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Volta do 'Canecão' é celebrada por artistas e empresários musicais
Publicado em 10/02/2023

Fernanda Abreu, Sandra de Sá e outros comentam revitalização da área agora abandonada da UFRJ, prevista para ser reinaugurada em 2025

Do Rio

Imagem do projeto do 'novo Canecão': espaço multiuso para shows, exposição, teatro e mais. Divulgação/UFRJ

Uma semana depois do leilão que selou o destino da área abandonada onde, por décadas, funcionou a mítica casa de shows Canecão, no Rio de Janeiro, a classe artística se divide entre a celebração e as memórias afetivas. Em conversas com a UBC, artistas como Fernanda Abreu e Sandra de Sá, além de empresários musicais como José Fortes e Suzy Martins, foram unânimes em elogiar a proposta de criação de um novo e ampliado espaço cultural naquele terreno pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — e que, desde os final dos anos 1960 até seu fechamento, em 2010, foi um dos principais palcos e vitrines da música brasileira.

“Sempre foi uma marca, um símbolo da música popular brasileira. Absolutamente todo mundo queria tocar no Canecão”, resumiu a cantora e compositora Fernanda Abreu. “Nos anos 1970 e 80, o Rio ainda era o polo cultural mais importante do país: onde todos os artistas, gravadoras, produtoras de cinema estavam. Tinha um protagonismo cultural muito grande. E o Canecão era emblemático, tinha um charme especial. Era uma cervejaria, entre aspas, um lugar com mesa ao qual as pessoas chegavam, tomavam algo, viam o show, num ambiente muito descontraído e com ótima localização. Tinha som bom, palco com tamanho legal. E o line-up era único: artistas de todos os segmentos se apresentavam lá, além de revelações. Era uma casa que tinha enorme visibilidade na mídia e na indústria.”

Ela se lembra perfeitamente da primeira vez em que subiu àquele palco. Foi em 1983, como integrante da Blitz, na sequência de shows de lançamento do álbum “Radioatividade”. O grupo já estava estourado desde o single “Você Não Soube Me Amar”, lançado no ano anterior. E vinha de uma sequência de megashows em estádios de futebol país afora. Aquelas quatro semanas no palco intimista do Canecão, no final do inverno de 1983, foram inesquecíveis para Fernanda:

“Fizemos aquele mês todo, de quinta a domingo, com tudo absolutamente esgotado, filas enormes dando a volta no quarteirão. Nos impressionou muito. Depois disso, na minha carreira solo, fiz shows no Canecão de todos os meus discos, até o fechamento. E me orgulho muito de ter sido uma das primeiras artistas a colocar o funk naquele palco, com o 'MTV Ao Vivo'.”

Fernanda e Evandro Mesquita no Canecão, num dos shows da temporada de 83 no Canecão. Arquivo pessoal

Com a cantora e compositora Sandra de Sá, é quase o contrário: ela não se lembra bem do primeiro show por lá. Ou melhor, se lembra da sensação que teve, mas não recorda muitos detalhes: 

“Foi um transe, já desde o camarim. Eu nem me lembro direito daquela noite, foi uma emoção muito forte. É inexplicável o sentimento. Mas a experiência mais louca que eu tive lá não foi aquela. Foi uma noite em que eu estava fazendo um show, e, de repente, o Renato Russo pulou no palco com rosas na mão. E me deu um beijaço na boca. E um abraço. Aquela fraternidade incondicional... Que lindo!”

Anos depois, num dos últimos shows do cantor e compositor Cazuza — ou o “meu cumpádi Agenor”, como diz Sandra —, foi ela a “invasora”. 

“Cheguei de surpresa, subi ao palco e cantei com ele. Foi foda, foi lindo. Que encontros incríveis eu tive no Canecão. Aquilo era um caldeirão de coisas assim.”

O beijo: momento terno entre Renato Russo e Sandra de Sá no palco do Canecão. Arquivo pessoal

José Fortes, empresário dos Paralamas do Sucesso — uma banda cuja história é intimamente ligada ao Canecão — concorda com Sandra. O peso simbólico daquele palco era tal que Herbert Vianna o escolheu para fazer seu primeiro show após o acidente de ultraleve de 2001 que o deixou paraplégico.

