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Projeto leva música e esperança a jovens em conflito com a lei no Rio
Publicado em 11/08/2022

Criado pelo produtor Mathiolo Caminha, o ADT — Arte De Transformar/Ainda Dá Tempo já descobre talentos

Do Rio

A cantora e compositora Indy, que está gravando 6 das 11 músicas que compôs: "sei que vai dar certo". Foto: RNT

"Eu tenho que controlar minha maldição. Não importa o lugar, não importa a situação. Eu preciso aprender a esconder esse ódio no coração porque isso vira contra mim e me leva direto pro caixão." Os versos de A., 16 anos, são tão crus e duros como a vida que ela vinha levando. Sem perspectivas, se envolveu com "coisa errada" e terminou internada há um ano numa unidade do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas), no Rio. Antes perdida, descobriu sua vocação para o rap, acumula quase dez músicas compostas — "quero chegar a 300" — e já vê uma porta de saída de uma realidade que, em todo o país, tritura jovens como ela.

A. é uma das dezenas de adolescentes participantes do projeto ADT — Arte De Transformar/Ainda Dá Tempo —, criado ano passado pelo produtor Mathiolo Caminha para levar arte, educação, conscientização e esperança a jovens em conflito com a lei do Degase. Gerido pelo idealizador Mathiolo e pelos correalizadores, os cantores e compositores Knust e MZ, o ADT foi recentemente encampado pelo órgão ligado à Secretaria de Educação do Estado do Rio e já vem revelando joias da música onde antes se viam meninos e meninas internados após cometer delitos.

Gente como TW, rapper que recentemente completou 18 anos e finalmente consegue vislumbrar a possibilidade de uma carreira musical. Já tem 120 canções criadas, mas achava que esse sonho não era para ele.

"Sem o projeto, eu não estaria com essa mentalidade que eu tenho hoje, simplesmente. Coloquei a cabeça no lugar e quero seguir adiante na música", ele diz. 

Indy, uma jovem compositora de 18 anos de enorme versatilidade, já se arrisca em gêneros como R&B, low-fi, drill, funk e até sertanejo. Ela ganhou a liberdade recentemente e, esta semana, entrou pela primeira vez num estúdio profissional, a Casa do Mato, na Gávea, Rio de Janeiro. Está gravando ali seis das 11 músicas que já acumula:

"Sempre escrevi coisas, desde que era novinha. Mas tinha complexo, achava que não era bom o que eu fazia. Minha família sempre apoiou, dizia que eu tenho talento. O projeto foi muito importante para me ajudar a sentir segura. Agora sei que vai dar certo. Sei que tenho potencial."

O resgate da autoestima é, de fato, um ponto que une todas essas histórias. "Quando entrei aqui, pensava 'não sou boa em nada'. Enquanto o ADT estiver aqui (na unidade do Degase onde está internada), vou ter forças para aguentar", resume A, que ainda está internada e tem nas sessões semanais do projeto um grande alento para um dia a dia no qual, como descreve, sente falta "de ter liberdade".

Além de aulas de composição, gravação de voz e produção musical, Mathiolo e seus parceiros, ao lado de de tutores e mentores oriundos do mercado profissional, abordam temas como a diferença entre obra e fonograma, direitos autorais, distribuição geral e outros aspectos da gestão de música que nem sempre estão na órbita de quem cria. Cada programa completo tem dez aulas. Aos poucos, diferentes unidades do Degase/RJ serão contempladas. 

"Um centro de internação de menores vira um polo de arte e criação. Um lugar pode nos influenciar, mas a gente influencia muito mais o lugar", define Mathiolo. 

Ele teve a ideia de um projeto tão ambicioso como o ADT — Arte De Transformar/Ainda Dá Tempo depois de receber um convite para falar sobre música a jovens numa das unidades do Degase. "Vivenciando o mercado da música, eu via vários talentos chegando da periferia, e gente mal-intencionada se aproveitando da vulnerabilidade deles, impondo contratos abusivos. Por isso, um dos primeiros assuntos que considerei abordar foi sobre direito autoral e temas assim. Pensei: “Irei precisar de mais de um dia para explicar sobre isso. Senão, não haverá transformação. Assim, comecei a idealizar o ADT."

Foi então que ele convidou Knust e MZ. Voltaram ao centro e fecharam um pacote de 10 visitas: 

"A gente também aprende muito com eles. Não é passar a mão na cabeça. Eles têm que reconhecer que erraram, mas também precisam saber que dá tempo de mudar e que tem quem acredite neles. O projeto ainda é piloto, estamos desenvolvendo. Estamos encontrando pessoas que agregam e ajudam a expandir, tudo ainda é 100% voluntário."

Um time de craques da produção está envolvido nas gravações e no desenvolvimento inicial das carreiras de alguns dos jovens — além de A., Indy e TW, também Dafé, Roberto e 70 estão gravando. DJ Saci, Ronaldo Lima, Daniel Knust, MZ, Os Beatmakers, Chris Beats ZN, Nobru Oriente, DJ Grego, CMK, Gabriel Maré e Erik Valentim são os produtores. 

O projeto agora começa a buscar patrocínios para poder se expandir, inclusive para áreas além dos centros socioeducativos, onde jovens precisam de um empurrão para acreditar em si mesmos. "Mesmo em lugares menos favorecidos, quando a gente quer, a gente transforma", resume Mathiolo.

Para os meninos, a transformação definitivamente já começou. 

TW durante uma gravação: "daqui a dez anos, espero ter transformado a vida da minha família". Foto: RNT

"Quero continuar a fazer isso, me encontrei. Gostaria de fazer parceria com o Lucas A.R.T.", diz A., citando o criador do 7 Minutoz, primeiro canal de "rap nerd" do YouTube, como se define, com mais de 12 milhões de inscritos e quase 4 bilhões de visualizações dos seus vídeos. 

TW também sabe com quem quer compor raps e funks futuramente: 

"L7 e MC Lipe são duas inspirações para mim. Daqui a dez anos, quero estar tranquilo, espero ter transformado a vida da minha família toda."

Indy — que sonha em compor com Gloria Groove e Ludmilla — também cita a família. Como tantos jovens em recuperação, sonha em virar a chave, deixar para trás definitivamente o passado complicado, ser motivo de orgulho para os pais. 

"Estar internada num centro é uma experiência para a vida toda. Eu já tinha o apoio da minha família, mas agora tenho a certeza de que o caminho da música é para mim. Aprendi muito, trabalhei, tive a sorte de encontrar um programa como o ADT... Não tenho palavras para dizer como foi importante. A vida é feita de fases. A gente tem que acreditar que uma hora vai dar certo, uma hora vai melhorar. Para mim, está começando."

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