, espinafre, couve-manteiga, laranja, limão, tangerina, amora.

  • Drogas e álcool: Outra obviedade: são comprovadamente associados a transtornos de humor. Dedique-se à criação e à carreira artística sem cair em clichês e aproveite toda a sua potencialidade com saúde.


 

 



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