Festa de entrega do prêmio, em SP, foi marcada pela justíssima reivindicação da contribuição dela para uma bossa nova que a invisibilizou
Por Chris Fuscaldo, de São Paulo
Fotos de Flávia Marcatti
Alaíde solta a voz num dos muitos momentos emocionantes da noite
A terceira edição do Troféu Tradições UBC levou ao palco da Casa de Francisca (SP), nesta quinta-feira (20), a cantora e compositora Alaíde Costa. Com apresentação de Paula Lima, diretora-presidenta da União Brasileira dos Compositores, a premiação que visa consagrar grandes movimentos culturais brasileiros e seus representantes celebrou a trajetória dessa artista de 88 anos e resgatou a memória de uma história de apagamento.
“Não tenho palavras que posam traduzir esse momento, sabe? É muito lindo chegar aqui, depois de tantos anos, e já no final da vida. Estou com 88, sei lá até quando eu vou... mas (é lindo) ter o reconhecimento agora, muito gratificante. Tem uma música do João Bosco, que inclusive eu canto, que diz que eu me virei sozinha, comi o pão todinho que o diabo amassou, mas estou aqui”, declarou Alaíde Costa ao receber o troféu das mãos de Paula Lima e Simoninha.
De autoria de João Bosco e Francisco Bosco, a canção se chama “Aos Meus Pés” e está em “O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim”, álbum produzido por Marcus Preto e Emicida que Alaíde lançou em 2022 — e vem colhendo reconhecimentos desde então, como o Prêmio da Música Brasileira. Assim como tem sido resgatada por jovens produtores, também no palco da Casa de Francisca ela fez questão de receber jovens músicos para participações no show que apresentou após receber o Troféu Tradições. Quando cantou a faixa citada, Emicida se juntou a ela e, no improviso, ficou admirando a mulher preta responsável por impulsionar os grandes nomes da bossa nova que, depois, a esqueceram.
“Apesar de ser a primeira e principal voz da bossa nova, foi deixada escanteada. Isso é um reflexo do machismo e da questão racial e de gênero. Uma mulher negra não fazia parte daquele movimento naquele momento...”, lembrou Paula Lima em sua apresentação.
Emicida sobre o palco, de improviso, com a diva
Alaíde iniciou sua carreira profissional em 1955, como crooner do dancing Avenida, no Rio de Janeiro. Lá, cantava samba-canção, tango, blues, samba, bolero... de tudo! A partir de 1957, gravou diversos discos de 78 rotações, compactos simples e duplos. Em 1959, levada por João Gilberto, deu as mãos aos jovens compositores da bossa nova. Em seu primeiro LP, intitulado “Gosto de Você”, entre as doze canções, ela gravou composições de Dolores Duran, João Donato e João Gilberto, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, entre outros.
Além de Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Silvia Telles, Alaíde era a única artista profissional naquela turma e já tinha seu espaço nos programas de rádio e TV. Com isso, muitas canções que nem tinham sido gravadas, mas eram apresentadas a Alaíde nas reuniões de que participava, começaram a ser disseminadas pela voz dela. Quando o movimento estourou na mídia, a cantora não foi levada junto. Em 1962, Alaíde Costa sequer foi informada do famoso concerto realizado no Carnegie Hall com 18 artistas brasileiros... Alguns deles nem fizeram parte do início do movimento.
“A justiça tarda, mas não falha”, ela agora declara.
Acompanhados por Gabriel Deodato (violão e direção musical), Emerson Marciano (baixo) e Vitor Cabral (bateria), além de Emicida subiram ao palco para paparicar “a dama da música brasileira”, como a chamou Paula Lima, ou “a estilista da MPB”, como a definia Tom Jobim, seu filho Marcelo Lima (“Meu Sonho”, de Alaíde Costa e Johnny Alf), Simoninha (“Sabe Você”, de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes), Zé Manoel (“Me Deixa em Paz”, de Monsueto e Airton Amorim), Ayrton Montarroyos (“Samba em Prelúdio”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes) e a própria Paula (“Dindi”, de Tom Jobim).
Paula Lima e Simoninha entregam o troféu a Alaíde
Com voz impecável, energia de sobra e muito bom humor, Alaíde Costa cantou ainda “Voz de Mulher” (Sueli Costa / Abel Silva), “Cala, Meu Amor” (Tom / Vinicius), “A Dama de Vermelho” (Pedro Caetano / Alcyr Pires Vermelho), “Amigo Amado” (Alaíde Costa / Vinicius de Moraes), “Retrato em Branco e Preto” (Tom Jobim / Chico Buarque), “Travessia” (Milton Nascimento / Fernando Brant), “Recado à Minha Amada” (Salgadinho (Katinguelê) / Juninho), “Eu te Odeio” (Fátima Guedes) e, no bis, “Onde Está Você”.
Terminou, claro, aplaudida de pé e coroada como a intérprete fundamental e fora de série que é.
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