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Música: existe uma receita de sucesso?
Publicado em 13/11/2019

Analisamos 68 canções de sertanejo, funk e pop que se revezaram no top 10 das mais tocadas ao longo de seis meses, no rádio e no streaming brasileiros, e encontramos alguns dados que dão pistas para responder à pergunta acima; produtores comentam

Por Alessandro Soler, de Madri

Fazer arte é dar vazão à expressão do espírito humano, o que, por definição, não combina com fórmulas pré-concebidas. Mas é inegável que os hábitos de consumo do público acabam colocando certas molduras na coisa. Ao analisar o top 10 das mais tocadas dos últimos seis meses no rádio e no streaming brasileiros, um ranking elaborado pela Crowley e publicado semanalmente aqui no nosso site dando destaque aos compositores das obras, encontramos uma série de coincidências de formato. Para produtores, essas coincidências atendem à urgência e ao excesso de informação do nosso tempo, obrigando quem faz música a ir “direto ao ponto” e se desdobrar para ser criativo e fazer diferente.

Ao longo de 26 semanas analisadas entre 12 de maio e 9 de novembro, revezaram-se nos rankings 68 canções. De cara, e corroborando dados que o mercado já conhece, chama a atenção o perfil das músicas. No rádio91,5% — 32 das 35 canções do top 10 dos últimos seis meses — eram sertanejos; o restante eram dois arroxas e um “sambanejo”. 

O streaming apresentou um pouco mais de variedade, com espaço dividido entre sertanejos, funk, pop e até a presença (bastante minoritária, com apenas 6% do total, ou quatro canções) de criações estrangeiras, no caso, pop internacional. Ou seja, entre todas as músicas das “mais mais”, 94% são brasileiras, o que mantém o nosso país como um caso quase à parte em nível mundial e um mercado bastante voltado para sua própria produção.

Sobre a temática, chama a atenção que 100% dos sertanejos têm a impossibilidade amorosa como tema: da dor de cotovelo pela perda da pessoa amada a romances tóxicos/disfuncionais, passando por amantes que não terminam de se entender ou namorados que estão separados fisicamente e não podem se encontrar. Entre os funks do ranking (que aparecem só no streaming, nunca na rádio), 100% têm classificação como conteúdo explícito e trazem referências sexuais sem censura.

Outra percepção empírica recente do mercado ganha comprovação: as gravadoras têm apostado em constantes lançamentos de grandes espetáculos de artistas sertanejo, coisa de 90% das músicas do gênero que aparecem no ranking são versões ao vivo. O estúdio perde espaço cada vez mais, o que parece obedecer à própria lógica do universo sertanejo, com artistas constantemente na estrada em longas turnês. 

Se o artista não tem mais tempo, o público também não - para se ter uma ideia, um estudo publicado em outubro no Reino Unido revelou que 15% das pessoas de menos de 25 anos nunca ouviram um álbum completo na vida. Entre as 68 músicas analisadas por nós, fossem nacionais ou as poucas estrangeiras, a mais longa tinha 3:44. E a canção em questão — “Quarta Cadeira – Ao Vivo”, escrita por Leandro Rojas, Nicolas Damasceno e De Angelo e interpretada pela dupla Matheus & Kauan — é uma notável exceção. A esmagadora maioria (ou 92% do totalnão passa de 3:30, sendo que 66% têm menos de três minutos, e uma delas tem só 1:53: a americana “Old Town Road”, de Montero Lamar Hill, Michael Trent Reznor e Atticus Matthew Ross, interpretada por Lil Nas X. 

Outros dados de tempo e formato: 

  • 58% do total analisado têm uma introdução (ou seja, a parte instrumental antes do início da letra) de, no máximo, dez segundos.

  • 92% têm uma introdução de, no máximo, 15 segundos.

  • No caso das sertanejas, mais de 80%, quando a introdução dura mais de 10 segundos, têm algum “chamamento” do cantor, uma provocação qualquer, uma saudação, algo que parece destinado a captar o ouvinte.

  • em 62% delas, o refrão entra antes dos 45 segundos.

  • em 98% delas, o refrão entra antes de um minuto.

  • entre os funks e pops nacionais analisados, 100% tinham ao redor de dois minutos de duração total, com introduções de, no máximo, 4 segundos. Grande parte delas abre diretamente com o refrão, repetido algumas vezes ao longo da curta execução da música.

