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Gui Boratto: 'A house atravessa tudo, da pista ao coração, do físico ao emocional'
Publicado em 25/06/2025

Um papo com um dos mais influentes DJs e produtores do Brasil, que celebra os 20 anos do pontapé de sua exitosa carreira internacional 

Por Alessandro Soler, de Salvador 

Gui Boratto está celebrando os 20 anos de lançamento do EP “Arquipélago”, sua primeira compilação de músicas e ponte para o primeiro álbum, “Chromophobia”, um divisor de águas em sua carreira. Um dos mais influentes DJs e produtores brasileiros de trajetória internacional (arquiteto de formação), este paulistano de 51 anos integrou uma geração pioneira de criadores nacionais que tomaram de assalto as pistas globais na primeira década deste século. Uma geração que abriu as portas a nomes recentes como Alok e Vintage Culture. 

Parceiro de ícones da música internacional como Pet Shop Boys, Moby, Paul Simon, Rita Lee e Massive Attack em inúmeros remixes de sucesso, foi um dos primeiros a ter contrato com um selo estrangeiro, o mítico Kompakt, da Alemanha. Também compôs produções originais e remixes para as trilhas sonoras de filmes como “Cidade de Deus” e “A Grande Beleza”, sucesso italiano vencedor de prêmios como Oscar, Bafta e Globo de Ouro. 

Em entrevista à UBC, ele relembra essa trajetória de sucesso e fala sobre projetos atuais e futuros:  

“Estou sempre ativo — tanto no meu trabalho autoral quanto na curadoria e produção do que sai pela DOC Records, meu selo. Tenho quatro singles prontos para lançamento ainda este ano, e um novo álbum a caminho. A fase atual é muito criativa. Estou buscando novos formatos de apresentação também, mais performáticos, menos convencionais”, diz. 

 

UBC: Você é um dos maiores expoentes daquela cena dourada nacional, da primeira década dos 2000, uma geração que teve Marky Mark (depois só Marky), Renato Cohen, Anderson Noise e tantos outros que tiveram um percurso bem interessante fora do país, abrindo as portas para estrelas atuais como Alok e Vintage Culture. Como aconteceu o salto para o mundo num momento em que não era nada comum um DJ e produtor brasileiro buscar esse caminho?

GUI BORATTO: No início dos anos 2000, o techno e suas vertentes (tech-house, deep, progressive) desaceleraram — de 135 para 120 BPM. O som ficou mais lento, e isso provocou uma espécie de seleção natural. Quando o compasso se abre, a música passa a exigir mais respiro, mais conteúdo. E, com isso, mais musicalidade. Como venho da formação de músico, e não de DJ, esse novo espaço me acolheu de forma natural. A música eletrônica começou a buscar alma, nuance, melodia — ficou menos mecânica, mais emocional. E isso coincidiu com o que eu já fazia.

Aquela primeira metade dos anos 2000, quando você se projetou lá fora, era um momento particularmente favorável para isso? Havia um interesse especial gringo nos DJs e produtores nacionais? 

Curiosamente, não. Quando lancei meu primeiro EP, “Arquipélago”, pela Kompakt, muitos brasileiros o acharam lento demais. Mas na Europa, especialmente na Alemanha e na França, ele virou um hit no meio underground. Isso só reforçou algo que sempre percebi: meu reconhecimento começou de fora pra dentro. Foram os DJs internacionais que abriram caminho para que meu nome ganhasse corpo no Brasil. E, naquela época, ser brasileiro no cenário eletrônico ainda carregava um certo estigma. Demorou para quebrarmos essa barreira interna. 

Já são 20 anos desde que Arquipélago, de 2005, deu o pontapé para uma carreira com diversos álbuns e colaborações com grandes nomes do pop e do eletrônico mundo afora... O que sente ao pensar neste turbilhão de duas décadas de carreira lá fora? O que mais o marcou? 

