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7 passos para engrenar uma carreira musical no exterior
Publicado em 06/12/2022

Três artistas associados e um produtor cultural brasileiro radicados na Europa compartilham experiências

De Madri

Letícia Malvares, compositora e musicista carioca radicada em Madri. Foto: Andrea Roldan

O Brasil experimenta nos últimos anos o maior êxodo da sua história. Só entre 2012 e 2021, o número de cidadãos do nosso país vivendo no exterior saltou 122%, de 1,9 milhão para 4,2 milhões, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores. Entre eles, claro, há muitos músicos, compositores, intérpretes e outros profissionais da música. Se levarmos em conta que também vem crescendo o total dos que saem e não voltam — percentual que chegou a 16,6% ano passado, segundo a Polícia Federal —, é fácil entender que centenas de milhares de brasileiros querem mais é se fixar nos seus países de acolhida. Mas como conseguir engrenar uma carreira num mercado novo e sem referências? (Sobretudo se essa carreira é no duro meio musical). 

Embora não haja uma fórmula única e certa, três associados da UBC radicados em dois dos países europeus com mais cidadãos brasileiros nos deram dicas que permitem elaborar 7 passos práticos. 

Um desses associados é o cantor e compositor paulista Leo Bianchini, membro da banda 5 a Seco e há três anos vivendo entre Lisboa e Porto, em Portugal (276,2 mil brasileiros registrados, segundo o Itamaraty, número que não abarca os milhares que têm passaporte europeu e vivem por lá como cidadãos desses países). Outra é a carioca Letícia Malvares, compositora e flautista, que mora desde 2015 em Madri, capital da Espanha (156,4 mil brasileiros, fora os também milhares que se encontram na mesma situação mencionada acima). A terceira é a niteroiense-paulistana Bárbara Eugenia, cantora, compositora e trilheira que está há alguns meses tentando desbravar a cena de Lisboa. 

A eles se juntou Francisco Carvalho, produtor cultural com atuação nos dois países e um olhar mais panorâmico sobre as dificuldades de inserção e construção de carreira numa terra estrangeira. 

“Não tem um só dia em que você não seja lembrado, de alguma maneira, que é um imigrante. Esse assunto atravessa a minha vida, só quem é imigrante sabe”, afirmou Letícia, que compôs uma suíte toda dedicada ao assunto, a “Suite Imigrante”, executada quase inteiramente por mulheres e premiada no edital internacional Ibermúsicas, de que ela participou. 

Inscrever-se em editais, aliás, é uma das dicas deles, sobretudo se você não tem tantas conexões no mercado onde quer se estabelecer. Confira o passo a passo a partir das visões de quem está pavimentando seu próprio caminho: 

1 – Comece um trabalho de construção de conexões antes mesmo de viajar

“Já venho tocando aqui há bastante tempo, muito antes de pensar em vir morar. A primeira vez foi em 2014. Depois, voltei em 2015, 2016, 2018... E claro, você vai conhecendo pessoas, construindo uma rede de conexões no lugar. No início de 2020, eu me sentia pronta para vir de vez para Lisboa. Aí veio a pandemia, e tive que adiar o plano. Mas ano passado, antes mesmo de me instalar definitivamente, gravei um disco aqui graças a esses contatos. O músico português Noiserv, que ia só emprestar o estúdio, entrou no projeto e gravou em todas as músicas. Tem brinquedinhos, tecladinhos, sininhos, piano de brinquedo... tem muita coisa legal. Então, foi uma primeira incursão maravilhosa graças a esses contatos que fui fazendo antes”, conta Bárbara. 

“Quando vim com o 5 a Seco, em 2018, já comecei a fazer contatos. Conhecemos artistas como o Tiago Nacarato (estrela da música portuguesa revelada na versão local do The Voice). Quando eu voltei, o procurei. Também acabei cruzando com nomes brasileiros que já estão sedimentados aqui, como o Domenico Lancellotti, Pierre Aderne... Além de outros portugueses, tipo Janeiro, Dino D'Santiago ou Beatriz Pessoa. Não tem jeito: se você quiser que o mercado local te abra portas, precisa se conectar com quem já está nele”, afirma Leo. 

Leo Bianchini: conexões locais e contatos com gestores culturais. Foto: Laura Sobral

2 – Não se feche na comunidade brasileira

Este passo é, na verdade, um complemento do anterior. Quando uma pessoa sai do próprio país, é natural que busque se refugiar entre os seus. É um erro, se a ideia é alçar voos maiores. 

“A minha percepção e a minha vivência sobre ser música brasileira aqui em Madri: a música brasileira está metida num gueto. Até há mercado, mas é pequeno. Eu acho que tenho conseguido me manter porque fui além. Toco flamenco, desde que vivia no Brasil, e isso foi um grande diferencial. Não estou só na caixinha da música brasileira (Letícia faz shows concorridos de choro e outros gêneros nacionais), me permiti uma liberdade de transitar. A 'Suíte Imigrante' reflete isso: não é jazz nem flamenco nem música brasileira só. É tudo junto, bebendo na fonte de Hermeto Paschoal, nos cânones da música universal, o que a torna difícil de se colocar numa só caixinha. E isso é ótimo. Mostrar-se versátil é o caminho”, ensina Letícia. “Paco de Lucía (icônico violonista do flamenco) disse uma vez que, para uma banda funcionar, tem que ter um brasileiro (risos). Toco em tablaos de flamenco aqui, e sempre tem o momento em que me apresentam como brasileira, me dão destaque. Isso é muito legal.”

