Multi-instrumentista, arranjador, maestro e compositor é o ganhador este ano do troféu entregue por UBC e Prêmio BTG da Música Brasileira
Por Alessandro Soler, de São Paulo
Fotos de Dani Dacorso
Julio em seu estúdio no Rio de Janeiro
O primeiro sucesso nacional de Julio Teixeira como arranjador e maestro foi em 1986, com o hit “A Balada do Louco”, versão de Ney Matogrosso para a composição de Rita Lee e Arnaldo Baptista. Nem de longe seria o único. Ao longo de décadas, o também multi-instrumentista, compositor e produtor musical de 60 anos ajudou a moldar as sonoridades que moveram o Brasil.
Arranjou e dirigiu musicalmente projetos de nomes variadíssimos, incluindo Chitãozinho & Xororó (tanto no megassucesso “Evidências”, composição de José Augusto e Paulo Sérgio Valle, como em todo o projeto “Amigos”, com Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano), além de Fagner, Luiz Caldas, Jorge Aragão, Roberto Carlos, Adriana Calcanhotto, Emilio Santiago, Leci Brandão, Dudu Nobre, Simone, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Raça Negra, Gal Costa… A lista é longa e surpreendente. “Brasil”, o manifesto musical composto por Cazuza, eternizado por Gal e tema das duas versões da novela “Vale Tudo”, também carrega a assinatura sonora do maestro.
“Acho que meu grande negócio é a diversidade. De Sandy & Júnior a Alcione, tenho 15 DVDs, acompanhei uma série de artistas muito diferentes entre si, tocando pelo país e pelo mundo. Foram décadas trabalhando também na Globo (como arranjador, criador de trilhas, maestro). É coisa à beça, e cada uma delas me deu um baita orgulho”, ele descreve.
Julio Teixeira é o segundo ganhador do Prêmio do Músico Brasileiro, uma parceria da UBC com o Prêmio BTG Pactual da Música Brasileira. A categoria estreou na edição do ano passado do PMB, reconhecendo a vida e a obra de Jaques Morelenbaum. E na noite desta quarta (4), no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, foi Julinho — como é conhecido por seus muitos amigos no meio musical — quem recebeu a merecida homenagem por décadas de um trabalho excepcional.
Neste longo papo com a UBC por videochamada, há alguns dias, ele repassou uma trajetória marcada por alegrias, relembrou o início ainda na infância, num tempo de inocência e sonhos, e falou de presente e futuro:
“Acho que o conjunto da obra foi muito bacana, sabe? Tive sorte de ter nascido na família em que nasci. Não só minha mãe e meu pai tinham envolvimento com a música, meu avô tocava violino… Tive professores fantásticos, tive portas que se abriram, tive muitos convites para trabalhos que me realizaram, que me deram prazer, e tive a chance de poder tirar da música o que ela tem de melhor.”
Que achou de ter sido escolhido para esta homenagem? Como está se sentindo?
Rapaz, quando soube eu estava aqui justamente mexendo no meu currículo, revisitando as coisas que eu fiz. A música é uma classe tão sofrida… Feliz, mas sofrida. E o reconhecimento, que não é só meu, para todos os que vieram antes de mim e os que virão depois, é sempre muito bom, né? Gratificante. A música está sofrendo uma fase de profundas mudanças, os músicos sentem e sofrem, eles reclamam. Mas, se a gente para para pensar, sempre foi assim, sempre houve mudança. Quando eu cheguei, havia outros maestros, grandes professores. Aprendi muito com vários deles. E pouca gente fala deles hoje em dia. E é assim: a gente precisa entender que é só mais um fazendo essa coisa que a gente ama fazer, que outros virão, que outras coisas virão, que o novo sempre vem.
Você é que veio muito novo…
Comecei com 5 anos, cara, minha irmã tocava acordeão. Eu beliscava a perninha dela, ela deixava o acordeão, eu pegava e tocava de ouvido. Neuzinha tinha 6 anos. Nasci em 1965, então estamos falando de 1970. Meu pai já tocava trombone, gostava de fazer bailes com a turma. E minha mãe era da igreja, então eu tive também toda uma influência dos cânticos, da coisa do órgão… Inclusive, do acordeão, comecei a explorar sozinho o órgão. Ela viu que eu tinha jeito para a coisa e me botou na escola de música. Passei a infância rodando toda a Baixada Fluminense, onde me criei, estudando música. Um dia, eu com 9 anos, escutei o som de um baixo na rua, fui até a casa de onde saía aquilo, e tinha um conjunto. Era liderado por um roqueiro doidão bem mais velho que eu. Voltei para casa, contei aquilo à minha mãe, que me deixou entrar no conjunto. Assumi o órgão, e comecei a rodar pelos bailes naquela idade. Era muito ensaio e pouco show, mas eu não podia estar mais feliz.
E seus pais o deixavam ir tocar em baile de noite com 10 anos?
Eram outros tempos, não havia preocupação com violência. Eu tocava de noite, de dia ia para a escola, vivia disso. Não sei jogar bola, solta pipa muito mal. Mas aprendi muito cedo a viver de música. Olho para o meu neto de 13 anos e não consigo deixar de pensar que, na idade dele, eu já carregava caixa de som e ia para lá e para cá naquela kombi do grupo Apollo 2000 sem nem ter entrado na adolescência.
Foi assim durante toda a década de 70?