Para produtores, o aparente engessamento dos formatos, principalmente no que toca à duração das canções, das introduções e dos refrães, vem da necessidade de aceitar o comportamento do público: simplesmente, os ouvintes já não têm mais paciência e passam rapidamente para outra música caso uma introdução não interesse. “As pessoas estão com o intervalo de atenção cada vez mais curto. É muita coisa, muita informação, ao mesmo tempo”, resume Rodrigo Gorky, produtor de Pabllo Vittar, Luiza Possi, Banda Uó e Bonde do Rolê ao lado dos companheiros do coletivo Brabo Music Team.

“Hoje em dia existe muita concorrência, não só entre as músicas, mas também com outras mídias, redes sociais, Netflix, YouTube... Tudo isso está constantemente ao alcance dos dedos, criando-se a necessidade de cativar o ouvinte o mais rápido possível”, corrobora Natália Carrera, produtora de Letrux e Mi Kaev e participante do projeto Escuta as Minas, do Spotify. “Não acredito que o formato seja o motivo pelo qual as músicas fazem sucesso, embora com certeza ajude.”

Para Rodrigo, saber o que anda fazendo sucesso pode até jogar contra na hora de produzir e criar. “A dificuldade é maior, porque, quando temos uma fórmula previsível, acabamos condicionando nossa cabeça a esses momentos.” 

Como ele, o produtor Dudu Borges, que assina alguns dos maiores sucessos do sertanejo nos últimos anos, para Luan Santana, Michel Teló, Jorge & Matheus, João Bosco & Vinicius, Bruno & Marrone e muitos outros, vê grandes possibilidades para pensar fora da caixa. “Gosto de experimentar coisas que parece que não fazem sentido. Mas, se você acha que aquilo é o caminho, deve fazer. A gente se pergunta: 'será que isso vai rolar? Ninguém está fazendo...' Aposte, invista em novos caminhos. A música precisa evoluir”, ensinou, há alguns meses, num depoimento à UBC. Na mesma série, que você pode conferir completa na nossa página no YouTube, outros produtores deram dicas valiosas para trilhar um caminho que tem óbvios obstáculos: não só conseguir a aceitação do público como fazer isso sem parecer repetitivo. 

“Fórmulas não são uma coisa nova, sempre existiram. Nos anos 50 e 60, houve um período de músicas muito 'formulaicas', com o surgimento do rock e da Motown. E, mesmo assim, produziram-se coisas fantásticas. Desde o início do século XX, a música popular se desenvolve em conjunto com as mídias. Por exemplo, as músicas longas e os álbuns conceituais dos anos 70 têm tudo a ver com a consolidação do formato do LP, que permitia obras mais extensas que os singles. Eventualmente algum outro formato vai surgir, atendendo a novas demandas, e a indústria cultural acompanhará”, analisa Natália Carrera, uma das produtoras em maior ascensão na cena indie brasileira e integrante da lista de produtoras que a UBC elaborou e publicou recentemente e que cresce à medida que novos nomes chegam até nós. 

"Nos anos 50 e 60, houve um período de músicas muito 'formulaicas', com o surgimento do rock e da Motown. E, mesmo assim, produziram-se coisas fantásticas."

Natália Carrera, produtora

Rodrigo Gorky vê certos padrões do mercado como algo inescapável no contexto da música contemporânea, mesmo quando você acha que tem o controle do que escuta/faz. “Os serviços que, primariamente, são 100% democráticos, como o streaming, ou seja, que permitem que você escute o que quiser na hora que quiser, são uma faca de dois gumes. Com tanta opção, acabamos ouvindo as mesmas coisas ou confiando em playlists e nas listas das plataformas. Então, acabamos caindo dentro do mesmo sistema de 'ouvinte x programador', como na rádio, ficando dentro de uma bolha”, descreve. 

A solução para os produtores e artistas é redobrar a criatividade, é procurar oferecer coisas inovadoras e vanguardistas mesmo quando se joga pelas regras mercadológicas do tempo, das introduções, dos refrães... “Existe espaço para todo mundo, porque o que vale, no longo prazo, é a verdade de cada artista", diz Gorky. "Mas os que se levam unicamente por fórmulas acabam caindo no esquecimento.”

 


 

 



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