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Chico Brown: 'Foi isso que escolhi para mim, e não tem volta'
Publicado em 29/10/2021

O jovem compositor, cantor e músico, filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque, fala sobre parcerias com Marisa Monte e criação

Por Fabiane Pereira, do Rio

Fotos de Fábio Teixeira

Corre música nas veias de Francisco Buarque de Freitas. Filho de Carlinhos Brown, ícone da música celebrado internacionalmente, e neto de Chico Buarque, figura central na história da arte brasileira, o jovem compositor, cantor e instrumentista que adotou o nome artístico de Chico Brown começou a batucar com colher de pau ainda na primeira infância. “O primeiro instrumento a gente não ganha, a gente pega na cozinha”, brinca o jovem tranquilo e tímido que, recentemente, se viu sob os holofotes por conta das múltiplas cocriações com Marisa Monte, uma das mais constantes parceiras de seu pai.

Durante a pandemia que impossibilitou os encontros presenciais, Chico se recolheu e viu na escrita uma companheira frequente. Além de tocar piano, violão e bateria, ele é bom na percussão: “Em Salvador (onde se criou o artista nascido há 24 anos no Rio), a gente começa com percussão. Depois vem todo o resto.”

Preparando-se para lançar seu primeiro disco solo no primeiro semestre de 2022, Chico Brown conversou com o site da UBC sobre criação, feminismo, disco novo, parcerias musicais, Marisa Monte, herança genética e musical e futuro.

 

Como você está emocionalmente depois de uma pandemia? Vivemos num país que perdeu mais de 600 mil pessoas. Como está sua saúde mental no meio dessa loucura?

CHICO BROWN: Eu acho que todo mundo que é minimamente empático com a situação política, social e coletiva do país sentiu esse baque. Penso muito no que poderia estar sendo feito para melhorar a sociedade, mas a realidade é que a gente só está retrocedendo, infelizmente. Então sinto a tristeza de, no coletivo, ver um desabamento. Mas ao mesmo tempo, no campo individual, existe uma necessidade artística de dedicação e de criação.

E como você encontra poesia em tempos tão difíceis? Como é o seu processo de encontrar beleza nas coisas e transformá-las em arte?

É um processo meio solitário e, nesse sentido, este período de pandemia acabou me ajudando a focar em terminar canções antigas, mostrá-las a novos parceiros e até retomar antigas parcerias, como foi com a Marisa (Monte). Entrei no estúdio e estou aproveitando para, aos pouquinhos, gravar com a minha banda, dar um gás num processo que começou antes da pandemia, antecedeu este caos. Apesar de todos os entraves e questões que baixam a nossa energia, tem também uma beleza de não deixar morrer nem murchar. Uma beleza de permitir que as ideias que já existiam antes da pandemia aconteçam. Não deixar secar as inspirações nem os afetos. Dar a mão para os colegas de trabalho e continuarmos seguindo em frente, com nosso propósito de vida. Estou firme nesse propósito de não me deixar abater, e essa força de vontade vem da beleza, da poesia, da criação. Foi isso que escolhi pra mim, e não tem volta.

Você estava falando sobre criação, e lembrei de um verso do Paulo César Pinheiro e João Nogueira que diz “a criação é uma luz que chega de repente”. Pra você, o que é a criação? Consegue identificar essa luz que chega de repente?

Às vezes, a gente não sabe o que vai dar essa inspiração, essa luz. Às vezes, é algo que a gente pensa “ok, é só mais uma canção”, e de repente essa canção, na mão do parceiro certo, da voz certa, pode se tornar uma música no disco novo de Marisa. É sempre uma grande surpresa pra gente também que está ali compondo, nesse papel de veículo, recebendo aquilo de um lugar que a gente nem sabe de onde vem…

Como dizem na umbanda, uma espécie de ‘cavalo’…

Pode ser! É como se a gente fosse só mesmo uma ponte de algo que, às vezes, nem parece que foi a gente que fez. Ao mesmo tempo, rola também de a gente receber alguma coisa e ser obrigado a parar para analisar com calma, lapidar, colocar no papel, escrever, reescrever. Na pandemia foi bom ter esse tempo pra focar no refazer. Mas faz muita falta o contato com a plateia, a inspiração da estrada, da jornada. Eu preciso fazer um grande esforço no meu quarto ou no estúdio pra fazer daquilo o mundo inteiro, expandir para algo além de mim. Mas respondendo à sua pergunta: sim, a criação é algo, que quando surge, é como uma luz, nós mesmos nos surpreendemos. Uma coisa que aprendi com Cesar Mendes: quando faço uma música, sempre deixo vir, surgir. E um ensinamento de Marisa é não julgar. Saia escrevendo, anotando tudo. Depois você pensa se é bom, ruim, se é pra você ou pra outra pessoa.

Bonito isso de não julgar o que vem.

Sim, tem que ser. O estado embrionário às vezes já está pronto, e a gente não sabe. As outras consciências acabam recebendo e reinterpretando como o coração pede. E é quando me sinto mais conectado com o que chamamos de divino.

Quando é que Marisa Monte deixou de ser só amiga do seu pai para ser sua parceira musical? Quando você teve coragem — acho eu que precisa de coragem — para chegar na Marisa e falar “tenho umas letras”?

