Pandemia e câmbio fraco fazem Brasil sair do top 10 dos mercados musicais, diz relatório da Cisac
Por Alessandro Soler, de Madri
Tantas vezes previsto, o efeito daninho da pandemia sobre a arrecadação de direitos autorais foi medido pela Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (Cisac): em 2020, os titulares perderam o equivalente a R$ 6,7 bilhões, pelo câmbio atual. O dado consta do Relatório Anual de Arrecadações Mundiais, divulgado nesta quarta-feira (27) em Paris, e inclui as cifras referentes aos setores musical, audiovisual, dramático, literário e de artes visuais. Com redução de 9,9% em relação a 2019, a arrecadação total ficou em € 9,32 bilhões em 2020, ou R$ 60,3 bilhões, contra os € 10,35 bilhões do exercício anterior.
Só na música, o principal setor no mundo da gestão coletiva, a queda foi de 10,7%, e o total arrecadado foi de € 8,187 bilhões, ou R$ 53 bilhões.
A análise das fontes pagadoras mostra que as principais causas das quedas foram as expressivas perdas de arrecadação com a suspensão de shows e eventos ao vivo (-45,2%, ou R$ 10,3 bilhões que deixaram de ser faturados), além do quase total desaparecimento da sonorização ambiental ao longo de vários meses em 2020. Isso se deveu ao fechamento de estabelecimentos comerciais que usam música ambiente nos principais mercados da música mundial, para garantir a distância social.
Mesmo a TV e o rádio, que em seu conjunto continuam a ser os segmentos mais lucrativos para a gestão coletiva (tanto na música como no setor audiovisual), tiveram resultados negativos que impactaram os ganhos dos autores devido às perdas das emissoras com publicidade. Segundo o documento da Cisac, a queda de 4,4% da arrecadação proveniente da radiodifusão tirou do bolso dos titulares o equivalente a R$ 24 bilhões.
Os números ruins foram compensados — em parte — pela expansão do digital, um movimento que já havia sido detectado pelo mercado. Com a permanência das pessoas em casa, o streaming ganhou algum oxigênio. Na gestão coletiva musical, a arrecadação digital subiu 16,2%, gerando um total de € 2.399, ou R$ 15,5 bilhões. Com isso, o digital passou a ser a segunda fonte de arrecadação na música, ultrapassando (ao menos momentaneamente) os setores ao vivo e de música ambiente.
"O streaming se encaminha rapidamente para virar a principal fonte de receitas para os criadores. Mas essas receitas, por mais rápido que estejam crescendo, simplesmente não garantem atualmente uma remuneração equitativa ao serem repartidas entre os milhões de beneficiários", diz Björn Ulvaeus, presidente da Cisac, que, entre outras frentes, estabeleceu como objetivos principais da entidade a busca por uma melhor remuneração pelos usos de obras online, uma maior igualdade nos pagamentos e uma valorização geral do ofício de compositor/autor.
Outro que ressalta o poderio crescente e inexorável do digital é Marcelo Castello Branco, presidente do Conselho de Administração da Cisac e diretor-executivo da UBC:
"Os números gerais do relatório mostram que fomos golpeados por uma queda radical nas receitas. Mas, para além das primeiras previsões apocalípticas, essa baixa foi atenuada por nosso determinante compromisso por explorar novas oportunidades, particularmente no setor digital."
De acordo com ele, a rede mundial de sociedades de gestão coletiva que compõem a Cisac deve se unir, com solidariedade e empatia, para se adaptar aos desafios da era digital.
No Brasil, que há anos vinha integrando o top 10 dos maiores mercados musicais — chegando a ocupar a sétima posição no Relatório de 2017 —, além da própria crise decorrente da Covid-19, o câmbio teve grande impacto sobre o panorama negativo. Assim, o nosso país terminou 2020 em 12º lugar no ranking da gestão coletiva musical global, com o equivalente a € 132 milhões arrecadados, uma redução de 28,6% em euros. Pelo relatório do Ecad, divulgado há algumas semanas, os direitos autorais musicais arrecadados em 2020 foram de R$ 905 milhões, queda de quase 20% em reais.
A América Latina como um todo, segundo a Cisac, também teve uma grande redução de 25,4% na arrecadação geral (incluindo todos os repertórios). O total arrecadado em 2020 foi de € 378 milhões (ou cerca de R$ 2,45 bilhões). A música foi responsável pela grande maioria dessa receita (€ 341 milhões), com uma queda de 24,3% em relação a 2019 puxada em grande parte pelo Brasil, que, sozinho, soma 38% do bolo da região.
Uma notável exceção nos números baixos foi a do México, um país cujo consumo de música e outros produtos artísticos é altamente digital (quase 75% do total consumido, o que o coloca em terceiro no ranking da penetração digital mundial, atrás de Indonésia e Tailândia). Com crescimento de 2,8% em comparação ao ano anterior, o país norte-americano teve uma arrecadação total de € 89 milhões, ou algo como R$ 575 milhões. A digitalização que gera ganhos crescentes e a volta paulatina do mercado representam, como se depreende do relatório, luzes no fim de um longo túnel.
"Em 2021, há motivos para o otimismo, mas não para a celebração. A recuperação do nosso setor é incerta e imprevisível. O impacto da pandemia seguirá nos afetando, mas as atividades e os resultados das nossas sociedades membros em 2021 oferecem motivos para confiar na volta ao crescimento do setor", finaliza Gadi Oron, diretor-geral da Cisac.
LEIA MAIS: O relatório na íntegra, em inglês
LEIA MAIS: O relatório na íntegra, em espanhol
LEIA MAIS: Os números brasileiros em detalhes, no Relatório Anual do Ecad 2020