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Music Australia, ou a música como política de Estado
Publicado em 27/03/2023

Criação de agência para promover essa arte no país da Oceania teve colaboração da sociedade de gestão coletiva APRA AMCOS; entenda como foi

Por Alessandro Soler, de Berlim

Atualizada em 23/08/2023

Kylie Minogue, uma das mais conhecidas estrelas da música australiana: agência quer revelar novos talentos. Foto: Shutterstock

O atual governo australiano decidiu transformar a música em política de Estado — num modelo com potencial para ser replicado em outros países, o Brasil entre eles. No final de janeiro de 2023, o gabinete do primeiro-ministro Anthony Albanese (Partido Trabalhista, centro-esquerda) anunciou a criação da Music Australia, uma agência pensada para transformar a música do país numa potência global. Desde um plano de ensino de composição musical nas escolas à promoção dos artistas locais em festivais e na programação de rádios e TVs, muitas ideias serão coordenadas por esse novo órgão, que se soma a um pacote milionário de investimentos do governo nas indústrias culturais e criativas. E a gestão ficará a cargo dos próprios artistas: no final de agosto de 2023, nomes do pop australiano como Gordi, Mama Kin e Fred Leone foram escolhidos para liderar o conselho de administração da Music Australia.

Como tantos gestores públicos ao redor do planeta, Albanese parece ter entendido que as artes — e a música sobre todas elas — têm uma capacidade quase inigualável de atrair admiração, respeito, influência e negócios para a nação de onde provêm. Conhecido como soft power, ou poder brando, esse ativo ocupa um lugar de destaque nos debates sobre as relações internacionais do século XXI. 

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“A população da Austrália (26 milhões) é pequena. Então, uma das melhores maneiras para aumentar as receitas de um artista é ajudá-lo a ganhar projeção internacional. Isso inclui auxiliá-lo na busca por mais palcos em festivais ao redor do globo, por exemplo”, disse o ministro das Artes, Tony Burke, ao anunciar o Music Australia.

Por trás desse ímpeto de prospecção ativa de novos públicos está a constatação de que, apesar de beneficiar-se do fato de ter o inglês — língua franca do mundo — como idioma oficial, a Austrália não ocupa um lugar na “musicosfera” mundial que corresponda ao seu potencial. Agora, através da nova agência, o governo planeja investir inicialmente 70 milhões de dólares australianos (mais de R$ 240 milhões) em projetos para, entre muitas outras medidas: 

  • Fomentar a música contemporânea e permitir que ela chegue a diferentes mídias;

  • Apoiar as casas de shows ao vivo, grandes bastiões do desenvolvimento e da promoção de novos talentos;

  • Criar uma coordenação central de acesso de bandas e artistas a esses palcos;

  • Difundir disciplinas de criação musical nas escolas, alimentando desde bem cedo o ciclo virtuoso da renovação de talentos;

  • Coletar e utilizar dados relacionados a festivais e grandes eventos musicais para pensar estratégias certeiras de difusão.

Tudo com metas pré-estabelecidas e mensuráveis. Como numa empresa de gestão eficiente. Um nível de detalhe e uma proximidade com as necessidades da indústria que só poderiam vir da direta participação dos principais interessados. Para elaborar o conjunto de políticas que a Music Australia porá em prática ou coordenará, o governo fez uma chamada pública. A sociedade de gestão coletiva do país APRA AMCOS entendeu a enorme oportunidade que isso significava e liderou os esforços. 

Depois de um discurso inspirador da sua presidente, Jenny Morris, no parlamento australiano, em 2020, a APRA AMCOS esteve à frente de uma colaboração entre 18 entidades da indústria para elaborar a proposta unificada. 

“Nossa proposta buscou revolucionar o apoio do governo à indústria musical, defendendo o desenvolvimento de um marco estratégico para investimentos de longo prazo”, descreveu à UBC, por e-mail, Dean Ormston, diretor-executivo da sociedade. “No centro do plano havia um chamado ao governo australiano para estabelecer uma nova agência de desenvolvimento musical com um orçamento anual significativo, a Music Australia.”

Deu certo. Acolhendo grandemente as reivindicações propostas pelos representantes da indústria, o governo incluiu ainda medidas de estímulo ao setor pós-Covid e outras para promover a música australiana no streaming, nas rádios e na TV do país, onde ela é minoritária. 

“A música contemporânea, historicamente, tem estado ausente das políticas de desenvolvimento cultural na Austrália. O apoio à literatura começou em 1908, seguido pela criação do Conselho para as Artes e a Comissão de Cinema da Austrália, que foi fundada nos anos 1970. Não foi até 1985 que um comitê do governo recomendou o apoio à música contemporânea, mesmo assim sem qualquer tipo de investimento ou estratégia reais”, lembra Ormston.  

Ele cita ações da APRA AMCOS levadas a cabo nos últimos 15 anos, como algumas voltadas para a música dos povos originários (aborígenes) da Austrália e a iniciativa de promoção das canções australianas no exterior Sounds Australia. Apesar de esta última ter sido criada em colaboração com o Conselho para as Artes e o governo, a maioria não teve eco entre as instituições do Estado. Portanto, a incorporação das sugestões da entidade ao plano público, agora, mostra uma mudança importante na visão estratégica do país em relação à música. 

“Precisávamos mudar a abordagem do governo com urgência. Era preciso uma nova atitude em relação à indústria musical”, lembra o diretor-executivo da sociedade australiana. “(A nova política recém-divulgada) mostra que o governo abraçou as propostas de políticas públicas da indústria musical contemporânea com seriedade.”

Alguns dos dados reunidos pelas entidades lideradas pela APRA AMCOS traduzem em números a magnitude da música contemporânea para a produção artística nacional: 

  • O setor de shows e concertos gera cerca de 16 bilhões de dólares australianos anualmente (R$ 55 bilhões);

  • A música contemporânea responde por mais de 50% das apresentações  (incluindo artes cênicas e outras manifestações de performances ao vivo);

  • Para cada dólar australiano gasto na música ao vivo, três são devolvidos à comunidade. 

“Foi vital para o sucesso da nossa proposta ter criado uma visão positiva sobre o que é possível, além de termos sido ambiciosos sobre o potencial do nosso talento musical”, raciocina Ormston. “A Austrália está numa posição única. É um país de língua inglesa que compete com duas das maiores potências da música global, o Reino Unido e os Estados Unidos, e também tem a cultura dos povos originários no coração da nossa história e criatividade, além de ser uma das sociedades mais multiculturais do mundo. O potencial futuro de exportação e colaboração com mais mercados inclui Ásia, América Latina, Oriente Médio. É uma oportunidade que não se pode desperdiçar.”

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