“Arquipélago” foi o segundo vinil mais vendido da história da Kompakt, algo em torno de 28 mil cópias. Para um single de duas faixas, e em vinil, uma mídia mai, isso foi expressivo. A recepção desse EP, junto com outros dois singles subsequentes, fez com que a Kompakt me convidasse para lançar meu primeiro álbum, “Chromophobia”. Esse disco foi um divisor de águas. Ao mesmo tempo contido e experimental, ele já trazia “Beautiful Life”, um dos meus maiores hits, com guitarras, vocais e uma estética quase indie. Essa faixa me levou para os palcos principais dos grandes festivais e me inseriu num lugar mais amplo, menos nichado. Foi quando percebi que a música podia ser pop sem perder complexidade. 

E que parcerias foram as mais notáveis?  

Foram muitas. Remixes para Massive Attack, Pet Shop Boys, Goldfrapp, Moby, Paul Simon... E também produções inteiras, como o álbum do “Bomb The Bass”, projeto seminal do fim dos anos 80, que produzi ao lado do próprio Tim Simenon, com participação especial do Martin Gore, do Depeche Mode. Além disso, compus trilhas para games como “Halo 4", campanhas publicitárias e cinema, com parte da trilha de “A Grande Beleza”. Também assinei a trilha de um desfile da Chanel, em 2011. São memórias que extrapolam o universo da música e me conectam a outras linguagens: moda, cinema, arte contemporânea. Lembro de conversas com o Karl Lagerfeld, encontros com o Colin Hanks... tudo isso amplia a noção do que significa “ser músico”. 

Ao longo dessas décadas, você experimentou diferentes gêneros da música eletrônica, mas a house e seus subgêneros sempre ocuparam um espaço cativo. Por quê? O que a house tem de único?

A house é o alicerce. É a espinha dorsal da música eletrônica de pista. Veio logo depois da disco, como resposta de Chicago, Detroit e outras cidades a uma necessidade de pulsar algo novo. Mas é curioso: house, EBM, techno-pop, synthwave… no fim dos anos 80, tudo se misturava num mesmo caldeirão. Depeche Mode, New Order, Kraftwerk, Jean-Michel Jarre... Era uma geração que não rotulava. Só nos anos 90 é que começamos a falar de subgêneros. Sempre achei que a house tem esse poder de atravessar tudo, da pista ao coração, do físico ao emocional.

Que gênero ou gêneros você não chegou a experimentar ou não tem vontade alguma?

Já experimentei quase tudo: rock, bolero, tango, drum & bass, pop... Para mim, o que importa é a composição. Independente da estética ou do tipo de produção, acredito que a música "fala" com você. Ela te indica o caminho. Um produtor completo precisa saber ouvir o que a música pede — e atender. Não vejo barreiras estilísticas. Só contextos e intenções diferentes.

Você tem criado coisas com regularidade? Algum projeto prestes a ser lançado? Novos álbuns, singles? 

Sim, estou sempre ativo — tanto no meu trabalho autoral quanto na curadoria e produção do que sai pela DOC Records, meu selo. Tenho quatro singles prontos para lançamento ainda este ano, e um novo álbum a caminho. A fase atual é muito criativa. Estou buscando novos formatos de apresentação também, mais performáticos, menos convencionais. 

Muitos analistas da cena de música eletrônica para dançar, mundo afora, vêm vaticinando há anos o fim da era dos mega DJs. Eles têm razão? 

Tudo é cíclico. Como na moda, uma hora a calça é justa, depois larga demais. O entretenimento segue a mesma lógica. As pessoas se cansam do excesso. A saturação dos megaeventos inevitavelmente leva à valorização dos espaços menores, dos clubes, das experiências mais íntimas e orgânicas. E esse movimento está acontecendo. A cultura de pista, a original, sempre se reinventa. E ela sobrevive justamente porque resiste às tendências e às fórmulas. 

E no Brasil? Há algo de particularmente interessante na cena eletrônica atual? O que tem chamado a sua atenção?

Acredito que estamos entrando numa nova fase: a do retorno ao live. DJs e produtores voltando a se apresentar com máquinas, sintetizadores, drum machines, com mais presença de palco e menos pré-programação. Isso já está acontecendo lá fora, mas vai ganhar força aqui também. É um desejo coletivo por autenticidade. E por risco. O público está começando a valorizar a performance como arte, e não apenas como entrega funcional.

 

OUÇA MAIS: O mais recente lançamento de Gui Boratto, o Single “I’m In Love With a German Film Star”, collab entre ele, Sam Taylor-Wood e Pet Shop Boys

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