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Arte, ciência e paixão: luthiers brasileiros conquistam seu espaço
Publicado em 08/10/2023

Neste Dia Nacional do Luthier, conheça histórias de profissionais que mantêm viva — e bem viva — uma tradição de séculos

Por Fabrício Azevedo, de Brasília

Este domingo (8) é o Dia Nacional do Luthier. Em um mundo de automação, robótica e digitalização, o trabalho artesanal e artístico de construir, reparar e restaurar instrumentos musicais de corda pode parecer anacrônico. Mas esses artistas de bastidores estão evoluindo em suas técnicas e conquistando uma clientela cada vez maior de músicos profissionais e diletantes.

Montando o quebra-cabeça

Vinte e oito pedaços de um desafio: Remontar um violão que foi do avô de um cliente. “A cara do cliente quando eu apresentei o resultado da restauração não tem preço. É um resgate da história da família”, conta o luthier Robertho Sull, um profissional especializado em instrumentos acústicos. “Eu conserto, restauro e fabrico violões, violas, bandolins, banjos e vários outros.”

Robertho Sull mostra uma de suas criações: ex-terapeuta, encontrou na luteria sua vocação. Arquivo pessoal

Natural do Rio Grande do Sul, ele se interessou por instrumentos musicais com um músico e luthier idoso da cidade.

“Eu morava do lado de uma casa de baile e comecei estudar violão clássico e erudito. O luthier começou a me ensinar, e foi uma paixão que nunca deixei”, lembra.

Ele conta que, dos 16 aos 36, tocou na noite e também trabalhou como terapeuta.

“Hoje, me dedico 100% a minha profissão e sou licenciado da Carvalho Lutheria, Gianinni e outras empresas”, orgulha-se.

Sull destaca que todo dia é um aprendizado. “Temos que desenvolver uma sensibilidade. Quando comecei, tive que ser autodidata, mas hoje há cursos, livros e a internet.”

Ele pontua também que há cursos de luthier para principiantes em várias cidades, o que desperta o interesse pela profissão. Para o profissional, a redemocratização do país na década de 1980 também ajudou a profissão. “Antes, achávamos que só instrumentos estrangeiros prestavam. Mas hoje conseguimos importar materiais com mais facilidade, trocar técnicas e mostrar a qualidade de nosso trabalho”, diz

Um instrumento de luthier tem várias características que o diferenciam.

“Há instrumentos de fábrica de alta qualidade, mas geralmente eles são feitos de laminados. Normalmente, os do Luthier são de madeira sólida. Além disso, o criador do instrumento combina as madeiras certas para chegar à sonoridade desejada. Com mil tampos numa fábrica, você faz mil violões. Um luthier escolherá só o que der a sonoridade certa para o cliente” esclarece.

Trabalho autoral

As peças chegaram todas para o luthier Rafael Oliveira. O avô, um candango original que veio construir a nova capital do Brasil, era um marceneiro experiente. O pai e a mãe cantavam e tocavam. Rafael cresceu no meio do samba, e o vizinho Oswaldo Vasconcelos tocava no famoso Clube do Choro de Brasília, despertando seu interesse pela estrutura de instrumentos. Por fim, a formação como tecnólogo lhe deu conhecimentos sobre eletrônicos e design, essenciais para construir guitarras e baixos elétricos. E um mestre juntou todas essas peças.

Rafael Oliveira: múltiplas influências e um grande mestre o ajudaram a encontrar seu caminho. Arquivo pessoal

“Em 2010, eu comecei a trabalhar na Contato, uma loja de eletrônicos grande em Brasília, e lá eu conheci Achiles Soares. O Achiles era um luthier muito conhecido na cidade, e eu o perturbei três meses para ele começar a me ensinar.”, relembra Oliveira.

Ele afirma que foi Soares quem ensinou Digão, o baixista da banda Raimundos, a afinar e cuidar dos instrumentos, além de atender a diversos músicos de todo país e até do exterior.

“Ele estudou na Inglaterra e visitou várias grandes fábricas como a Gibson e a Fender, além de ter muito contato como luthiers tradicionais na Europa”, relata.

Achiles Soares morreu em 2022, o que Rafael Oliveira e vários colegas consideraram uma grande perda para a luteria nacional.

O trabalho do luthier brasiliense é focado nos artistas.

“Minha especialidade são guitarras, violões e baixos semissólidos, muito usados em palcos. E eu não faço réplicas, uso apenas designs próprios”, salienta.

Para ele, um instrumento é um trabalho autoral e usar o desenho dos outros desvaloriza o próprio trabalho.

“Eu começo fazendo uma entrevista, uma anamnese, para saber exatamente o que ele quer. Depois disso faço um molde, o ‘gig’, e com ele faço um template em madeira e seleciono as madeiras certas para cada instrumento. Aí corto na fresa e dou o acabamento”, explica.

O hobby que virou paixão, que virou profissão

O paulista Felippe Mamud não andava satisfeito com sua vida de publicitário e estava à beira de um burn-out. Em 2017, houve cortes na empresa, e ele decidiu sair.

“Eu já tocava violão e aproveitei para fazer um curso rápido de luthier, algo por que sempre tive curiosidade. Daí não teve volta. Usei parte do dinheiro para comprar ferramentas e comecei a trabalhar com essa arte”, afirma Mamud.

Felippe Mamud: paixão do brasileiro pelo instrumento abre mercado. Arquivo pessoal

Ele diz que a cada violão aprende um pouco. “O luthier não pode ter medo de errar e de experimentar. Cada descoberta no processo de fabricação aumenta nossa habilidade”, explica.

Mamud pondera que o brasileiro toca muito violão, e isso abre muito mercado para o luthier.

“Você não precisa ser um profissional para querer um instrumento de qualidade. Depois de um certo nível, o que você encontra nas lojas não atende mais”, comenta.

Um dos seus orgulhos é saber que um instrumento que fabricou foi comprado pelo músico, pesquisador e compositor Salomão Habib. “Tenho agora o projeto de começar a produzir cavaquinhos, um instrumento de origem portuguesa mas que é muito ligado ao samba e ao choro no Brasil”, conta

Um coração de madeira pulsando na mão

O violão é para o Brasil o que o piano é para a Alemanha. Professor e compositor filiado à UBC, Salomão Habib tem uma coleção de 32 violões feitos por luthiers e destaca a importância desse instrumento no país.

“O violão é o centro da música brasileira, e cada um tem sua sonoridade, história e beleza. E nos últimos anos vejo a qualidade e a consistência dos construtores nacionais crescer muito”, comenta.

Baseado em Belém, Habib diz que tem violões de araucária, amaranto, peroba do campo e várias outras madeiras brasileiras. “Já compus com um poeta que cunhou uma frase perfeita:

‘O violão é um coração de madeira pulsando na mão da gente’”, destaca.

Salomão Habib no palco do espetacular Theatro da Paz de Belém. Divulgação

Habib diz que, quando vai compor, gosta de tocar no violão antes de escrever.

“Eu preciso que o instrumento alcance o que eu estou criando. A musicalidade vem de dentro, mas o instrumento de qualidade é o que externa isso”, ressalta.

O músico conta ainda que está produzindo um documentário sobre a luteria no Brasil e a preservação das nossas madeiras.

“É o projeto ‘Sonoridades’. Acredito que a sonoridade de nossas madeiras é um patrimônio nosso, e músicos, compositores e luthiers devem se conscientizar disso e lutar pela preservação”, conclui.

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