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MTG: por que a onda do momento desrespeita o direito autoral
Publicado em 28/06/2024

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Maioria dos usos de obras nesses remixes não tem autorização; partes envolvidas debatem soluções, e representantes dos titulares protestam

Por Andréia Martins, de Londres

Nos últimos meses, as listas de músicas mais ouvidas do Brasil foram invadidas por três letras ao lado dos nomes das faixas: MTG. A sigla refere-se à palavra montagem e a uma prática que em nada difere de um remix, pois trata-se de colocar músicas diferentes na mesma faixa com efeitos e alterações feitas pelo produtor e pelo DJ responsáveis.

No entanto, uma questão vem preocupando as entidades musicais: o uso não autorizado — e quase generalizado — de músicas de terceiros nessas montagens. As novas dinâmicas do mercado musical, com a publicação maciça de dezenas de milhares de faixas novas todos os dias, são o pano de fundo para essa apropriação indébita de tantas músicas alheias — e as plataformas de streaming, que chegam a criar playlists para promover e monetizar essas faixas, também têm uma grande parcela de responsabilidade.

Músicas como “Lança Perfume” (Rita Lee e Roberto de Carvalho), "Entre Tapas e Beijos” (Antonio Bueno e Newton Lamas, sucesso com Leandro e Leonardo) e “Menina Veneno” (Ritchie e Bernardo Vilhena) são exemplos do uso indevido de canções que foram hits dos autores e são peças representativas da carreira desses artistas, e nas quais eles não são devidamente creditados ou remunerados. É fácil identificar as MTGs com autorização: no crédito das canções, os autores do fonograma são creditados ao lado dos DJs e demais colaboradores. Quando não há menção, o artista provavelmente não foi consultado sobre o uso.

O tema tem mobilizado sociedades de autores, editoras e outras entidades que representam a criação musical. Em comum, todos defendem a liberdade criativa — sempre que não fira os direitos de terceiros.

"Nós não somos contra a criação de novos gêneros, ritmos e das novas formas de expressão musical, desde que seja respeitado o direito autoral e conexo. Naturalmente, somos contra qualquer tipo de uso de obras e fonogramas sem autorização", afirma Fabio Geovane, diretor de Operações da UBC. 

A Ubem (União Brasileira de Editoras de Música) faz coro com ele e destaca o papel fundamental das plataformas de streaming e das agregadoras para frear abusos.

"O ambiente digital é pródigo em oferecer novas ferramentas e alternativas para produção e comercialização das obras. Por certo, isso é positivo e reflete a nova dinâmica do mercado. Entretanto, tais características não devem suplantar os direitos dos responsáveis originários de toda cadeia da música, que são os autores. Toda nova trend precisa vir acompanhada de soluções técnicas para proteção aos direitos autorais, e as plataformas possuem essas ferramentas. Portanto, essa cultura tem que mudar, é preciso haver uma conscientização e valorização do criador, no sentido do respeito ao direito autoral”, disse um porta-voz da associação em entrevista à UBC.

Além da questão autoral, há ainda o dano moral devido à mudança do conteúdo da faixa. É o que ocorre com a MTG “Menina Veneno” e também da MTG “Não Vou Namorar”, que circula usando o arranjo completo da música “Já Sei Namorar”, composição e sucesso dos Tribalistas (Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes). Em ambos os casos, as montagens ganharam conteúdo explícito, que em nada condiz com o que já foi feito pelos autores originais em suas carreiras. As duas MTGs, claro, não tiveram autorização prévia dos criadores.

“Temos recebido muitas reclamações de artistas. O autor precisa ser consultado previamente para o uso legítimo de sua obra, conforme prevê a nossa legislação, e mais ainda nos casos onde ocorrem alterações da mesma, que afetam, inclusive, o direito moral do titular”, completa a Ubem.

O lado dos DJs

Se, de um lado, estão os autores que criaram suas obras e precisam ser remunerados e respeitados, do outro lado da mesa estão os DJs e criadores de conteúdo.

