Festa em São Paulo celebra a obra sem igual da dupla homenageada do ano, com desfile de estrelas de diferentes gerações no palco
Por Lauro Neto, de São Paulo
Fotos de Miguel Sá
Roberto recebe a homenagem dos intérpretes de suas canções com Rita, todos de joelhos no palco: show de emoção
Uma noite de emoção e ineditismo. Assim foi a estreia do Prêmio UBC em São Paulo, no Teatro B32, na quarta-feira (4). Pela primeira vez, foi contemplada uma dupla de homenageados: a paulistana Rita Lee e o carioca - com 50 anos de SP - Roberto de Carvalho. No palco, a banda comandada por Beto Lee recebeu 9 artistas, que reviveram e reverenciaram a obra e a parceria desse casal que mudou a música brasileira para melhor.
Entre nomes consagrados, como Leo Jaime, Fernanda Abreu e Pitty, e expoentes de novas gerações, como Kell Simith, Zé Ibarra, Chico Brown, Grazi Medori, Matu Miranda e Carol Biazin, a sensação era de que todos estavam em família e em casa, na São Paulo de Rita.
Na entrada do teatro, a banda instrumental Paralelas recepcionava o público com hits da dupla homenageada, caprichando nos sopros e nas coreografias. O banner que estampava Rita e Roberto já dava o recado que resumia o espírito da noite: “Me cansei de lero lero, dá licença, mas eu vou sair do sério”.
Sem mais delongas e com graça, Marcelo Castello Branco, diretor executivo da UBC, abriu os trabalhos no palco:
“Quem diria que a UBC chegaria à Faria Lima, hein?!”, brincou, para, em seguida, pedir licença, sair do roteiro e falar sério sobre o impacto negativo da inteligência artificial (IA) generativa sobre os direitos autorais. “Brasília sentou em cima de uma lei sobre IA ontem, temos esperança de que isso seja retomado amanhã. É importante aproveitar a plateia seleta para falar da nossa preocupação. Não somos contra a IA. Somos a favor da inovação, mas é importante que os governos, as companhias e as big techs assumam a responsabilidade, paguem corretamente, reconheçam o direito preexistente, remunerem toda essa obra que utilizam através da IA”.
Em seguida, Castello Branco deixou o lero lero de lado, como ele mesmo descreveu com humor, para chamar Wilson Simoninha, diretor vogal da UBC e mestre de cerimônias da noite. Simoninha convidou a plateia que lotava o teatro a ficar de pé para receber Roberto de Carvalho. Muito à vontade, o filho de Simonal seguiu o roteiro escrito por Nelson Motta, antes de anunciar a primeira atração da noite.
“Depois que a Rita e o Roberto deram o primeiro beijo, a música brasileira nunca mais foi a mesma”, sintetizou.
Não foi mesmo. Fruto desse beijo do doce vampiro, Beto Lee recebeu, no palco, Grazi Medori para abrir o luxuoso setlist com “Nem Luxo Nem Lixo”, substituindo à altura Paula Lima, presidente da UBC, que não conseguiu chegar a tempo do Rio de Janeiro, onde se apresentava. Grazi voltaria ao palco, mais tarde, para defender com graciosidade um pout-pourri de “Banho de Espuma” e “Chega Mais”.
“Rita e o Roberto me influenciaram na minha conduta no palco. Eles são fundamentais. Sou uma artista que tem uma construção antes e depois deles”, disse Grazi.
Pessoa na plateia grava a apresentação de Carol Biazin: versão aveludada para 'Amor e Sexo'
Antes de ela voltar, subiram ao palco outros quatro nomes da nova geração. Matu Miranda impregnou “Alô, Alô, Marciano” com uma vibe psicodélica, que fez reverberarem os versos de Rita, extrapolando a ótima acústica do teatro e embarcando num disco voador para levar a mensagem à homenageada da noite, que, mesmo longe da Terra, para variar, continua em paz.
Na sequência, Carol Biazin emprestou sua voz aveludada para cantar e recitar “Amor e Sexo”, parceria de Rita e Roberto, inspirada em crônica de Arnaldo Jabor.
“Estar aqui, como uma voz da nova geração, é uma honra. É uma baita responsa, um dos maiores hits da Rita Lee. Ela ter tirado a inspiração de uma crônica, e os dois conseguirem musicar é genial. Essa música nunca vai envelhecer. Parei para estudá-la e pensei que é muito doido um artista conseguir fazer algo que é uma verdade eterna”, exaltou Carol.
Em seguida, Chico Brown entrou para imprimir seu vozeirão em “Caso Sério”. Acompanhado de um teclado eletrônico, o filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque mostrou as sonoridades mescladas no seu DNA. Depois, Zé Ibarra, como se fosse possível, elevou ainda mais o sarrafo. Com um timbre agudo que conquistou Beto Lee, o integrante do Bala Desejo honrou a interpretação de “Mania de Você”, a música preferida de Roberto e Rita, com falsetes que empolgaram a plateia, em meio a aplausos e gritos de “sensacional!”.
