Neste 24 de junho, ápice da celebração que o Brasil abraçou, UBC dedica a nova edição da Revista às origens e ao impacto das festas juninas
Por Chris Fuscaldo, do Recife
Uma festa, muitas caras: Alceu Valença; Anastácia e Daniel Gonzaga; Cátia França; Marcus Lucenna; Amelinha; Silvério Pessoa; Gonzagão; Natascha Falcão
Quem é do Nordeste sempre esperou com ansiedade por essas semanas festivas que têm três grandes marcos: o primeiro, em 13 de junho, é Santo Antônio; o ápice, nesta terça-feira (24), é São João (24); e o último, no próximo domingo (29), é São Pedro. Movidas por referências mil das culturas europeia (acordeão, triângulo), africana (zabumba e outros instrumentos de percussão) e indígena (os quitutes de milho que são obrigatórios nesta época), as festas juninas se espalharam pelo país e movimentam, segundo o Ministério do Turismo, nada menos que R$ 6 bilhões anualmente — R$ 1,1 bilhão só nas duas capitais nacionais do São João por excelência: Caruaru (PE) e Campina Grande (PB).
Na nova edição da Revista UBC, grandes protagonistas como Alceu Valença, Anastácia, Cátia França, Trio Nordestino, Amelinha, Silvério Pessoa, Marcus Lucenna e muitos outros falam das origens e do impacto cultural destas celebrações que são a cara do Brasil.
“As festas mais tradicionais trazem a cultura do sertão profundo, elas chegaram ao litoral depois. Lá em minha cidade, São Bento do Una (PE), éramos 5 mil habitantes com uma conexão bem forte com Portugal, devido à colonização. A maioria era parente que se casava com parente. A Valençada toda ia toda para o sítio do meu pai, a Fazenda Riachão, para brincar a quadrilha, que trazia elementos das danças francesas: se cantava ‘anavantur’, ‘en arrière’ (‘anarriê’), ‘balancer’…”, relembra Alceu. “E lá estavam o sanfoneiro, o zabumbeiro, o triângulo. Depois, o rádio chegou às casas e, com ele, a voz de Luiz Gonzaga, que foi quem impulsionou a música das festas juninas no Brasil todo. ‘Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião…’”, canta o artista do sertão semi-árido que tem a sua “Anunciação” entre as músicas mais tocadas em festas da Paraíba e da Bahia.
DOIS EPICENTROS JUNINOS
Se tanto em Caruaru quanto em Campina Grande encontram-se artistas tradicionais do forró na programação, preenchem os palcos principais nomes que vão de Alceu Valença a Wesley Safadão, Léo Foguete, Forró Pegado, Seu Desejo, Bruno e Marrone e Jorge e Mateus. Este ano, o São João de Campina Grande terá 38 dias de duração. Já o de Caruaru terá mais de 1.400 atrações em 27 polos durante 65 dias. As duas cidades disputam o título de maior São João do Mundo. O historiador José Urbano conta como as festas nas cidades se desenvolveram:
“Caruaru curiosamente não tinha tradição junina, mas carnaval. A festa junina popular começou na década de 1970, quando um cidadão chamado Agripino Pereira, odontólogo, juntou dinheiro com os vizinhos para celebrar um São João comunitário na rua. Nessa mesma época, os radialistas Lirio Cavalcanti e Ivan Bulhões criaram as caravanas do rádio, que saíam como trios elétricos para que os artistas pudessem se apresentar pelas ruas. Em 1973, tiveram a ideia de decorar a rua para essa festa que teria a participação dos cantores de rádio. Em 1974, a festa teve o primeiro patrocínio, que foi a fábrica da aguardente Pitu. No ano seguinte, a festa cresceu e migrou da Rua São Roque para a Três de Maio e lá ficou até o final dos anos 1980, quando a administração municipal viu aquilo como fonte de receita e abraçou o evento. Em 1984, a festa foi para a Rua Rui Barbosa e, em maio de 1995, finalmente houve a inauguração do Pátio de Eventos, uma área de 40 mil metros quadrados, que acomoda 100 a 120 mil pessoas.”
Essa narrativa mostra como o evento deixou de ser uma celebração particular para tornar-se uma festividade coletiva. Segundo o professor Urbano, em 1992, o então prefeito de Campina Grande Cássio Cunha Lima foi Caruaru conhecer o São João e resolveu fazer as festas locais da cidade paraibana traçarem o mesmo caminho.