O produtor cultural Francisco Carvalho, que já produziu em Madri shows de nomes tão variados como Roberta Sá, Tulipa Ruiz, 5 a Seco, Duda Beat, Rael, Filipe Catto, Tiê e Letrux, entre outros, corrobora:

“É fundamental se abrir à cultura local. Noto isso quando trago artistas do Brasil que cantam algo em espanhol ou fazem alguma referência à cultura daqui. A recepção do público é outra. A (popstar espanhola) Rosalía, quando foi ao Brasil, cantou e falou em português. As pessoas a receberam de braços abertos. Espanha e Brasil, talvez, tenham gêneros musicais que não dialogam tantíssimo como ocorre com Portugal. É preciso ser mais insistente num mercado que não tem o português como língua nativa. Mas é possível, eu vejo acontecer. A Letícia (Malvares) é um exemplo.”

3 – Seja artista. Mas também seja público 

“O que eu mais tenho feito é ir aos lugares. Ir aos shows, aos clubes, festivais... Não só para fazer contato. Também para me empapar do que está rolando aqui, sacar como funciona o mercado, como são as relações entre as pessoas. Porque, apesar de eu já conhecer bastante gente, são bem mais brasileiros que portugueses. E não abro mão de me conectar com a galera daqui. Nos shows, você descobre coisas novas, que abrem a sua cabeça de várias formas”, diz Bárbara. 

“Manda mensagem no Instagram, vai aos shows, tenta conviver de maneira natural e harmoniosa até o ponto de ser incluído nesse tecido social. Sempre rolam encontros, tertúlias de violão, onde vai rolar a oportunidade de colaborar e se mostrar. É um mercado que não tem regra, seja aqui, seja em qualquer lugar. Não é como uma empresa, em que há uma hierarquia, e você vai subindo. Nesse meio (musical), você lida com artistas, com ego... Os mercados são fechados, e as cartas são marcadas. Mas, em contrapartida, pelo menos aqui em Portugal existe um mercado acostumado a consumir cultura brasileira desde sempre, não é de agora. Natiruts é um fenômeno aqui. Nem precisa ser o Caetano (Veloso) ou o Chico (Buarque)”, completa Leo.

Bárbara Eugenia: primeiros e sólidos passos em Portugal. Foto: Daryan Dornelles

4 – Esteja sempre de olho em editais

Letícia ficou atenta aos prazos e regras do Ibermúsicas, um programa de cooperação e financiamento de projetos musicais de países da Península Ibérica e da América Latina. Foi premiada e teve a gravação da sua “Suíte Imigrante” financiada, além de apresentações asseguradas. Isto lhe trouxe visibilidade para um projeto que envolveu quase que exclusivamente mulheres, imigrantes como ela. “Sempre tive esse olhar sobre os editais, porque são uma fonte importantíssima, fundamental, de fomento à cultura. No Brasil, fiz projeto Pixinguinha, Natura Musical, emplaquei projetos através da Lei Rouanet... Tudo isso deu uma diminuída muito grande nos últimos anos. Aliás, sobre a Rouanet, os que a criticam claramente não entendem nada dela, em absoluto. Não sabem o quão difícil é captar, prestar conta. É uma lei fundamental, e o uso que se faz dela é predominantemente correto”, defende Letícia. 

Em Portugal, segundo Leo, a coisa é um pouco diferente da Espanha: 

“Não tem muito edital. Então, as bandas vão tocar nos teatros porque as cidades são muito estruturadas: sempre tem teatro ou cineteatro, e tem muito show. É um país pequeno, mas com um circuito de casas de shows e festivais muito grande. Então, abrem-se oportunidades para se inscrever em eventos das cidades pequenas, para tocar nas câmaras municipais (equivalentes às prefeituras do Brasil). Eles pagam cachê, deslocamento, alimentação... Vale a pena.”

O produtor Francisco completa: 

“Eu percebo que, como a Espanha está muito próxima de Portugal e forma parte da Península Ibérica, muitas pessoas pensam que é parecida a recepção da música brasileira. E é bem diferente. Em Portugal as pessoas têm escuta mais atenta e aberta do que aqui. Aqui na Espanha, e me arrisco dizer que em qualquer outro país que não fale português, é preciso buscar oportunidades ativamente. Em muitos editais daqui voltados para latinos, vejo que praticamente não há brasileiros. Isso tem que mudar.”

