De famílias musicais e amigas entre si, eles viraram parceiros em hits gravados por nomes que vão de Anitta a Jorge Ben Jor
Por Kamille Viola, do Rio
Umberto e Jefferson, juntos
Não seria exagero dizer que eles são uma espécie de “Michael Sullivan & Paulo Massadas” dos anos 2000. Umberto Tavares e Jefferson Jr. já compuseram mais de 600 músicas juntos, gravadas por nomes tão diversos quanto grandes: Anitta, Maluma, Belo, Buchecha, Elza Soares, Jorge Ben Jor, Luan Santana, Michel Teló, Ludmilla, Valesca e Nego do Borel são alguns deles, além da sensação recente Os Quebradeiras. Juntos, eles comandam a agência e estúdio Mousik, no Rio, de onde saem muitos desses hits.
“A gente trabalha junto de segunda a sexta. Quando não está junto no fim de semana, a gente fica se ligando, às vezes escondido, para nossas esposas não verem”, diverte-se Jefferson, o Juninho.
Com sucessos que vão de “Quero Toda Noite”, gravada por Fiuk e Jorge Ben Jor, a “Bang”, parceria com Anitta, passando por “Você Partiu Meu Coração”, canção registrada por Nego do Borel, eles garantem que não existe receita para criar um hit.
“Se você acha que tem a fórmula, já entrou no caminho de não ter mais sucesso. Você tem que estar incomodado para poder buscar sucesso. Se, depois de alcançá-lo, você fica confortável, começou o seu processo de perdê-lo”, garante Umberto, o Beto. “A gente tem que estar incomodado o tempo todo, inclusive para poder entender as mudanças que são necessárias. Tem que estar atento ao mundo, porque ele interfere diretamente no que as pessoas querem ouvir”, analisa.
NO INÍCIO JÁ ERA A MÚSICA
A música entrou na vida de ambos muito cedo, por causa dos laços familiares. Umberto é filho de Jurema Lourenço da Silva e sobrinho de Jussara e Robson Lourenço da Silva — juntos, os três irmãos formavam o Trio Ternura, que teve muita popularidade nos anos 60 e 70. Sua mãe fez backing vocals para nomes como Marisa Monte, Cazuza, Sandra de Sá, Alcione, Grupo Raça e Beth Carvalho. Além disso, ele é neto de Umberto Silva, autor do sucesso “Ninguém é de Ninguém” (gravado por Cauby Peixoto), que foi diretor e tesoureiro da UBC. Jefferson, por sua vez, é sobrinho da cantora Alcione e filho de Maria Helena Dias Nazareth, irmã da diva, que é vocalista de apoio e produtora da banda da Marrom. Seu avô, João Carlos Dias Nazareth, foi maestro da banda da Polícia Militar do Maranhão, professor de música e compositor e de bumba-meu-boi. Seus tios homens todos foram maestros de bandas militares ou da polícia.
As mães dos dois se conhecem antes mesmo de Jurema ficar grávida de Umberto (aos 46 anos, ele é o mais velho da dupla: Jefferson tem 38). E pode-se dizer que os caminhos profissionais de ambos se cruzaram muito cedo: no álbum “Fruto e Raiz” (1986), de Alcione — que tem os hits “Garoto Maroto” e “O Que Eu Faço Amanhã?” —, Junior é o bebê nas costas da tia na contracapa, enquanto Umberto participou do coro infantil na faixa-título. A mãe e os tios de Umberto, aliás, também fazem os vocais de apoio de seis músicas.
“Ou seja, o disco em que eu estreio, de certa forma, na música é o primeiro álbum em que o Beto faz backing vocal quando criança”, comenta Jefferson Junior. “Meu pai tomava conta de mim e do Beto no camarim para a minha mãe e a mãe dele fazerem show com a minha tia."
Os dois ficaram anos sem se ver. Nesse meio-tempo, Umberto chegou a fazer faculdade de Direito, mas, compondo desde os 20 anos, acabou trancando, em 2000, quando surgiu a chance de produzir o Bonde do Tigrão, que foi um enorme sucesso. Ele já tinha um currículo respeitável quando reencontrou Jefferson. Que, por sua vez, no início, pretendia seguir a carreira de cantor: gravou uma participação no DVD “Uma Nova Paixão — Ao Vivo“ (2006), de sua tia (batizado a partir de uma composição de Umberto Tavares, feita com Gustavo Lins), na canção “Sábado à Noite” (de Lulu Santos, famosa na gravação de Toni Garrido), e foi lançado por ela no Domingão do Faustão, na Globo.
“No dia seguinte, eu desisto”, lembra ele.
Por insistência dos pais e da família da namorada, foi fazer faculdade. Estudou Administração, até que um dia largou tudo, repentinamente.
Perdido, conversava com Jurema Lourenço da Silva, que sugeriu que ele procurasse seu filho, Umberto. Jefferson foi, mas sem muita expectativa — àquela altura, ele estava mais preocupado em curtir a vida do que trabalhar. Logo no reencontro, eles compuseram uma canção quase inteira, que Umberto disse que iria levar a um amigo para que ele a terminasse. Um mês e meio depois, ele contou para Jefferson que o amigo em questão havia finalizado a criação: tratava-se de Wilson Prateado, produtor responsável por grandes hits do pagode.
