DJ, empresário e cantores explicam razões pelas quais, em plena era do streaming, os arquivos em alta são fundamentais para ajudar a difundir a sua música
Por Fabiane Pereira, do Rio
Toda vez que uma nova tecnologia se impõe, decreta-se o “fim” de outra vigente. Foi assim com o rádio, quando os aparelhos televisores se popularizaram mundo afora nas décadas de 1950 e 60. No início de 2010, a pergunta da vez era se os serviços de streaming iriam aniquilar o antigo método de transferência de arquivos, que, durante anos, foi a melhor maneira de se ouvir músicas e assistir a vídeos. Pois em 2020, já consolidada a “era do streaming”, a maioria dos artistas independentes — e até, em alguns casos, editoras e selos — já não mantém arquivos musicais em alta definição para download. Mas, devagar com o enterro dos arquivos musicais em alta: eles ainda seguem vigentes e, em algumas situações, fundamentais.
É o que diz, por exemplo, o cantor e compositor Rubel. Para ele, se já não há a necessidade de manter os arquivos disponíveis para venda por download, pela praticidade do streaming, o mesmo não se pode dizer sobre os casos em que é preciso enviar a música para divulgação ou mesmo fixá-la num suporte físico. “É importante diferenciar o arquivamento do material em alta qualidade e a disponibilização para download. O arquivamento em alta é essencial porque só com ele é possível sincronizar, prensar um vinil ou um CD e até mesmo fazer uma nova versão da master para subir em uma nova plataforma.”
O cantor e compositor Rubel
David McLoughlin, empresário e curador do Brasil Calling, projeto especializado em apresentar a radialistas estrangeiros as novidades sonoras da cena brasileira, dá outros exemplos. Para ele, radialistas, jornalistas e programadores musicais não vivem na "era do streaming” porque estes profissionais precisam receber o material em arquivos de MP3 ou WAV, senão a música perde a qualidade e não entra na programação das emissoras. “Streaming não funciona para os profissionais que ajudam na comunicação da música. O radialista precisa fazer o download da faixa, de preferência com as informações referentes a ISRC e nome do autor da música”, explica, justificando a necessidade de manter os arquivos em alta.
McLoughlin conta que, no ano passado, recebeu um email de um amigo radialista estadunidense sobre a música brasileira no Grammy Latino. “Ele questionava a quantidade de artistas nomeados sem downloads de suas músicas disponíveis, inclusive em seus próprios sites. No mundo inteiro, rádio ainda tem uma superimportância, e muitos programadores de emissoras internacionais buscam pela nossa música. Mas poucos artistas e selos daqui disponibilizam suas faixas em alta, não costumam enviar seus materiais para rádios de fora. Se o radialista não recebe música brasileira, vai tocar outra coisa, e, assim, nossa música vai perdendo cada vez mais espaço. Se tivéssemos a cultura de enviar nossos lançamentos, com freqüência e continuidade, para rádio e imprensa internacional durante os últimos 20 anos, teríamos criado um novo público ouvinte e adorador da música brasileira”, sentencia.
O DJ e produtor MAM
Além dos radialistas, citados por David, os DJs são outra classe de profissionais que fazem uso frequente dos arquivos em alta definição. Para o DJ MAM, nome artístico do produtor musical e compositor carioca Marco Aurélio Marinho, é importante manter os arquivos em alta porque eles ainda são uma ferramenta de divulgação. “Eu toco músicas a partir de arquivos no formato WAV, MP3 ou em vinil, por causa da qualidade”, resume.
Os DJs são profissionais fundamentais para ajudar no aumento do alcance das músicas. “Participo de um grupo no WhatsApp que tem mais de 1.500 nomes da cena. Quando uma música chega para nós, indicada por um dos DJs que está nesse grupo, é claro que essa faixa ganha uma atenção especial. Alguns artistas que hoje estão nos headlines dos principais festivais de música do Brasil devem muito ao nosso trabalho de reverberar a faixa nas pistas de dança. Não acho que manter os arquivos em alta seja andar na contramão do mercado, e sim andar em paralelo”, analisa MAM.
Aos que reclamam que o armazenamento dos arquivos em alta ocupam muito espaço em seus computadores e HD, David McLoughlin dá uma dica. “Há uma plataforma alemã chamada PromoJukeBox, que permite enviar os arquivos em mp3 ou em WAV para qualquer pessoa, no mundo inteiro. Cada faixa sai com uma marca d’água, assim é possível rastrear os arquivos, além de gerar estatísticas, incluindo a classificação dos links mais clicados.” Mesmo os recursos mais limitados do Google Drive, do iCloud ou de outros serviços do gênero, pagos ou gratuitos, podem ser suficientes para manter arquivos em alta e, assim, poder enviá-los a radialistas, DJs, produtores e supervisores musicais (responsáveis pela pesquisa e pela inclusão de músicas em trilhas sonoras de produtos audiovisuais).
O cantor e compositor Cícero
O uso desses serviços de armazenagem em nuvem é uma forma interessante de driblar a situação que descreve o cantor e compositor Cícero, histórico adepto dos downloads e dos arquivos baixados — e, nos últimos tempos, convertido ao streaming. “Quando eu era adolescente, tinha gigas e gigas de discografias em CDs gravados baixados da internet. Não há mais espaço para todos terem todas as músicas em seus aparelhos, o streaming é uma forma de organizar a oferta e a demanda”, opina o carioca, que também vê alguma vantagem, do ponto de vista do consumidor final, na manutenção de arquivos. “A música deixou de ser produto para virar serviço. Mas, sem a máquina (smartphone) e a assinatura (do streaming), você sua experiência (como ouvinte) não é completa”, pontua. Ou seja, pelo sim, pelo não, quem tem o arquivo tem a música...
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