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Efeito sanfona: três sotaques diferentes de um instrumento que é a cara da nossa música
Publicado em 21/03/2018

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Expoentes do acordeom (ou da gaita, como dizem os gaúchos) falam sobre os usos que lhes dão em São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul

Por Kamille Viola, do Rio

Acordeom, sanfona ou gaita: seja qual for o nome, ele designa um instrumento muito presente na música feita no Brasil. Forró, bolero, música gaúcha e pop são apenas alguns dos estilos tocados pelos apaixonados por aquela que foi a menina dos olhos de Luiz Gonzaga e Dominguinhos, os dois maiores expoentes da sanfona no Brasil.

O pop foi o estilo seguido por Marcelo Jeneci (foto), que trouxe uma cara mais contemporânea para o instrumento no país. A história do artista com a sanfona começa bem antes de ele tocar acordeom: seu pai, o pernambucano Manoel Jeneci, desenvolveu um sistema de captação para o instrumento. “Quando nasci, meu pai já recebia sanfoneiros do Brasil inteiro em uma casa simples na Zona Leste de São Paulo. Praticamente todos os mais famosos passaram por lá”, conta Marcelo.

Estudando teclado desde os sete anos de idade (e sonhando em ter um piano), ele começou a trabalhar com música profissionalmente aos 13. “Com ajuda do Chiquinho Chaves, sanfoneiro, um baita profissional. Nas visitas em que ele fazia ao meu pai para ajustar a sanfona, eu aproveitava para ficar ao lado dele e aprender”, diz.

Quando o músico estava com 17 anos, surgiu a chance de acompanhar Chico César no acordeom. “Ele estava no auge do sucesso de ‘Mama África’”, lembra Jeneci. Embora tivesse vontade (“era a possibilidade de ter um trabalho que remunerasse de um jeito que nunca imaginei que seria possível para mim”), havia um detalhe: ele não tinha sanfona, um instrumento que está longe de ser barato.

“Pedi ao meu pai para me levar à casa do Dominguinhos para pedir uma emprestada. Passei uma tarde recebendo dicas, ensinamentos. Ele me emprestou, e parti em viagem”, recorda o artista. “Fiz o primeiro show na USP, e em seguida partimos para Europa, Estados Unidos e Canadá. Precisei até de uma carta de liberação para viajar, porque era menor de idade”, explica. Na volta, Dominguinhos não quis receber de volta o instrumento. Com o dinheiro que tinha juntado para a sanfona, então, Jeneci conseguiu comprar o tão sonhado piano.

"É o instrumento que melhor caracteriza minha expressão musical. Fui abrindo caminho com ele no colo."

Marcelo Jeneci (SP)

Depois dessa turnê, saiu da casa dos pais. “A sanfona já vinha sustentando minha família pela vida do meu pai, então a história com ela começa antes de eu nascer, tem um legado que, logicamente, desembocou na minha carreira. É o instrumento que melhor caracteriza minha expressão musical, uma expressão confeccionada por alguém que vive no Sudeste. Tem um leve sotaque do tango nas coisas que eu faço. Eu trouxe um lugar mais contemporâneo para a sanfona, e ela logo se tornou meu instrumento de poder. Fui abrindo caminho com ele no colo”, afirma.

Depois de acompanhar outros artistas, como Vanessa da Mata, Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik, que também gravaram composições suas, aos 28 anos Marcelo Jeneci lançaria seu primeiro trabalho solo, “Feito Pra Acabar” (2010). O segundo trabalho, “De Graça”, veio três anos depois. Agora ele trabalha em seu próximo álbum e, em seguida, planeja fazer um disco dedicado ao instrumento. “Acho que a sanfona tem som de saudade e de festa ao mesmo tempo, ela tem uma alegria e melancolia, uma semente e uma flor, uma flor-de-lótus que nasce da lama”, poetisa. Embora não saiba exatamente como será o trabalho, ele revela ter vontade de chamar uma banda de pífanos de Pernambuco para participar do projeto. “Mas quero fazer com a minha sonoridade, que tem uma coisa ou outra de música eletrônica e de música sinfônica”, explica. Quem sabe a sanfona ganha de Dominguinhos, que ele guarda até hoje, faça parte do trabalho?

