Ações do gigante sueco caem mais de 65% este ano, por desempenho fraco de podcasts e crise de imagem
De São Paulo
Num mercado mundial castigado por altas inflacionárias em praticamente todos os setores, executivos da indústria, analistas e concorrentes no streaming esperam que o Spotify aumente seus preços de assinaturas a qualquer momento. O gigante sueco, líder mundial em assinantes, com mais de 182 milhões de pagantes, resiste a fazê-lo, no entanto. A razão, segundo analistas, é precisamente a dura competição entre as plataformas, que disputam clientes praticamente centavo a centavo nos pacotes de serviços que oferecem.
Rob Stringer, CEO do grupo Sony Music, é um dos que advogam abertamente por um aumento dos valores cobrados dos assinantes, sobretudo em mercados de países desenvolvidos. Vale lembrar que, nos últimos meses, o Spotify subiu os preços em Brasil e Argentina, alegando correções cambiais, e também na Suécia. Por aqui, o reajuste foi em meados de 2021 — o plano premium individual saltou 18%, de R$ 16,90 para R$ 19,90, o premium duo foi de R$ 21,90 para R$ 24,90 (alta de 14%), e o plano família subiu 30%, de R$ 26,90 para R$ 34,90 por mês. Na maioria dos países ricos, porém, está há anos congelada a tarifa "pétrea", que varia de acordo com a moeda do lugar, mas que tem sempre o valor de 9,99: US$ 9,99, € 9,99, £ 9,99.
Para Stringer e outros representantes da indústria, maiores valores poderiam se reverter também em melhores ganhos para os titulares de direitos autorais. "Pensamos que há margem para subir (o preço)", disse o executivo num evento para investidores há alguns dias, registrado pelo portal Music Business Worldwide. Mesma linha seguiu Eric Levin, diretor financeiro global do Warner Music Group, também dirigindo-se a investidores:
"Continuamos a encorajar (Spotify e outras plataformas) a olhar para a política de (aumentos de) preços como uma oportunidade de melhorar o negócio do streaming."
De acordo com especialistas do Citi que elaboraram há alguns meses um relatório sobre o desempenho de mercado do Spotify, a concorrência também está atenta aos movimentos de reajustes precisamente para decidir seus próximos passos. Com uma política agressiva de preços, a Amazon, por exemplo, vem tentando comer uma boa fatia dos assinantes dos suecos ao oferecer pacotes multisserviços. Só no Brasil, para se ter uma ideia, por R$ 14,90 o assinante dispõe da Amazon Prime (séries, filmes), da Amazon Music (streaming musical) e de entrega grátis de pedidos de produtos comprados pelo portal Amazon.
"É praticamente impossível competir com eles. O Spotify aposta em lançamentos premium e ações casadas com artistas, além dos podcasts, um lance que o mercado vê com ceticismo. Já a Amazon tem por trás o peso de ser um dos maiores conglomerados de varejo do mundo, com dinheiro suficiente para subsidiar o streaming a preços baixíssimos para o assinante, entregando mil serviços ao mesmo tempo por valores módicos", disse à UBC uma analista de mercado oriunda do Spotify, e que crê que a maior plataforma está à beira de uma crise profunda que pode ameaçar a continuidade do seu negócio.
Alguns, inclusive, pensariam que essa crise apocalíptica já está instalada. Nos últimos 12 meses, a queda no valor das ações do Spotify negociadas em Nasdaq já passa de 65%. Desde o pico da valorização, em janeiro 2021, como mostramos na época aqui no site da UBC, o tombo é ainda maior. Cada ação, naquele momento, valia US$ 353,11, e o valor de mercado total da companhia rondava os US$ 67 bilhões. Nesta quinta-feira (30), a ação fechou a US$ 93,83, coisa de 74% menos, e o valor de mercado atual estaria em torno de US$ 17,8 bilhões.
O mesmo relatório do Citi já mencionado atribui, em parte, aos vultosos investimentos na aquisição de plataformas de podcasts a desconfiança do mercado sobre a capacidade de solvência da empresa sueca.
"O ritmo de aquisição de novas assinaturas premium e de novos downloads (do app do Spotify) não teve nenhum benefício material dos últimos investimentos em podcasts", diz um trecho do documento, que vaticina novas quedas no valor dos papéis: "O mercado deve reavaliar o valor intrínseco (do Spotify), que continua altamente dependente do negócio de streaming musical."
Mas essa não é a única razão da fuga de investidores. Em janeiro passado, uma forte crise de imagem afetou o Spotify. O podcast de Joe Rogan, um dos mais populares da plataforma, foi acusado de espalhar teorias conspiratórias e informações falsas sobre a pandemia de Covid-19. Artistas como Neil Young, em represália, ameaçaram retirar seu catálogo, caso a plataforma não interviesse, eliminando o episódio em questão e/ou se posicionando sobre o tema. A empresa fez ambas as coisas, mas o estrago já estava feito: desde então, o valor das ações vem mantendo um ritmo de queda consistente.
Enquanto isso, bons números reais
Alheio ao mau humor dos investidores, o Spotify publicou no final de abril seu balanço do primeiro trimestre de 2022, com resultados "acima do esperado" em diversos mercados, inclusive latino-americanos como Brasil e México. O lucro líquido global foi de € 131 milhões (quase seis vezes os € 23 milhões do mesmo período de 2021), o número de usuários mensais (422 milhões, em média) foi 19% maior que no ano anterior, e os 182 milhões de assinantes premium foram 15% mais. Se toda essa chuva de bons números reais de desempenho será capaz de dissipar as nuvens que os investidores do mercado financeiro puseram sobre a empresa líder e referência para as demais, os próximos meses dirão.
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