“Eu falei: ‘Caraca, eu tenho uma música com o Umberto e o Prateado! A minha primeira música gravada vai ser essa?’. Sim, e o Belo gravou”, lembra Jefferson.
A faixa era “Se Quer Ficar Comigo”, do álbum e DVD “Belo” (2006).
“Aquilo me acendeu uma coisa: ‘Será que dá para viver disso?’”, conta.
UMA SEGUNDA CHANCE
Ficaram mais um tempo sem contato. Umberto seguia compondo e produzindo, enquanto Jefferson achava que aquela música gravada por Belo talvez tivesse sido um golpe de sorte isolado, mas tinha vontade de ter outra chance. Até que uma amiga pediu que ele a acompanhasse em uma gravação, e ele descobriu que seria justamente no estúdio de Umberto. Decidido a voltar para o universo musical, pediu para trabalhar lá. Inicialmente, se tornou responsável pelos contratos da editora. Mas a coisa floresceu mesmo após o expediente, quando os dois se reuniam para compor. Com o incentivo de Umberto, Jefferson havia topado voltar a cantar, com um repertório criado pela dupla. Porém, quando já tinham feito dez faixas, ele desistiu da ideia.
Umberto decidiu, então, mandar as canções para Belo. Resultado: de dez músicas da dupla, sete entraram no álbum “Primavera” (2009), do cantor de pagode. Entre elas, “Reinventar”, que foi a faixa mais tocada no país naquele ano. Em 2011, os dois fizeram sua primeira incursão conjunta no funk: com o cantor Naldo, que havia tido uma dupla com o irmão, Lula (morto tragicamente em 2008), e vinha tentando se firmar como artista solo.
“A gente fez um trabalho de reposicionamento com ele, acreditando nessa história de trazer o funk para o pop, também nos discursos, nas letras”, lembra Umberto. Ele e Junior trabalharam no DVD ao vivo “Na Veia Tour” (lançado em 2012), que traz sucessos como “Chantilly” e “Amor de Chocolate”.
E, DE REPENTE, ANITTA
Foi uma escola para a participação da dupla na virada pop de Anitta. A primeira canção deles com a cantora foi “Meiga e Abusada”, parceria da própria com Jefferson Jr. e R. Araújo, produzida por Umberto Tavares e Mãozinha. A faixa foi lançada como single em 2012.
“Foi a música que tomou as pedradas, porque não era um funk como os que a Anitta tinha gravado na Furacão 2000. Mas também fez muito sucesso”, lembra Umberto. “A segunda foi ‘Show das Poderosas’, que é cem por cento dela, que sacramentou essa nova fase”, pontua.
As duas faixas integram o álbum “Anitta”, que saiu no ano seguinte e traz cinco parcerias de Umberto e Jefferson com a artista, entre elas os hits “Zen” e “Não Para”.
“Foi a virada chave na vida dela e na nossa, sem dúvida”, analisa ele.
Outros trabalhos que eles destacam são o DVD ao vivo “Buchecha 15 Anos de Sucessos”, que abre com uma composição de ambos, “Romântico”, e a faixa “Corazón”, com Nego do Borel e o astro colombiano Maluma. A música é uma versão de “Você Partiu Meu Coração”, que composta por Jefferson Junior, Umberto Tavares e Romeu R3, e com Umberto entre os produtores, que já tinha sido um grande hit ao ser lançada por Nego, em 2017, com as participações de Anitta e Wesley Safadão. Mas ganhou projeção internacional ao ser cantada em espanhol por Maluma e integrar um álbum dele, “F.A.M.E.” (2018), com Nego do Borel participando. O colombiano, por sinal, já havia registrado uma parceria da dupla antes: “Sim ou não”, em feat com Anitta, que completa o time de autores da canção.
GRANDES MARCOS
Para Jefferson, outra ocasião muito especial foi quando o cantor estadunidense Brian Mcknight, ídolo do R&B, gravou uma faixa sua: “Mais Fácil (Easier)”, em 2013.
“Meu sonho era ir aos Estados Unidos e assistir ao show dele. O cara veio ao Brasil e gravou uma música minha, e ainda bateu três horas de papo comigo”, espanta-se.
Já Umberto cita os registros de Péricles, Alcione e Jorge Ben como oportunidades que calaram fundo.
“Eu era muito criança quando ficava no camarim enquanto a minha mãe ia fazer backing vocal da Alcione. Quando recebi a notícia de que ela ia cantar uma música minha, foi uma emoção inenarrável”, revela. “Com o Ben Jor não foi diferente. Eu cresci ouvindo ele, estudando ele. Quando a gente fez a música para o Fiuk, não tinha a menor ideia de que iria virar uma parceria com ele, nem que ele iria cantar também.”
Com esse mesmo sentimento de gratidão e surpresa, Jefferson Jr. resume:
“Dá para empilhar coisas que a gente viveu junto que parecem que são mentira.”
LEIA MAIS: Quer produzir música? Umberto Tavares e outros craques ensinam como
LEIA MAIS: A corrida pelo hit do carnaval