“O lançamento do 'Selvagem', em 1986, já tinha sido lá. Foi só uma semana, de quarta a domingo, mas fizemos sete shows lotados. Ficou marcado na memória. O Canecão tinha uma energia especial. E tinha uma série de características que o tornavam um lugar único. A localização era excepcional, não tinha erro. E aquele enorme letreiro na porta, com letras garrafais, era garantia de sucesso. Você anunciava o show ali, e esgotava em horas ou dias. Viralizava, muito antes de esse termo sequer existir”, ri.

Embora ainda não trabalhasse com Djavan na época do lançamento do álbum “Ao Vivo”, de 1999 — que vendeu mais de dois milhões de cópias —, a empresária Suzy Martins se lembra bem do alvoroço que foi a temporada de lançamento no Canecão, em 2000.

“Foram semanas de shows. O grande sucesso era passar pelo palco do Canecão. Todo mundo que fez música naqueles áureos tempos do Canecão, de rock 'n' roll a MPB, teve alguma relação com a casa. Era icônica, o grande palco dos grandes artistas.” 

Tanto José como Fernanda estiveram entre os muitos artistas e empresários consultados pela reitoria da UFRJ antes do lançamento do projeto. Eles puderam opinar sobre o melhor formato, sobre as necessidades da cena cultural. E muitas das considerações que fizeram foram levadas em conta na hora em que se desenhou o novo Canecão. 

“Eles queriam fazer só um teatro, e dissemos que o Canecão tinha outra cara, outra proposta, com pista, mesas, um lugar para curtir a noite, tomar uma cerveja, comer uns canapés, ficar lá mais um pouco depois do show... Tenho a impressão de que essa vai ser a pegada, parecida com a proposta original”, conta Fernanda. 

De fato, o projeto vencedor do leilão, apresentado pelo consórcio Bônus-Klefer, tem planos bem ambiciosos para o lugar — em linha com o que pedia a UFRJ no edital. Além do espaço de shows e multifuncional, haverá muitas coisas mais, com previsão de inauguração em 2025. A proposta vencedora pagará R$ 4,3 milhões pelo direito de exploração da área por 30 anos — e os investimentos previstos em obras de infraestrutura e construção dos equipamentos culturais e acadêmicos para a universidade deverão passar de R$ 137 milhões.

Apesar da reconstrução quase completa do espaço — com a incorporação de novos edifícios e praças inteiras, derrubando os muros do campus da UFRJ e abrindo essa área atualmente fechada à cidade, pelo menos uma coisa será mantida: o conjunto de painéis desenhados pelo cartunista Ziraldo nas paredes do Canecão, atualmente em mau estado como todo o conjunto.

Ziraldo posa junto a um dos painéis numa fotografia de 2015. Foto: Shutterstock

Ao site da UFRJ, Luis Oscar Niemeyer, CEO da Bônus Tracker, uma das empresas vencedoras, falou sobre o escopo do projeto:

“Vamos ter salas de ensaios, salas de exposição, construção de salas de aula para a universidade, restaurante universitário (…). Vamos dar para o Rio, com essa parceria com a UFRJ, um novo equipamento cultural, (…) mais moderno, novo. A ideia não é usar o espaço apenas como espetáculos de músicas, mas para teatro e a cultura, em geral.”

A empresa dele é concessionária do Teatro XP e empresaria artistas como a banda Capital Inicial, além de produzir espetáculos como a turnê de reencontro dos Titãs, o festival Mita (Music Is The Answer), shows de Paul McCartney e dos Rolling Stones no Brasil. Ainda ao portal da UFRJ, Niemeyer disse que a previsão é de que a Bônus capitaneie a parte artística e a Klefer, a área administrativa e comercial do 'novo Canecão'. O nome, inclusive, ainda não foi totalmente decidido. Com a febre dos 'naming rights', hoje em dia, em que empresas pagam para agregar sua marca ao nome dos espaços, dificilmente o espaço se chamará simplesmente Canecão. 

“Eu adoraria que conseguissem manter o nome Canecão, é tão simbólico! Mesmo que estivesse associado a alguma marca”, torce Fernanda Abreu. 

Sandra acredita que esse peso simbólico para a vida cultural do Rio e do Brasil será mantido. 

“Espero que ainda lance e mostre muito talento, muita gente nova e incrível. Aquilo ali sempre foi um portal para geral. Tudo o que passava por lá reverberava de uma forma diferente. O próprio lugar tem uma magia, é de lá. Tenho certeza de que vai continuar.”

Imagem de projeto do futuro edifício principal do 'novo Canecão', onde se vê parte dos painéis de Ziraldo na fachada. Divulgação/UFRJ

 

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