 

Terezinha do Acordeon: aos 7 anos, encontro com o mestre


Terezinha: relação com o acordeom desde menina

Mas é claro que não dá para falar do instrumento no Brasil sem mencionar o bom e velho forró. A pernambucana Terezinha do Acordeon é um nome de destaque do gênero que tem a cara do Nordeste. “Eu vi Luiz Gonzaga na minha frente, quando eu tinha sete anos, e foi aí que me apaixonei pelo instrumento”, diz a cantora e musicista, de 67 anos. Nascida em Salgueiro, começou a estudar aos 12. Aos 14, montou um conjunto com amigos do colégio que tocava em bailes. Ela costumava adaptar os arranjos de piano das músicas da moda na época, como a Jovem Guarda, para a sanfona. “Mas minha paixão sempre foi o forró. Em casa, no São João e na Zona Rural, era só o que eu tocava”, lembra.

"O forró não existe sem a sanfona. Depois dela, vêm zabumba e triângulo. Com esses três, você faz a festa."

Terezinha do Acordeon (PE)

Tamanha paixão causava estranheza. “Algumas meninas tinham acordeom e tocavam valsa, bolero. As pessoas achavam a coisa mais estranha do mundo uma mocinha tocando forró”, diverte-se. Quando tinha 17 anos, ela parou com a música, porque seu namorado tinha ciúme. O namorado virou marido, e ela acabaria retornando ao instrumento somente 12 anos depois.

De lá para cá, não parou mais: lidera uma banda, onde canta e toca o instrumento que carrega em seu nome artístico. Seu disco mais recente é “Se Não For Assim”, de 2016. Autodidata, ela conta que também conheceu Dominguinhos, que lhe deu um conselho: “Você tem que estar sempre estudando, ficar no seu quarto treinando”, ele disse. “Mas mestre, você está sempre viajando”, ela respondeu. “Pois eu paro o carro no meio da estrada (ele não andava de avião), debaixo de uma árvore, e treino”, ele replicou.

Ela comemora que o forró hoje seja conhecido no exterior e defende que a sanfona é a alma do gênero musical. “Ele não existe sem sanfona, é o instrumento principal. E, depois dele, vêm zabumba e triângulo, formando a santíssima trindade da música nordestina. Com esses três instrumentos, você faz a festa”, decreta.

 

Leonel Gomez: para o gaiteiro gaúcho, instrumento nunca saiu de moda

Leonel em ação: influência da mídia leva à renovação, ele diz

Do outro lado do país, lá no Sul, a festa também começa com a sanfona. Ou melhor, com a gaita, que é como se chama por lá. O gaiteiro Leonel Gomez, 56 anos, é um dos expoentes da região. Nascido em Santana do Livramento, na fronteira gaúcha com o Uruguai, ele começou a praticar o instrumento aos 15, depois de ouvir pelo rádio. “Eu me apaixonei pelo som, depois é que fui descobrir que era do acordeom”, recorda.

Ele começou a tocar música folclórica gaúcha de ouvido. Hoje, dedica-se ao chamamé, estilo musical argentino de origem guarani que é conhecido e praticado em algumas regiões do Brasil, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. “Mas tenho um jeito de fazer minha música brasileira misturada com argentina”, define Gomez, que se apresenta com os trajes típicos de sua terra: chapéu preto e lenço vermelho no pescoço.

"Se tem um violão num canto, as pessoas não dão muita bola. Mas, se tem um som de gaita, todo mundo já quer ouvir."

Leonel Gomez (RS)

Gomez acredita que hoje a sanfona está em evidência, por nomes como Michel Teló. “Ele é mesmo um grande acordeonista, e uma pessoa tipo ele ou tipo o Luiz Gonzaga, o Dominguinhos, que apareceram na mídia, são um chamariz. Eles fazem as pessoas se interessarem pelo instrumento. Mas, aqui no Rio Grande do Sul, o interesse nunca morreu”, garante. “A gurizada é muito influenciada, ainda mais com a internet. Quando eu comecei, a informação era pouca, até os discos a que eu tinha acesso eram limitados”, compara.

Para Gomez, sem dúvida o instrumento é a principal estrela da música gaúcha. “A gente sempre diz aqui que é a rainha da festa. Se tem um violão num canto, as pessoas não dão muita bola. Mas, se tem um som de gaita, todo mundo já quer ouvir”, diz.

 

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Assista ao vídeo exclusivo que do Leonel Gomes tocando a música Tarde Cinzenta de sua autoria:


 

 



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