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Carlinhos Brown: herança multicultural e criatividade ancestral
Publicado em 25/08/2022

No ano em que fez teste de DNA que revelou surpresas, artista ganha medalha que remete à sua própria história

Do Rio

O cantor e compositor durante a homenagem no IAB. Foto: reprodução

 

Carlinhos Brown decidiu que 2022, ano em que completa seis décadas de vida, seria dedicado à sua ancestralidade. Em fevereiro, ele fez pela primeira um teste de DNA — e não o fez só; levou os pais, Madalena e Renato Freitas, e os filhos, Clara Buarque e Chico Brown, consigo para uma intensa viagem ao passado. O resultado revelou raízes potentes na África e na Europa, mas também um lado indígena (das Américas Central e do Sul) que Carlinhos ignorava. Daqui a três meses, quando chegar à marca dos 60 anos, o fará com uma perspectiva bastante nova sobre de onde vem e para onde vai. Uma perspectiva que ele relembrou semana passada, enquanto recebia a Medalha Luiz Gama, dada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) a personalidades que defendem os direitos humanos. 

"Eu sou filho de Renato Teixeira de Freitas e Madalena Gonçalves dos Santos. E neto de Leonardo Teixeira de Freitas, (homem negro) que sai do Rio de Janeiro e se casa com uma portuguesa cigana, Gertrudes, e nasce o meu pai. E daquela mistura boa toda nasce algo que condiz com o que todos nós somos como brasileiros", disse, citando a união de culturas e aludindo ao ramo da família do pai que passa por Augusto Teixeira de Freitas, seu trisavô, conhecido advogado e jurista do século XIX, autor de uma consolidação de leis e do esboço do Código Civil do Império Brasileiro e ex-presidente do IAB. 

O que nem todo mundo sabe, e que Carlinhos descobriu nas pesquisas em que se debruçou para entender suas origens, é que o jurista era também músico. Tocava violão e compunha. "A referência que eu tenho do Teixeira de Freitas é a das suas cordas", resumiu. 

A "batucada", como ele descreveu, vem pela ancestralidade dominante africana, passando pelo seu recém-compreendido lado indígena. O lirismo da cultura cigana da avó, a potência dos tambores do Oeste e do Norte da África que respondem pela maior parte da herança genética da mãe: decifrar toda essa mistura no seu sangue e em sua alma o fez entender o que chama de memória ancestral da música. Ela estaria na origem das tantas diferenças entre, por exemplo, o seu som e aquele que seu filho Chico Brown faz.

"É importante que os homens respeitem as suas vocações e que deem margem para elas crescerem, porque são nelas que está a ancestralidade. Ninguém é fruto de uma invenção, você é fruto de tudo que já aconteceu, de um passado. Meus filhos são frutos do meu passado e do passado dos meus. Só que eles terminam tendo uma nova consciência", afirmou Carlinhos ao portal UOL, onde comentou os resultados do teste de DNA. 

No discurso ao IAB, falou sobre as mudanças que uma mesma família pode ir sofrendo ao longo de gerações, remetendo a um tema caro em sua vida e sua obra: as diferenças sociais do nosso país e a necessidade de lutar continuamente para atenuá-las.

"Nasci numa família que estava abaixo da linha da pobreza. Mas como podia uma família com ancestrais nobres estar nessa situação? Passamos por coisas que tantas famílias com histórias semelhantes à da minha vivem neste país. Não tive oportunidade de seguir nos estudos, mas encontrei grandes professores pelo meu caminho. Me identifiquei com uma visão não do marginal, do pobre, mas (com) a de alguém que busca algo. As cordas do violão de Teixeira de Freitas continuam em mim."

Outro membro da família, Zeca Freitas, é fonte de grande inspiração para Carlinhos.

"Foi um líder, uma pessoa que teve uma sensibilidade de se conectar com a cultura dos terreiros, que eram tão perseguidos pela polícia. A cultura baiana de então era muito envolvida por um pseudoelitismo (branco). Ele fez uma aproximação social, organizava o festival de música instrumental que abriu os ouvidos para esses sons e essas questões", relembrou.

Ao receber a medalha Luiz Gama — cujo nome homenageia um baiano escravizado e liberto do século XIX, autodidata em Direito e que ajudou a alforriar mais de mil escravos nos tribunais —, Carlinhos fecha um ciclo. É que seu avô, Teixeira de Freitas — cujos registros dão fé de que era antiescravista — renunciou à presidência do IAB durante um controverso debate sobre o tema e cedeu o poder. Já o pai de Carlinhos recusou medalhas e honrarias. A família toda é, como ele descreveu, "uma família de ativistas" que não busca os holofotes. Estrela internacional, artista reverenciado, colaborador de grandes astros da nossa música, admirado e amado pelos brasileiros, Carlinhos Brown humildemente se somou à sua ancestralidade:

"Tudo que eu busco na vida, sobretudo na ação social, não tem nenhum mérito, porque não há mérito em colaborar com o ser humano", ele disse, dando o crédito sobre sua ação social a outros: "Esta medalha é para o pessoal do Candeal e a todos os seus descendentes e afrodescendentes", finalizou.

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