O DJ Mulú tem uma extensa carreira como produtor e já remixou e lançou músicas em parcerias com artistas como Pablo Vittar, Wesley Safadão, BaianaSystem, Bomba Estéreo, Luedji Luna, Potyguara Bardo, Gilsons, Letrux e Elza Soares. Ele foi um dos que estouraram com a MTG “Chihiro", utilizando trechos da música homônima da cantora norte-americana Billie Eilish.

Desde o momento em que a versão viralizou nas redes, ele buscou representantes da cantora para que ela autorizasse a versão e a música pudesse ser disponibilizada em plataformas como Spotify, por exemplo. Até agora não a obteve.

“A liberdade criativa é um direito fundamental que não deve ser limitado. No entanto, é essencial equilibrar essa liberdade com o respeito também aos direitos dos autores originais, e a distribuição e monetização desse conteúdo deve ser feita de maneira que recompense os criadores originais. Quando meu vídeo viralizou, recebi milhares de pedidos para distribuir nas plataformas, também sou compositor e jamais monetizaria um trabalho alheio sem autorização, então fiz o que estava ao meu alcance, submeti o pedido às editoras/gravadora e, paralelamente, conseguimos entrar em contato com a equipe da Billie”, conta ele.

No Brasil, a montagem chegou ao topo das paradas em plataformas de vídeos, mas, como ainda carece de autorização, não pode ser monetizada nem publicada em plataformas de streaming.

Mulú considera que seria interessante o mercado ter uma “resposta mais rápida” ao que é tendência e estoura, para dar mais agilidade aos processos de autorização. Para o DJ, se for utilizado de uma maneira correta e legal, o recurso das MTGs tem o potencial de divulgar artistas e dar-lhes novos horizontes.

Novas dinâmicas de negociação

Enxergar oportunidades comerciais pode ser uma saída para lidar com as MTG. Se os produtores não vão até o artista, o artista vai até eles. É o que aconteceu com a MTG “Quem Não Quer Sou Eu”, produzida pelo DJ Topo e que chegou ao número 1 entre as músicas mais ouvidas em 2024.

Brenda Espasandin, diretora do marketing da Music Pro, conta que a editora enxergou uma oportunidade na montagem que trazia trechos do fonograma lançado em 2011 por Seu Jorge no disco “Músicas para Churrasco, Vol. 1”.

“Esse processo aconteceu em dois momentos. Primeiro, a nossa expertise comercial de entender aquilo que estava performando através das plataformas sociais, que é onde o criador pode expor seu áudio sem monetizar. Por termos uma relação próxima com Seu Jorge, mostramos a versão para ele, que realmente gostou e deu a autorização”, ela afirma.

Nesse caso, a equipe comercial “pescou” a trend e procurou o DJ. Juliana Stelling, diretora do setor de edição de obras na Music Pro, conta que um dos pontos cruciais para liberação por parte do cantor e compositor foi o fato de a montagem não trazer conteúdo explícito. E reforça também que, quando há conversa e entendimento entre os DJ e os autores do fonograma, tudo flui bem.

“A própria música ‘Quem Não Quer Sou Eu’ é uma faixa de 2011. Ou seja, depois de todo esse tempo a faixa volta a monetizar, puxada pelas MTGs, e apresenta também o artista a um outro público. Isso é benéfico para o artista, mas mais uma vez, depende da versão feita”, diz Juliana.

Mulú afirma que o atual cenário -- onde há DJs profissionais e sérios produzindo MTG dentro das regras e uma outra gama de criadores de conteúdos, entre DJs amadores e MCs e DJs das comunidades -- tem trazido diferentes reflexões sobre o tema, e que novos modelos são necessários.

"Acredito que as principais plataformas de streaming poderiam ter uma área dedicada aos conteúdos derivados criados pela comunidade. Essa área não competiria diretamente com os fonogramas originais, mas permitiria o consumo desse tipo de conteúdo além das redes sociais. Funcionaria como um laboratório, onde, caso fosse do interesse dos detentores dos direitos, esses conteúdos poderiam ser promovidos a fonogramas oficiais", diz ele.