5 – Conheça a agenda cultural e as oportunidades da cidade em que mora 

Esta dica é uma continuidade da anterior. Leo conta que teve como estratégia se aproximar dos fazedores de Cultura da cidade em que mora atualmente, perto do Porto:

“Os auditórios municipais, praticamente em qualquer cidade, têm programação. Não tanto espaço para cantautores como eu, mas aí tenho minhas vontades e me articulei com o cenário artístico local. Fiz aparições e fui me colocando no cenário da cidade. Conheci o vereador de Cultura, fiz uma reunião e apresentei um projeto, que lhe pareceu irrecusável, sobre os 200 anos da independência do Brasil. É algo que diz respeito a eles também, então consegui, de alguma forma, furar a fila. Vou fazer o show ano que vem. Foi uma articulação que eu busquei e que os fez se abrirem. É importante estar perto de quem estrutura a cultura no lugar onde você está se instalando.”

Em Madri, Letícia conta que a realidade é mais difícil. Ao ser uma cidade grande, com milhões de habitantes, aproximar-se do legislador ou do secretário de Cultura, como fez Leo, talvez não seja uma opção. Então, um músico que quer se radicar na capital espanhola certamente precisará estar aberto a atividades que vão além da própria criação e da performance: 

“Em Madri há dificuldade de encontrar lugares para tocar. Todos estamos tocando em bares, botecos. Não tem um montão de teatros nem de editais. Acho que é ingrato nesse sentido. Mas a vida de músico não é só de show, também pode dar aula, por exemplo. Conheço muita gente dando aula para criança. Não é um tipo de atividade, na minha opinião, que vai te realizar artisticamente. Mas pode te manter. Como não há tanta presença de música brasileira fora do gueto, percebo que há dificuldade de se encontrar alguns tipos de músicos, o que pode ser uma oportunidade para esses profissionais que quiserem se instalar aqui. Em Madri não tem sanfoneiro, a gente precisa trazer um de Málaga quando a apresentação o requer. Outra opção, se você, como eu, se aproximar do flamenco, são os tablaos, os lugares onde há apresentações do gênero. O passe (hora) é bem baixo, são € 30. Mas, se tocar vários dias, talvez dê para tirar algum dinheiro.”

6 – Participe de festivais

Em qualquer país da Europa, o verão é a temporada oficial dos festivais. São tantos que as chances de conseguir participar de algum ou alguns deles é alta. Só que é preciso ter um nível de planejamento ao qual muitos artistas musicais do Brasil não estão habituados.

“Circuito dos festivais aqui é enorme. Festival de verão é uma fase bizarra, com mil coisas, mas o desenho disso começa muito antes. No mínimo, seis meses. Você está sempre prospectando o show do ano seguinte. O tempo das coisas é outro. Então, recomendo planejamento e antecipação. Adapte o seu giro para entrar no timing daqui. Aqui não tem o recesso de fim de ano, de Natal. É no meio do ano que tudo para. Em julho e agosto, você nem recebe resposta, estão todos viajando ou já com os festivais rolando. Tem que se preparar no fim do ano anterior, andar conforme a música daqui. Novembro e dezembro são a data para tentar um festival. Eu estou correndo agora mesmo com vídeos novos e material para mandar. Em julho e agosto de 2023 quero estar em algum ou alguns deles!”, planeja Leo.

O produtor Francisco Carvalho em Madri. Foto: arquivo pessoal

7 – Não despreze rádios e agentes de divulgação locais

Todos os nossos artistas, além do produtor Francisco, recomendam conhecer os sites, blogs e grandes meios de comunicação que divulgam música e podem estar atentos a novidades vindas de brasileiros. Isso inclui especialmente as rádios. 

“Na Europa tem muito programa com curadoria. Fico surpreso. Nas produções que eu fiz, tem gente que chega e diz que escutou a música do artista na rádio local. Letrux sincronizou música na série espanhola 'Elite', foi um grande sucesso. E tocava nas rádios. Algumas pessoas foram ao show porque ouviram pela rádio que ia rolar. Qualquer forma de exposição é muito interessante. Recomendo mandar o trabalho para jornalistas, curadores. O trabalho realizado pela Rádio 3, de Madri, e pela rádio online Gladys Palmera é sensacional. Muito atentos ao que vem do Brasil”, analisa Francisco.

“Ano que lanço um disco. Então, estamos esperando para começar a fazer o trabalho de divulgação. Claro que tentaremos rádio. Já dei entrevista para rádio aqui uma vez. Foi com Tatá Aeroplano, quando viemos fazer show. Os radialistas daqui têm muito interesse nos novos sons brasileiros. Também já tive a oportunidade de falar com jornalistas locais e senti o mesmo. Um interesse genuíno pela tua história, tua música”, descreve Bárbara. 

Leo resume o trabalho ativo de busca de visibilidade: 

“No Brasil, a gente faz um nome e se acomoda no seu ecossistema, deixa a coisa rolar no automático. Mas aqui eu tive que dar um restart na trajetória. E me sinto com mais autonomia. Agindo mais, o que me leva a inclusive compor mais. Chegarei ao Brasil com bagagem de articular, propor, viabilizar. Tem que fazer parte da sua estratégia. É importante saber aonde quer chegar. E se valorizar, se mostrar como artista. Eu acho que estou conseguindo. Me enxergam como artista de MPB. Estou nos primeiros passos, mas acho que a coisa vai fluindo bem.”

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