In-Edit Brasil estreia em SP com vasta programação e shows ao vivo; versão online tem 19 títulos disponíveis de graça na internet; confira
Por Kamille Viola, do Rio
Arrigo Barnabé em cema de 'O Homem Crocodilo', em cartaz no festival. Reprodução
Um pouco da riqueza e da diversidade da música brasileira pode ser visto na 16ª edição do In-Edit Brasil — Festival Internacional do Documentário Musical, que acontece em São Paulo, de 12 a 23 de junho, e depois segue para itinerância em outras cidades do país. A programação conta com mais de 60 filmes, a maior parte deles nacional, e quase todas as sessões e atividades são gratuitas, exceto no Cinesesc, onde acontecem algumas exibições com ingresso popular, R$ 10. E ainda shows, debates, sessões comentadas, a tradicional feira de vinil e, estreando, uma feira de livros sobre música e cinema a preços especiais. Além disso, o festival apresenta um recorte da programação, com 19 títulos, online e de graça para todo o país, por meio das plataformas Sesc Digital, Itaú Cultural Play e Spcine Play. São esperados cerca de 20 mil espectadores no evento.
“O objetivo é fazer com que a galera vá ao cinema, tem uma outra relação com o filme quando ele é visto no cinema. E são salas de rua, com quase todas as sessões de graça, e, mesmo as que não são, têm um preço muito mais barato do que um ingresso normalmente custa. A ideia é democratizar o acesso”, explica Marcelo Aliche, diretor artístico e criador do In-Edit Brasil. “A gente tem uma lacuna muito grande em termos de memória no nosso país, e esses documentários contribuem para que ela seja preenchida. O Brasil é um país muito musical, e é importante que essa história seja registrada”, pontua, frisando que a maioria das produções na seleção do festival é independente.
Dorival Caymmi, Zé Ketti, Arrigo Barnabé, Luiz Melodia, Carlos Santana, Cyndi Lauper, Joan Baez, Brian Jones e Paul Simon são alguns dos artistas retratados nas produções que serão exibidas no In-Edit. Um dos destaques é O Homem Crocodilo, de Rodrigo Grota, sobre Arrigo Barnabé, que estreia no In-Edit. O filme mergulha no universo do cantor, compositor e instrumentista nascido em Londrina (PR), nome fundamental da Vanguarda Paulista, nos anos 80. O título faz referência ao álbum Clara Crocodilo (1980), obra-prima de Arrigo, que funde elementos de música atonal e dodecafônica a referências da cultura pop, como anúncios publicitários, programas de rádio e histórias em quadrinhos. Dia 22 de junho, o filme será exibido no Centro Cultural Olido e, em seguida, às 19h, Arrigo e a banda Sabor de Veneno apresentam o disco na íntegra.
O longa é parte da Competição Nacional, que este ano conta com seis títulos, sendo quatro deles inéditos, que terão sua première brasileira durante o festival. O vencedor entrará no circuito In-Edit de festivais e será apresentado pelo diretor ou diretora no In-Edit Barcelona 2024. Completam a seleção Dennis, Eu Vim Pra Sacudir o Baile, de Oscar Rodrigues Alves, sobre ascensão de Dennis DJ; Black Future, Eu sou o Rio, de Paulo Severo, sobre a banda underground carioca Black Future; Terra de Ciganos, de Naji Sidki, sobre a cultura cigana no Brasil; Black Rio! Black Power!, de Emílio Domingos; e Luiz Melodia, no Coração do Brasil, de Alessandra Dorgan.
Criado na Espanha, em 2003, o In-Edit hoje acontece também na Holanda, Chile, México, Grécia e Brasil, onde surgiu em 2009. Para participar, é preciso se inscrever, e um grupo de curadores faz a seleção.
“O número de filmes no Brasil é muito alto, principalmente se você comparar com outros In-Edit, como o da Espanha e o da Holanda, por exemplo. São países que têm uma indústria cinematográfica bem forte e, quando recebem 25 documentários musicais nacionais, eles acham lindo. A gente, neste ano, que foi baixo, recebeu 115”, compara Marcelo Aliche. “Isso é sinal tanto da força da nossa música quanto do fato de que o brasileiro se comunica muito pelo audiovisual”, analisa.