Praticamente. O acordeão me levava para um lado, dos bailes. O órgão me levava para outro, a igreja. Porque também sempre fui muito presente no ambiente de igreja, até compondo cânticos. Toco até hoje em missa. Mas, ao longo da década de 70, eu estava naquela vidinha de tocar em bailes enquanto crescia. Fui muito precoce, casei cedo, fui pai cedo. E dizia “caramba, não acontece nada”. Tinha muita pressa e estava cansado do mesmo. Pudera, cara, com 19 anos eu já tinha 10 anos de música! (risos). Mas um dia, pouco depois de deixar o antigo conjunto, o Apollo 2000, o dos bailes, me ligou o Ricardo Feghali (então no Departamento de Apoio Musical da Globo, criador de trilhas sonoras). “Você pode estar aqui na quinta, às 9h?”, ele perguntou. Eu disse, todo contido: “posso, sim, claro.” Quando desliguei, saí dando pulo e xingando: “puta que o pariu, agora vai!”
E o que foi fazer lá?
Gravava com os maestros, fazia arranjos, tocava… Só não compunha. E lidava com tudo, com todos os gêneros: música para criança, para novela, trilha incidental de perseguição, música para os Trapalhões. Que escola! O tempo foi passando, e eu fazendo coisas para a Globo e para os artistas que passavam por lá, tinham contato com meu trabalho e o curtiam… Gal, Simone, Roberto Carlos, Fagner… Até que veio o sertanejo.
O que aconteceu, então?
Eu conhecia algumas produtoras, através da Polygram, e me mandaram para São Paulo para fazer esse novo gênero que estava começando a ganhar força. Eu não conhecia quase nada deles. O primeiro foi “Meninos do Brasil”, do Chitãozinho & Xororó. Praticamente fiquei morando no estúdio Mosh, onde a gente gravava. Só não fiz o disco todo porque tinha coisas que eu não sabia fazer, tinha rancheiras, guarânias, coisas que já não se fazem mais. Depois, vieram Zezé Di Camargo & Luciano, Chrystian & Ralf… Os grandes, né? Conheci um universo muito legal. E levei o pop-rock para lá, algo de suingue, esse romântico suingado que é meu grande estilo.
Quem são suas influências na construção desse estilo?
Gosto muito do Elton John, conheci nos bailes. E, desde muito jovem, já conseguia tirar de ouvido no piano, igualzinho. Tem um negócio muito forte naquele piano dele. Também gostava muito de guitarras em geral, do Pink Floyd. Sei tirar isso, toco. Em casa, no banheiro, fico tirando músicas, me diverte. Em frente ao computador… Toco bateria, baixo, percussão, brinco com o trompete. Brincava com bateria, com baixo. Mas, gravando pessoalmente, uso mais o piano, teclado e acordeão. O violão não gosto porque faz ruído. Mas posso até fazer.
Você tem ouvido absoluto, certo?
Tenho, sim, e de altíssima precisão. Consigo identificar quatro notas ao mesmo tempo. Vem de nascença, não sei. Aquele menininho de 5 anos que eu fui já conseguia reproduzir o que escutava a irmãzinha tocar. É automático. Som de latido de cachorro, de pum, de tudo (risos): é fácil identificar a nota. Mas esses mais complicados são mais divertidos.
Você tem trabalhando muito ultimamente? O que tem criado?
Fiz uma coisa muito legal agora, a turnê com o Fagner. Também gravei os grandes sucessos do Boi Garantido, 28 músicas grandes sucessos. E também participei do disco da Karinah, o Zeca (Pagodinho) está dando incentivo pra ela. Tenho gravado trilhas sonoras para a Globo, várias. Fiz a abertura do show da Joana. Continuo assim, muito variado nas minhas escolhas (risos).
E para o futuro?
Continuar a trabalhar, a produzir, a tocar, a fazer música. Embora esteja mais complicado. O que me atrai são as composições. E as composições estão numa outra direção, uma coisa mais do cotidiano, da festa, não se fala mais de amor como antes. Acho que tudo vale. Não gosto de analisar. No rap, por exemplo, o cara pode não cantar como tal, mas dá a mensagem. Só que o romântico está perdendo espaço.
Se pudesse escolher um único nome do passado com quem voltar a trabalhar, quem seria?
Gal. Ela tinha uma leveza, um jeito sem igual. Mas a Fafá (de Belém) também. Sempre sorrindo. Era muito gostoso trabalhar com ela, me sentia muito à vontade. Mas olha, trabalhei com muita gente mesmo, muito boas lembranças: Alcione, Leila Pinheiro, Simone, Sandy & Júnior, os quatro padres: Fabio de Mello, Omar, Juarez de Castro e Marcelo Rossi.
É realmente impressionante como você sempre jogou nas 11…
Acho que o conjunto da obra foi muito bacana, sabe? Tive sorte de ter nascido na família em que nasci. Não só minha mãe e meu pai tinham envolvimento com a música, meu avô tocava violino… Tive professores fantásticos, tive portas que se abriram, tive muitos convites para trabalhos que me realizaram, que me deram prazer, e tive a chance de poder tirar da música o que ela tem de melhor. E é isso que recomendo às novas gerações: tire da música o melhor. Dê um polimento nos seus sentimentos, enriqueça-os. A música nos permite isso. Independentemente do plano comercial, a arte tem algo que te traz, te traz felicidade, te dá companhia, é tua parceira. É por aí. Sobre a parte comercial, vamos à luta. O novo sempre vem, não dá pra lutar contra ele. Mas que sempre tenha verdade, que tenha arte.
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