Com 20 anos, pernambucano que estourou com covers nas redes se lança num sólido disco quase todo autoral e cercado de medalhões
Por Bruno Albertim, do Recife
Fotos de Bob Wolfenson
Em 2019, Lucas Mamede era apenas o típico cara popular da escola. Comunicativo, carismático, juntava sempre uma galera nos intervalos das aulas ao redor de seu violão. “Eu percebi isso e falei: ‘Bora fazer um vídeo, como lembrança, porque depois do ensino médio a galera toda se separa’”, lembra João Mamede, o irmão mais velho que, mal desconfiaria, viria a ser o empresário e parceiro mais constante do caçula.
Naquele vídeo, Lucas deu sua versão ao hit “Café”. Mesmo sem ser conhecido nas redes, teve mais de mil curtidas em 24 horas – inclusive com direito a comentário do autor da canção, o cantor e compositor paulistano de hip hop, pop e R&B Vitão.
“Era mesmo só uma brincadeira”, ri Lucas.
“Demos um tempo, porque Lucas precisava se concentrar para o Enem. Mas, quando veio a pandemia, fizemos mais vídeos, entramos no TikTok. Lucas nunca foi aquele cara que se dedicava horas e horas às redes. Tinha só 1,6 mil seguidores”, lembra João.
Confirmando aquele velho ditado sobre a força que as coisas parecem ter quando precisam acontecer, o garoto arrebentou na audiência virtual e, claro, orgânica. Em poucos meses, tinha quase um milhão de seguidores e inacreditáveis 12 milhões de curtidas.
“Eu falei: ‘Pelo menos, a gente fica famosinho no Recife”, ri João. “Esse crescimento foi ficando constante e virou algo serio.”
Até que, há pouco mais de um ano, sob a concordância do irmão, Lucas resolveu se retrair.
O fruto dessa reclusão chegou há pouco às plataformas. Aos 20 anos, o recifense Lucas Mamede debuta com tratamento de gente grande no mercado fonográfico. Depois de surfar na popularidade dos covers, assina sozinho dez das doze canções de “Já Ouvir Falar de Amor?”, seu álbum de estreia, com produção geral de Felipe Simas, empresário que, entre feitos recentes, descobriu e lançou a dupla Anavitória.
Empresariado pelo irmão João, Lucas tem na figura de Simas um co-manager, produtor fonográfico, editor, produtor de shows e de relacionamento com marcas.
Simas se deixou fisgar pelo talento de Lucas Mamede justamente quando o garoto postou sua versão de “Lisboa”, sucesso da dupla Anavitória, que também ganhou a admiração das meninas.
“Eu nem estava, de fato, interessado em lançar um novo artista. Mas, quando vi o Lucas, percebi que tinha realmente algo mais ali”, comenta Simas.
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Bombando nas redes, Lucas recebeu do empresário a sugestão de dar um tempo para descobrir e trabalhar sua própria musicalidade. “O grande problema foi o que acontece com todos os novos artistas. Como é que você vai converter um artista que canta covers em um artista que faz músicas próprias? Nós temos vários casos de artistas que são grandes influencers, mas que não conseguem emplacar uma carreira com músicas próprias.”
“Não foi realmente uma decisão fácil”, lembra Lucas. “Aos 20 anos, a gente tem aquela ansiedade pra ver as coisas acontecendo. Mas tem que acreditar no projeto, na nossa música... A fama, tudo isso é passageiro. A gente tem que aproveitar para cuidar do que é verdadeiro. Fazer uma música sincera, verdadeira.”
O seu début tem produção de Alê Siqueira, dono de um Grammy Latino recente pela produção do disco “Índigo Borboleta Anil”, de Liniker, e responsável por, entre outros, o álbum clássico dos Tribalistas.
Elegante e maduro para um estreante, o disco abre com uma citação ao Quinteto Armorial, grupo pernambucano dos anos 70 famoso por fundir música erudita e tradicional, numa alusão a um “Pernambuco profundo” com delicadas referências a xote, maracatu, baião e samba.
“Quando o Lucas me pediu uma vinheta para abrir o disco, eu quis evidenciar que se trata de um disco de música brasileira com ênfase na música do Nordeste e, especialmente, na de Pernambuco. Por isso essa citação nos pífanos”, enfatiza Alê. “Isso fica meio que como um portal para quem não estiver bem avisado: não se trata apenas de mais um disco pop, teenager, mas de um que leva à sonoridade de Alceu, Gonzagão, Dominguinhos... Embora seja bastante pop.”
No respaldo à voz doce e marcadamente pernambucana de Lucas, está uma banda com quilometragens adquiridas com gente que é verbete obrigatório da MPB. Na bateria, Big Rabello (toca com Hamilton de Holanda); nos violões, Webster Santos (Zélia Duncan); na percussão, Felipe Roseno (Ney Matogrosso); nos teclados, Mari Jacintho (Anavitória), no baixo, Leomaristi (Anavitória). Todos se juntaram para gravar as bases numa única sessão.
“Eu tenho também influência do pop, do sertanejo. Mas queria mesmo um disco que tivesse mais a ver com a MPB. Tive muita sorte de parar um ano para compor, estudar e ouvir a música brasileira, desde as décadas de 40, 50 e 60 até os dias de hoje”, diz Lucas. “E, sendo tão novo, (também a sorte de) poder gravar um disco à moda antiga, de forma clássica. Podendo viver o estúdio com os músicos.”
O trabalho conta também com colaborações especiais de grifes como Jacques Morelenbaum (violoncelo), Mestrinho (sanfona), Spok (saxofone), Ricardo Herz (rabeca), Rodrigo Sestrem (pífano), Jessé Sadoc (trompete), As Ganhadeiras de Itapuã (vocais), Maestro Tiquinho (trombone de pisto e bombardino) e Jussara Lourenço, ex-integrante do Trio Ternura (vocais).
“Uma honra poder trabalhar com essas pessoas, que, quanto mais sabem, mais mostram que há sempre a aprender, que o conhecimento é infinito”, elogia Lucas.
As canções, como o título do disco, sugerem, versam sobre amor. Inclusive as que não levam a assinatura do intérprete. Ana Caetano, da dupla Anavitória, o presenteou com a inédita “Dia de Chuva”. Por sugestão de Felipe Simas, o repertório conta ainda com uma releitura de “Jardim da Fantasia”, de Paulinho Pedra Azul.
“Pra minha surpresa, ou não, Lucas se revelou um grande compositor”, elogia o produtor.
E o amor, para o artista, não virou o mote da obra de estreia por acaso:
“Eu sou canceriano e muito apaixonado”, se define Lucas. “Conheço alguém, já fico apaixonado, quero viver junto. As coisas surgiram naturalmente, aí vi que o disco de fato fala de amor, platônico ou não, ou das coisas que eu ainda quero viver”, explica o apaixonado que, muito bem acompanhado, chega marcando lugar na música popular brasileira.
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