Cena de 'Outras Histórias do Mar', em que BNegão canta Caymmi. Reprodução
A programação traz também duas sessões especiais. No dia 20 de junho, no Cine Sesc, o guitarrista Lúcio Maia (ex-Nação Zumbi) faz a trilha ao vivo do longa Acordo Com Lampião? Só Na Boca Do Fuzil!, de Marcelo Felipe Sampaio, sobre a história dos Nazarenos, moradores do distrito de Nazaré do Pico, na cidade pernambucana de Floresta, que enfrentaram Lampião, a Coluna Prestes e a polícia do estado nos primeiros anos do século 20. Maia criou a trilha original do filme. No dia seguinte, 21 de junho, na Cinemateca Brasileira, é a vez do curta Outras Histórias do Mar (BNegão Canta Caymmi), de Carolina Rolim, sobre o mergulho do artista BNegão no álbum As Canções Praieiras (1954), estreia de Dorival Caymmi (1914-2008) no formato. Ao fim da exibição, o cantor apresenta o repertório do disco ao lado do violonista Bernardo Bosisio.
Os títulos nacionais se espalham pelas outras seleções do festival. A Mostra Brasil aposta na diversidade de nossa música e, nesta edição, conta com os inéditos Funk Favela, de Kenya Zanatta; Germano Mathias — O Catedrático do Samba, de Caue Angeli e Hernani de Oliveira Ramos; Moacyr Luz, O Embaixador Dessa Cidade, de Tarsilla Alves; Viamão, de Sérgio Pererê, Leandro Miranda e Gibran; e também Aldo Baldin — Uma Vida pela Música, de Yves Goulart; Nas Ondas de Dorival Caymmi, de Locca Faria; e Terror Mandelão, de Felipe Larozza e GG Albuquerque.
A seleção Brasil.Doc, por sua vez, apresenta documentários que se debruçam sobre histórias e personagens marcantes da música brasileira, como Eu Sou o Samba, Mas Pode me Chamar de Zé Ketti, de Luiz Guimarães de Castro; Pagano, de Carlos Nascimbeni; Mandinga, de Egler Cordeiro; Na Terra de Marlboro, de Cavi Borges; e No Rastro do Pé de Bode, de Marcelo Rabelo. Marcelo Aliche observa que a produção de documentários está aquecida.
“O mercado teve um alívio, depois dos anos Bolsonaro (entre 2018 e 2022). Muita gente até parou, à espera de dias melhores. O documentário Dorival Caymmi — Um Homem de Afetos, da Daniela Broitman, passou há anos no In-Edit (em 2019) e só agora conseguiu ir para o circuito comercial. O filme do Luiz Melodia é um caso clássico: ele ia ser lançado há dois anos. Mas a equipe esperou, porque sabia que ia aparecer dinheiro, e fez uma produção muito melhor”, exemplifica.
A mostra Curta um Som inclui curtas-metragens como De Par em Par, de Tais Melo; É D’Oxum: Força Que Nora N’água, de Day Sena; MBORAIRAPÉ, de Roney Freitas; O Carnaval de Rua É Festa do Povo, de Uilton Oliveira; O Som da Pele, de Marcos Santos; Pisa na Tradição, de Coraci Ruiz; Sagrado Compor, de Marcelo Abreu e Henrique Dantas; e Até o Último Sopro, de Benjamin Medeiros.
A programação conta ainda com uma seleção de documentários internacionais inéditos no Brasil. Uma das principais atrações é a estreia brasileira e americana de Misty – The Erroll Garner Story, do francês Georges Gachot. Baseado no livro Erroll Garner, The Most Happy Piano, do americano James M. Doran, o longa conta a história de Garner (1921-1977), que é considerado um dos maiores pianistas do jazz, com sua assustadora capacidade de improviso. A sessão de estreia acontece no Cinesesc, no dia 15 de junho, data em que Erroll Garner completaria 103 anos de idade, e contará com as presenças de Gachot e Doran.
Uma novidade deste ano é a mostra Música e Máquinas, dedicada a filmes que abordam a música feita por aparelhos eletrônicos, celebrando o centenário dos primeiros sons sintéticos, com sete filmes. Além disso, uma exposição na Cinemateca Brasileira vai reunir instrumentos musicais eletrônicos feitos por músicos, engenheiros de som, produtores e inventores. Já a Mostra Flashback vai exibir filmes históricos, entre clássicos em versões restauradas, como Let’s Get Lost, de Bruce Weber, sobre sobre a turbulenta vida e carreira do trompetista de jazz Chet Baker, que morreu quatro meses antes do lançamento do filme, e a première nacional do filme Dig! XX, de Ondi Timoner, em que a diretora revisita seu documentário feito há 20 anos sobre as bandas Dandy Warhols e Brian Jonestown Massacre, trazendo uma versão revista e ampliada do filme. Marcelo Aliche espera que o público compareça em peso para aproveitar toda a programação gratuita e adianta:
“Já temos filmes selecionados para o ano que vem.”
A programação completa do In-Edit Brasil 2024 pode ser vista no site do evento.
Marcelo Aliche, diretor artístico e criador do In-Edit Brasil. Divulgação
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