Enquanto não há regulação, entidades pedem respeito aos titulares de direitos

Enquanto não há todo esse avanço, não são poucas as vozes que denunciam o uso ilegal das faixas. A UBC publicou um comunicado próprio sobre tema nesta sexta (28) e ainda subscreveu outro, que reuniu a Ubem, a Pro-Música, o Ecad e as sete sociedades que o compõem. No seu comunicado, a UBC sustenta que "vem tomando medidas para coibir cadastros de MTGs apresentados sem as necessárias autorizações. Por isso, estamos solicitando aos titulares que queiram cadastrar esses fonogramas com características de montagens, ou que já tenham realizado o cadastrado, que nos forneçam as devidas autorizações, a fim de que os cadastros sejam validados e os fonogramas possam receber as receitas referente aos seus usos nos locais onde arrecadamos direitos autorais." 

Já o comunicado da Ubem e das outras entidades alertou para a “irresponsável e descontrolada distribuição de MTGs pelas plataformas digitais”. No foco das críticas, não estão só as pessoas responsáveis pelas montagens ilegais, mas sobretudo o streaming, que é chamado a pôr um fim à publicação de conteúdos sem autorização.

“A maioria das MTGs disponibilizadas nas plataformas digitais desrespeita toda a cadeia produtiva da música e vem gerando um injustificado prejuízo a todos os titulares que tiveram suas obras, interpretações e produções apropriadas indevidamente. Trata-se de grave violação civil e criminal”, diz um trecho do comunicado, que finaliza: “As entidades instam as plataformas digitais para que interrompam imediatamente as disponibilizações e monetizações de MTGs não autorizadas e preservem os direitos dos legítimos titulares, sob pena de responder por sua negligência e imperícia, na oferta ilegal de obras e produções.”

Segundo especialistas, caberia ainda às plataformas aplicar sanções aos infratores, como a suspensão ou até exclusão dos seus perfis. Entidades como a UBC também preveem castigos para associados que se apropriarem de obras alheias em situações como esta - e que podem chegar à expulsão ou até mesmo demandas judiciais.

"Todos os titulares associados à UBC devem seguir o que reza no estatuto. Logo, os associados que cometerem infrações serão punidos conforme o que prevê o documento", lembra Geovane, que destaca que, muito antes da ação punitiva, nossa associação tem um intenso trabalho informativo e educativo para conscientizar os associados sobre o correto uso de obras e fonogramas de outros titulares: "Nossa atuação passa por informar, explicar e educar a cadeia produtiva da música. Precisamos profissionalizar cada vez mais o mercado para evitar que usos assim se repitam."

Na próxima terça-feira, às 19h, a UBC fará o debate "MTG em foco". O evento contará com a participação Fabio Geovane, da representante da UBC no Mato Grosso do Sul, Bruna Campos, e da jornalista e curadora musical Michele Miranda. Com mediação de Láisa Naiane, sócia e editora-chefe do POPline.Biz é Mundo da Música, o debate será transmitido ao vivo pelo canal de YouTube da UBC.

 

LEIA MAIS: O comunicado da UBC na íntegra

COMUNICADO DA UBC AOS TITULARES DE DIREITOS AUTORAIS E PARCEIROS DA MÚSICA A RESPEITO DO USO DE OBRAS E FONOGRAMAS PRÉ-EXISTENTES PARA CRIAÇÃO DE MONTAGENS (MTGs)

A UBC esclarece que o uso de obras e/ou fonogramas pré-existentes como base para criação de novas gravações (fonogramas), atualmente chamadas de MTGs, só poderá ser feito mediante a autorização do autor/editora da obra e/ou da produtora do fonograma.

Qualquer MTG, produzido e disponibilizado sem a prévia autorização, em qualquer meio, é considerado violação de direitos autorais. A pessoa que produzir, cadastrar na associação e disponibilizar tais conteúdos nas plataformas de streaming cometerá ato ilegal e poderá ser responsabilizada.  

