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As bandas estão acabando?
Publicado em 20/05/2021

Profissionais refletem sobre o protagonismo das carreiras solo, fenômeno que ocorre no Brasil e no exterior

Por Eduardo Lemos, de Londres

Suricato: solo ou em projeto com o Barão Vermelho, ele dá vazão a diferentes aspectos artísticos

 

"Não existem mais bandas, somos uma espécie em extinção.” A frase, dita pelo cantor Adam Levine, do Maroon 5, em março, causou polêmica nos círculos musicais.

Se é verdade que talvez o ídolo norte-americano precise pesquisar mais — existem ótimos grupos surgindo o tempo todo —, também é fato que os conjuntos não estão em alta como antigamente, ao menos quando olhamos para o mainstream. Em 2020, os 30 fonogramas mais populares do Spotify foram gravados por artistas solo, com apenas uma única exceção, o septeto sul-coreano BTS.

É um dado considerável para a música pop, cuja história é recheada de Beatles, Stones, Smiths, Oasis, Strokes. Na visão de Maurício Bussab, CEO e fundador da distribuidora brasileira Tratore, os gêneros musicais que fazem sucesso atualmente são mais individualizados. "O que está estourando lá fora é um estilo tipicamente de artista solo, como rap, soul, reggaeton e EDM, enquanto há alguns anos você tinha as bandas de rock muito fortes", diz.

Uma olhada na lista de mais tocadas da Billboard reforça esta percepção: a última vez que um grupo chegou ao primeiro lugar da lista foi em 2019, com o Jonas Brothers (exceção de praxe feita ao BTS). "O top 30 de artistas mais ouvidos tem três estilos musicais, no máximo. Não há diversidade. Mas as bandas ainda existem", alerta o cantor e compositor Rodrigo Suricato, que hoje se divide entre o trabalho solo e o Barão Vermelho.

De acordo com o músico, outra razão para esta ser a era dos solistas é a evolução tecnológica. "A portabilidade dos estúdios e o preço acessível dos equipamentos de gravação fizeram com que a produção artística fosse mais ágil e se tornasse um pouco individual", observa Suricato: ”E ter uma banda envolve maior custo operacional e enorme investimento em relações pessoais. Pode ser muito desgastante.”

Banda, carreira solo ou os dois: um dilema cada vez mais comum para os artistas

O músico carioca viveu na pele estas questões. O Suricato foi um coletivo até meados de 2018, quando Rodrigo assumiu o formato one man band — banda de um homem só —, em que se apresenta sozinho tocando violão, guitarra, percussão e outros instrumentos.  Naquele mesmo ano, ele aceitou o convite para assumir voz e guitarra na nova formação do Barão Vermelho.

A sincronia entre os projetos é tanta que o disco solo "Na Mão as Flores" saiu no mesmo mês que "Viva", seu primeiro álbum com o Barão, em 2019. "Nunca fomos concorrentes de nicho, e confesso que não sabia se daria certo, mas o volume de nossas agendas é compatível. Prezo muito por minha liberdade artística e tenho tanta sede de individual como coletivo. Passar a vida me expressando com as mesmas cores seria um enorme desperdício", explica.

"O legal de trabalhar com o Barão é que todas as nossas intenções, solo e coletivas, estão muito claras. O vocalista não irá sair para montar um trabalho solo, ele já é um artista solo. Guardadas as proporções, John Mayer tem feito algo semelhante com Grateful Dead e tantos outros. No Brasil, existe um tabu, e bandas importantes encerram ciclos porque seus integrantes criativos não se expressam em primeira pessoa.”

A nova formação do Barão: espaço para protagonismos individuais

 

Não cercear o fluxo criativo do artista é um pilar essencial no trabalho da empresária Eliane Dias, responsável pela gestão de carreira do grupo Racionais e do trabalho solo de Mano Brown. "A carreira solo é um risco, mas é importante realizar seu sonho e não ficar frustrado. Se o artista tem vontade, tem que fazer. É importante sair da zona de conforto”, avalia.

Ela, que também cuida da carreira individual de Liniker, que recentemente deixou o coletivo  Liniker & Os Caramelows após 5 anos de estrada, crê que realizar projetos solitários serve como um respiro à dinâmica coletiva. "Sinto que os artistas gostam de ter momentos de autonomia, de poder bater o martelo em negociações sem pedir opinião", diz. Segundo Eliane, o papel da empresária não é interferir nesta história: "Uma decisão sobre seguir solo ou em banda é exclusiva do artista. Meu papel é fazer este trabalho acontecer.”

Além do lado artístico, há aspectos econômicos nesta discussão. Uma apresentação solo tende a ser mais barata para os contratantes. Quando os Racionais viajam para fazer um show, vão no mínimo 18 pessoas; no caso do trabalho solo de Mano Brown, este número cai para 10. Os lucros com streaming também são maiores quando o artista não tem de dividir o bolo com outros membros. "Embora eu pessoalmente prefira o trabalho coletivo,  porque no grupo o artista está mais protegido, acho que a tendência é mesmo o número de bandas diminuir, por conta da liberdade e do acesso rápido ao dinheiro que a carreira solo proporciona", diz Eliane.

No mercado independente brasileiro, no entanto, as bandas estão ganhando cada vez mais protagonismo. Em 2021, das 30 faixas mais populares distribuídas pela Tratore, 13 foram gravadas por grupos. Há uma década, a lista tinha apenas 7 grupos. "Gerenciar carreira solo e banda para um artista independente pode ser trabalhoso, mas é uma estratégia que permite ter diferentes produtos para vender. Vários artistas na Tratore utilizam a tática de manter diversos shows prontos, um com a banda, outro solo, um acústico, outro para o Carnaval…”, observa Maurício Bussab.

Eliane Dias: empresária dos Racionais e também de Mano Brown

 

Para o artista que ainda não consegue estruturar duas carreiras ao mesmo tempo, mas gostaria de dar vazão à criatividade, lançar músicas apenas digitalmente pode ser uma saída, segundo Mauricio. "Desde que o artista aprove o trabalho do ponto de vista estético, vale sempre colocá-lo no ar. Afinal, tudo faz parte da sua carreira e da sua história profissional.”

 

Vai começar uma carreira solo? Veja 3 dicas de profissionais da música:

1. Não se para um rio com as mãos. Mas a transição (ou respiro) pode ser feita de uma forma mais natural, responsável e com antecedência. Claro que isso também depende da maturidade dos envolvidos. Não se deve ter culpa por querer se expressar de outras formas, arte é uma bênção. (Rodrigo Suricato)

2. A carreira solo é um risco. Não é porque você tem uma banda indo bem que a sua carreira solo vai funcionar. O artista tem que saber que o trabalho que ele está acostumado a dividir com a banda agora será feito todo sozinho. No começo, o retorno financeiro também é menor. (Eliane Dias)

3. O artista precisa ter claro se ele consegue gerenciar a carreira solo e com a banda ao mesmo tempo; porque isso pode desfocá-lo e impedir o crescimento de um dos projetos. (Mauricio Bussab)


 

 



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