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'Impulsionamento' pago ganha os serviços de streaming
Publicado em 17/01/2020

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Anúncios promocionais comprados por selos, editoras ou agregadores dão maior visibilidade a canções; Deezer inaugurou, em 2016, modelo que agora chega ao Spotify. Entenda como funciona

Por Alessandro Soler, de Madri

Vivemos imersos num oceano profundo de informação, e as redes sociais já entenderam isso há tempos, quando introduziram o conceito de impulsionamento. A lógica, você sabe, é: pagando, conseguirá que seus posts em mídias como Facebook ou Instagram cheguem ao maior número possível de seus seguidores — caso contrário, esqueça: seus pensamentos, opiniões e fotos fofas de gatos não aparecerão na timeline de todos. Agora, em meio aos milhares de lançamentos de música a cada mês pelo mundo, os serviços de streaming lançam mão de táticas não de todo distantes desse modelo.

A Deezer, uma das maiores plataformas a operar no Brasil — por conta, sobretudo, da sua associação com a operadora de telefonia móvel TIM —, foi pioneira no método. Como conta ao site da UBC seu diretor global de comunicação, Anton Gourman, desde 2016 existe um serviço de anúncios das canções hospedadas no seu banco de dados. O selo, editora, agregador ou artista pagam para que a música ganhe uma posição privilegiada e apareça como um spot publicitário. Isso só ocorre no serviço gratuito (já que o serviço pago não tem anúncios), e sempre que o usuário esteja em modo “descoberta”.

“Há um jingle antes da canção patrocinada para informar claramente aos ouvintes que o que está sendo executado ali é um anúncio. Nossos testes mostraram que os usuários entendem perfeitamente isso”, afirma Gourman, que ressalta: os anúncios-canções não são incluídos nas listas das mais tocadas nem nas estatísticas de execuções. “Os usuários da versão gratuita podem interagir com a faixa: adicioná-la à sua biblioteca ou playlist ou seguir o artista. Esse recurso está disponível em todos os nossos principais mercados, e o Brasil é o segundo deles em nível mundial.”

Parece ter dado tão certo em termos de lucros para a plataforma que seu principal rival em nações como França (sede da Deezer) e Brasil, o Spotify, correu atrás e fez o mesmo. Em outubro passado, o gigante sueco anunciou que lançará (em data ainda não cravada) um pop-up de anúncio musical em seu aplicativo. Em inglês, será titulado “Brand New Music For You” (música novinha para você). A diferença principal para a Deezer é que a função do Spotify existirá também no serviço pago, o que poderá causar algum mal-estar entre usuários que pagam para não ter anúncios e serão obrigados a engolir sugestões patrocinadas. 

Atualmente, o Spotify já dispõe de sugestões semelhantes quando, por exemplo, um artista que você escuta com frequência lança um novo álbum ou faz um show perto da sua cidade. Adaptado, o pop-up sugerirá conteúdos que, pagos pelos representantes do artista, ganharão uma visibilidade especial. 

“Acho que podemos fazer algo realmente positivo do ponto de vista da experiência do usuário e, ao mesmo tempo, ajudar os selos e os artistas com um tema de grande pressão para eles, que é o fato de que, hoje em dia, precisam participar do mercado gastando muito dinheiro para promover aquele conteúdo em diversos ambientes”, descreveu Daniel Ek, cofundador do Spotify, durante um evento no qual anunciou a novidade. 

Para o analista musical britânico Tim Ingham, não há outra leitura possível: é jabá digital. “Em breve, as maiores discográficas vão poder manipular o que as pessoas ouvem nas plataformas de streaming coçando seus bolsos. Quem pagar mais vai levar mais (audições)”, resume. No portal de de notícias sobre o mercado Music Business Worldwide, que ele dirige, escreveu: “O que Daniel Ek realmente queria dizer, em termos menos confusos, é: 'Acreditamos que encontramos uma forma de cobrar das gravadoras para promover seus artistas diretamente entre seus fãs sem encher demais o saco dos nossos usuários. Se somos bem-sucedidos nisso, os selos poderão direcionar um pouco do seu gasto de marketing digital do Google, do Facebook e do Instagram para nós.”

Pelo menos na Deezer, como explica Gourman, um ponto importante é que as tais canções impulsionadas aparecem fora dos ambientes associados a uma curadoria artística, como é o caso das playlists. Editadas por pessoas que entendem de música — e que, supostamente, se baseiam na qualidade e na popularidade de uma faixa na hora de incluí-la ou não ali —, tais listagens ficarão inalteradas. 

“Nosso sistema não permite a um selo pagar para ter prioridade nas nossas playlists. Todo o nosso conteúdo editorial é estritamente independente. Além disso, tampouco há prioridade nas buscas de canções. O sistema de buscas é gerido pelo nosso time em Paris, e não há forma de que alguém possa pagar para saltar à frente nos resultados”, insiste o diretor global de comunicação da plataforma. “Por fim, não há impacto de qualquer tipo sobre os usuários do pacote premium (pago). Não há pontos de contato entre essa solução (de impulsionamento) e tais assinantes.”

É de esperar que o Spotify adote o mesmo modelo, embora a UBC não tenha conseguido se aprofundar nos detalhes. Procurados, os representantes da plataforma no Brasil não responderam aos pedidos de informação. 

 

No princípio era o jabá...

Pagar para ter acesso ao suculento universo de consumidores de música de um determinado meio não é novidade. Que o digam os rádios e seu famoso — e tantas vezes criticado — sistema de jabá. Diferentemente do impulsionamento que plataformas como Deezer e Spotify abraçam, o jabá tinha um caráter mais opaco, já que dificilmente a emissora que o praticava informava ao ouvinte que se tratava de uma execução musical paga pelo selo ou pelo artista. Dava-se aí, então, uma quebra de confiança na relação DJ/curador-ouvinte. 

Na TV, também há indícios históricos da prática. Em uma célebre entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, em dezembro de 2001, André Midani contou que a produção do extinto programa “Cassino do Chacrinha”, da TV Globo, queria cobrar para pôr os Novos Baianos em cena, nos anos 1970. 

“Achei por bem denunciar. Disse à imprensa que Chacrinha queria cobrar jabaculê. Isso me custou caro. Rádios e outros programas de TV aderiram à causa e passaram a cobrar também”, afirmou o célebre produtor. 

A prática nunca foi regulamentada (ou proibida) no Brasil, apesar da existência até de projetos de lei no Congresso para tentar coibi-la. Em fóruns nos quais músicos e outros players comentam temas relacionados ao mercado, ainda se encontram referências ao jabá, embora haja indícios de que a prática, se não desaparecida, se tornou menos disseminada do que há alguns anos. 

A concorrência com o streaming seria uma das razões do enfraquecimento do jabá. Com a necessidade de oferecer uma programação de maior apelo popular, evitando a sangria dos ouvintes, as emissoras estariam dando mais espaço a hits reais. Resta saber qual impacto o paradoxal novo modelo do streaming, de aposta nos conteúdos pagos, terá sobre o dial.


 

 



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