Rapaz, é preciso coragem, sim. Mas surpreendentemente ela é muito espontânea e democrática na criação, de modo que eu sempre estive ali ao redor, durante a criação das canções dos Tribalistas, vendo Arnaldo, ela e meu pai criarem, olhando e aprendendo. Sempre fiquei observando, quietinho, mas às vezes vinham ideias, e eu acabava dando opiniões ou criando um verso. Às vezes meu pai me convidava para a casa de Marisa, e numa dessa nasceu nossa primeira parceria, em 2016. Levou um tempo até o negócio crescer e ficar sério, tomar essa magnitude. Foi um processo de anos, de entender a intimidade que tínhamos, de compreender a importância que ela dá ao processo pessoal, e como tem que ser uma coisa espontânea, inevitável, que foge do controle. Não sou eu que vou mostrar a ela nem ela vai me pedir algo, a coisa vai acontecer de forma espontânea e no momento que tiver que ser.

Fico querendo ser uma mosquinha nessas horas, porque devem ser maravilhosas essas reuniões.

Imagine! Eu me sinto uma mosquinha também ali.

Você já não é mais, nem de longe, uma mosquinha musicalmente.

Mas a sensação é meio por aí mesmo, porque a gente se sente tão criança diante daquilo tudo. Desde muito novo vejo o repertório crescer, e cresci junto daquilo. Na época dessa primeira composição, em 2016, Marisa foi visitar meu pai. Eu estava lá tocando violão, quietinho. Marisa ouviu e comentou que aquela melodia “tinha assunto” e começou a cantarolar “eu não tenho medo do amanhã”. Depois desse verso, parece que mudou o universo da música, porque afinal Marisa tinha dado um pitaco, uau! No mesmo dia a gente terminou de escrever a música toda. Também tem isso de escrever sem pretensão. Não tem essa de “ah, a parceria com a ou b”. A gente cria na intimidade, por prazer e amor à música e à arte. E, às vezes, dessa criação sai alguma coisa que vira um produto. Espontaneamente vai florescendo porque você vai regando. Voltei a encontrar Marisa na casa de Cezinha Mendes, um tempo depois, e fui mostrando minhas composições a ela, criando nela esse interesse pelo meu repertório e rascunhos.

Você tem muitos rascunhos na gaveta? Ou é daqueles que preferem sempre finalizar uma ideia?

Eu vou deixando na gaveta. Nesse sentido, a pandemia foi uma bênção, porque às vezes sou muito de fazer de primeira, mas, quando não vem, a gente deixa ali nos arquivos do PC e do celular. Vai deixando, esquece, ainda bem que tem parceiro para lembrar. Agora na pandemia, parei pra ouvir coisas às quais, se não tivesse tido este tempo, talvez não tivesse voltado. Como estou pensando no repertório do meu primeiro disco, estou usando este tempo a meu favor. Às vezes, vejo uma e penso “caramba, esta parece uma versão mais madura desta outra”, “esta aqui poderia ser um cartão de visita legal”, "não, esta vou guardar pra fazer uma coisa mais subversiva". Então, tem esse planejamento de carreira, artisticamente falando, de visitar e revisitar o repertório. A composição é uma máquina do tempo. Então, quando você volta com um olhar mais maduro, com mais preparo harmônico e melódico para terminar uma ideia, vai perceber que aquela música começou há mais de cinco anos.

Você tem uma das maiores heranças genético-musicais do Brasil. Tem receio da expectativa que recai sobre você?

Não, eu não tenho medo do amanhã. Nem quero saber. Não deixo (a expectativa) sobrepujar a preocupação com a arte, com o que tenho a dizer como indivíduo. Com a tecnologia e a internet, pude alcançar cantos e discografias às que pessoas da geração do meu pai e do meu avô não tiveram acesso. Inevitavelmente, (minha arte) vai ter algum link com a obra de meu pai e do meu avô, tem coisas que gosto muito deles e posso incorporar. É uma coisa de você saber lidar artisticamente. Mas na hora de compor, o que vem é a música, não é a expectativa. Criar sem julgar é sobre isso também.

Com o avô, Chico Buarque. Reprodução redes sociais

A gente estava falando de Marisa Monte, dessa herança musical… Você saiu na capa do Segundo Caderno do jornal “O Globo” com uma linda foto do fotógrafo Leo Aversa, e li ali que uma das pessoas mais importantes da sua vida é a sua avó Marieta, outro grande ícone da arte. Quando você se apropria do seu lado feminino?

Acho que não há uma grande distinção entre o lado masculino e feminino na minha criação, não acho que haja uma distinção baseada no contexto do entorno… É uma coisa só. Eu sou influenciado tanto pela minha família materna quanto pela paterna. Fico só quietinho escutando todas elas. Mas sou tímido mesmo, sou uma pessoa que escuta bastante, estou ali como observador. Acho que é um pouco por aí, na hora de me inspirar, me colocar no lugar de outras pessoas e evitar exercer a masculinidade tóxica que a gente vê no Brasil e no mundo. Sou uma coisa só, um ser humano preocupado em fazer diferença pra melhor.

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