“É (sensacional) mesmo! Até perdi o rumo de casa”, brincou Beto, na hora, para, ao final do show, confessar. “O Zé foi uma surpresa absurda! Ele nem chegou a ensaiar com a gente. Já chegou hoje arrepiando. Chutou no gol, de trivela, no canto.”
Zé Ibarra durante sua apresentação: 'gol de trivela'
Coube a Beto, aliás, o difícil desafio da direção musical e de escolher um repertório enxuto de 13 canções em apenas 1h30 de show, em meio a um repertório de mais de meio século de carreira dos pais. Nesse quebra-cabeça, nas palavras dele, o filho não deixou de fora lados B, como “Vírus do Amor” e “On the Rocks”, interpretados, respectivamente, por Kell Smith e Pitty. As duas genuínas herdeiras de Rita empolgaram com suas performances, dançando para acompanhar os reefs de Beto Lee.
“Rita eterna! Obrigada pelo convite! É um prazer estar aqui”, agradeceu Pitty, ao descer do palco e falar, para si mesma, no microfone: “Olha o degrau, gata!”.
Pitty canta Rita, com Beto Lee na guitarra
Outro a usar o microfone com maestria, não apenas para divertir a plateia com “Flagra”, mas também para resumir a importância de Rita e Roberto para a música brasileira, foi Leo Jaime.
“Para mim, tem (John) Lennon e (Paul) McCartney, (Mick) Jagger e (Keith) Richards. Mas eu prefiro Rita e Roberto, que inventaram a Música para Pular Brasileira e foram um exemplo fora dos palcos, ainda melhor. Obrigado, Roberto! Nunca vou conseguir ser grato como gostaria por tudo que você me ensinou, e Rita também”, agradeceu.
Fernanda Abreu manteve a energia lá no alto para entoar os versos de “Saúde”, uma das cinco canções que têm cantado em shows em tributo a Rita Lee, sempre acompanhado pela banda capitaneada por Beto. Ele mesmo escolheu a música para a garota carioca cantar.
A carioca e a paulistana: Fernanda Abreu homenageia Rita
Antes de Roberto subir ao palco para receber o troféu, Beto ainda teve tempo de tirar um sarro com o pai ao tocar o rock animado “Papai, Me Empresta o Carro”.
“Essa eu estava esperando completar 18 anos para cantar para você, pai. Mas vamos lá, que os 18 já não estão mais aqui", brincou Beto.
Brincadeiras à parte, Simoninha convidou Fernanda Takai, diretora vogal da UBC, e Marcel Klemm, diretor-geral da Warner Chappell Music no Brasil, para o momento mais aguardado da noite: a entrega do troféu a Roberto de Carvalho. O artista subiu ao palco, emocionou-se e emocionou o público ao dedicar o prêmio à sua eterna parceira.
“Quero agradecer primeiramente ao Marcelo Castello Branco, que é o maestro dessa situação toda. Quero agradecer aos músicos, aos cantores maravilhosos que colocaram a maior dose de anabolizante nessas músicas que a gente fez através da vida. São muitas emoções. Mas eu queria mandar um axé especial para a grande, enorme, imensa pessoa que foi minha parceira durante essa vida em tantas circunstâncias, em tantos momentos, em tantas músicas, em tantas alegrias, em tantos filhos, em tantos netos. Enfim, em tantos momentos sublimes, de loucura, de maravilha… Esse momento, para mim, é superespecial, e eu sinto que, em cada um de nós, em cada um de vocês, em cada pequeno fragmento do universo, existe um pequeno pedaço de Rita, em todos nós e em tudo. Meu amor, é para você!”, declarou-se Roberto.
Marcel Klemm entrega o troféu a Roberto de Carvalho
Após tanta emoção, só cabia mais uma canção. E Roberto ainda teve fôlego para surpreender a plateia ao se dirigir para o tecladista Danilo Santana e dizer, com bom humor:
“Agora, você vai acompanhar, por alguns segundos, o cantor mais desafinado da noite!”.
Beto zoou o pai uma última vez ao provocá-lo:
“E ele diz que tem ouvido absoluto”.
Absoluto, Roberto entoou os primeiros versos de “Lança Perfume”. Foi o sinal verde para os demais artistas voltarem ao palco e encerrarem a festa com o rock carnavalesco de Rita. Não sem antes se ajoelharem ao redor de Roberto para reverenciar a dupla inseparável e insuperável.
LEIA MAIS: A lista completa de canções executadas e seus intérpretes
LEIA MAIS: Relembre a reportagem de capa da Revista UBC #53, com Rita Lee