Como associação de direitos autorais, a UBC vem tomando medidas para coibir cadastros de MTGs apresentados sem as necessárias autorizações. Por isso, estamos solicitando aos titulares que queiram cadastrar esses fonogramas com características de montagens ou que já tenham realizado o cadastrado, que nos forneçam as devidas autorizações, a fim de que os cadastros sejam validados e os fonogramas possam receber as receitas referente aos seus usos nos locais onde arrecadamos direitos autorais. 

Em caso de dúvidas sobre como proceder, o titular poderá buscar informações no site da UBC, no canal do Youtube da associação, ou entrando em contato diretamente conosco. Estamos à disposição para explicar como obter as autorizações necessárias.  

A UBC sempre estará ao lado do autor, do intérprete, do músico executante, da editora e dos produtores fonográficos, que integram a indústria musical. A UBC acredita e promove todas as formas de expressão musical, desde que respeitado o direito daqueles que trabalham arduamente para criar suas obras e fonogramas musicais. 

 

LEIA MAIS: O comunicado da Ubem, da Pro-Música, do Ecad e das sociedades de autores na íntegra


NOTA DO SETOR MUSICAL SOBRE AS MTGs PRODUZIDAS E DISPONILIZADAS ILEGALMENTE PELAS PLATAFORMAS DIGITAIS

As Entidades que assinam a presente, representantes do setor musical, vêm manifestar sua posição e preocupação com a irresponsável e descontrolada distribuição de MTGs (montagens) pelas plataformas digitais. As montagens atualmente disponibilizadas pelas plataformas estão valendo-se de obras musicais, interpretações e fonogramas protegidos sem que os legítimos titulares de direitos autorais as tenham autorizado.

Toda forma de expressão artística deve ser aplaudida e a criatividade não encontra qualquer obstáculo no setor musical, que sempre não apenas licenciou, mas incentivou, as mais diversas formas de remix, utilização de samples e outras formas de expressão artística com usos derivados, sem qualquer entrave. Entretanto, para a criação ou produção de terceiros, estes titulares precisam ser consultados e formalmente anuir com o uso de seus trabalhos criativos, pois assim estabelece a Lei de Direitos Autorais, sob pena de grave violação de direitos por quem produz, cadastra, disponibiliza e comunica tais conteúdos ilícitos.

A maioria das MTGs disponibilizadas nas plataformas digitais desrespeita toda a cadeia produtiva da música e vem gerando um injustificado prejuízo a todos os titulares que tiveram suas obras, interpretações e produções apropriadas indevidamente. Trata-se de grave violação civil e criminal.

Triste notar que o sucesso dessas violações vem sendo alimentado por agregadoras que recepcionam esses conteúdos, de forma indiscriminada como também pelas plataformas, que não somente as disponibilizam, mas também criam suas próprias playlists para promover, difundir e monetizar um gigantesco ilícito, o que altera ouomite informações, subtrai a justa remuneração e assim viola direitos morais e patrimoniais.

Diante da urgência e gravidade dos fatos, as Entidades instam as plataformas digitais para que interrompam imediatamente as disponibilizações e monetizações de MTGs não autorizadas e preservem os direitos dos legítimos titulares, sob pena de responder por sua negligência e imperícia, na oferta ilegal de obras e produções.

As Entidades musicais não irão transigir com práticas ilícitas e não ficarão inertes na defesa de seus titulares de direitos autorais, a fim de assegurar a legítima disponibilização de obras e produções musicais, tomando, se necessário, medidas contra os responsáveis diretos e por aqueles coniventes com as aludidas violações, visando o efetivo cumprimento das normas de proteção aos direitos autorais no País.

Rio de Janeiro, 27 de junho de 2024.

UNIÃO BRASILEIRA DE EDITORAS DE MÚSICA – UBEM

PRO-MÚSICA

ABMI

AMAR

ASSIM

SBACEM

SOCINPRO

UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES

ECAD

 

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