“Unidas, as duas cidades fazem o maior São João do mundo, e eu não gosto de ver isso como uma rivalidade”, explica o historiador.
OUTROS SOTAQUES
Espalhado por todo o país, o São João incorporou elementos do bumba meu boi no Maranhão, assim como no Amazonas, cuja lendária competição entre os bois Caprichoso e Garantido nada mais é do que o jeito local de Parintins para celebrar as festas juninas. Na maioria das festas de São Paulo, o sertanejo (primeiro, em suas vertentes caipiras, mais recentemente na versão universitária e nas fusões com gêneros nordestinos) sempre ocupou o espaço nobre da programação musical. Já Minas Gerais inseriu elementos da comida mineira na culinária, entre eles o pão de queijo e a mandioca frita.
No Rio Grande do Sul, os celebrantes vão de vestidos de prenda e bombacha. A música é o xote gaúcho, o chamamé argentino e o vaneirão. E o churrasco se une ao indefectível milho na culinária. No Centro-Oeste brasileiro, mais especificamente em Cuiabá, elementos dos países de fronteira – Argentina, Paraguai e Bolívia – se misturam às tradições. A polca paraguaia influencia o ritmo e a dança, por exemplo.
No Rio de Janeiro, o “arraiá” mais tradicional é o que acontece no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, a famosa feira de São Cristóvão. Com seis palcos – dois grandes para artistas como Lucy Alves e quatro pequenos para abrigar os trios – o espaço abriga até 10 mil pessoas e faz festas de maio a setembro.
DIREITOS NEM SEMPRE RESPEITADOS
Num panorama de celebração generalizada, e com tanto dinheiro circulando, ainda há um ponto preocupante: o persistente desrespeito ao pagamento de direitos autorais durante as festas. A Bahia ocupa o primeiro lugar no ranking dos estados inadimplentes no pagamento dos direitos de execução pública musical nessas festividades, castigando os autores das canções que animam os arrasta-pés, segundo dados do Ecad. Depois, vêm Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Amazonas, Alagoas, Rio de Janeiro, Pará e Goiás, nessa ordem.
Mesmo sendo praças importantes, Campina Grande (PB) e Petrolina (PE) seguem há mais de duas décadas sem cumprir integralmente a legislação que assegura a remuneração de compositores e autores musicais.
“Infelizmente, muitos organizadores dessas celebrações, que movimentam milhões e atraem turistas do país inteiro, não respeitam os direitos dos artistas. Com isso, os compositores, especialmente aqueles que não sobem ao palco, deixam de receber valores que são seus por direito. Em alguns casos, poderiam até dobrar o que recebem hoje, caso todos os eventos fizessem os pagamentos corretamente”, afirma Giselle Luz, gerente regional do Ecad nos estados da Paraíba e de Pernambuco.
Diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco faz coro com ela e vai além.
“Existe uma defasagem absurda entre as receitas geradas pelas festas juninas e julinas e o correto e adequado pagamento dos direitos autorais nas regiões, especialmente no Norte e Nordeste. Uma evasão de direitos autorais onde o poder público é conivente e cúmplice, numa visão curta e distorcida do que é um mercado cultural e de negócios autossustentável", denuncia. "A festa é de todos, mas começa com a contribuição dos autores, na sua grande maioria das próprias regiões, que alimentam os eventos com sua inspiração e arte e não recebem por seu trabalho. Ecad e sociedades decidiram mais do que nunca ser proativos nesta cobrança, que é educativa e assertiva. Sem o autor, a festa não existe e não se sustenta.”
Em 2024, o Ecad distribuiu R$ 5,9 milhões em direitos autorais no segmento para mais de 10,2 mil compositores e artistas que tiverem suas músicas tocadas nos festejos juninos em todo o país. Apesar do cenário de inadimplência, diversas festas juninas em todo o Brasil vêm demonstrando que é possível conciliar celebração e responsabilidade legal. São João de Caruaru (PE), Forró Caju (SE), Arraiá de Barueri (SP), Pararraiá – São João da Amazônia (PA), o Arraiá de Itumbiara (GO) e o Maior São João do Cerrado (DF) estão em dia com os direitos autorais e fizeram o licenciamento no último ano.