Com a ajuda de estudos de 'think tanks' e especialistas, mapeamos as áreas mais quentes em curadoria, marketing e administração de repertório. Em comum a todas, a imersão obrigatória no mundo digital
Do Rio
Há pelo menos duas décadas ouvimos que o mercado fonográfico vive em crise. Mas a verdade por trás do chororô é que há o que comemorar. Segundo relatório da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), as receitas do mercado global de música gravada tiveram, em 2015, um crescimento de 3,2% em relação a 2014. Enquanto, mundialmente, as vendas físicas (CDs, basicamente) caíram 4,5% em 2015, os ganhos com a área digital cresceram 10,2%. E já representam mais da metade do faturamento com música gravada em 19 países, incluindo o Brasil. (Que essa grana pingue na conta dos criadores de música, como sabemos, já são outros 500...)
Por aqui, o mercado fonográfico (físico + digital) teve em 2015 aumento em suas receitas da ordem de 10,6%, impulsionado pela continuidade do crescimento da área digital (+45,1%). Receitas com a distribuição de música em formatos digitais representaram, ano passado, 61% do total no Brasil, comparados aos 48% de 2014. A continuidade do recuo de vendas físicas (-19,3%) certifica que a distribuição de música através de novos meios on-line já é uma realidade irreversível, seja por streaming ou downloads.
E você com isso? Ora, crescimento de mercado é sinônimo de oportunidade. E, para além da criação musical propriamente dita, há muito o que fazer nessa indústria. Mapeamos sites de think tanks (como o prestigiado Music Think Tank da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos), artigos de especialistas e outros dados disponíveis na rede para apresentar uma relação de dez carreiras decisivas que você pode tentar – mesmo que não saiba tocar ou compor um acordezinho sequer.
1 - Programador de playlists: Quem tem conta em algum serviço de streaming já percebeu: há playlists para todos os gostos e estilos. Esses aglomerados de canções podem ser organizados tanto por outros usuários quanto por programadores contratados por plataformas como Spotify, Deezer ou Apple Music, entre muitas outras. No escritório do Spotify em São Paulo, Bruno Telloli, de 31 anos, tem o emprego dos sonhos. Ele é o programador de boa parte das playlists que mais “bombam” no principal serviço de streaming do planeta. Formado em publicidade, conseguiu o emprego por acaso. “Acho que foi saber fazer a curadoria, entender a cabeça do usuário que curte música no Brasil, de prever o que ele quer ouvir, do que vai gostar. E por estar sempre antenado e conectado com o que está acontecendo”, explicou Bruno em entrevista ao portal da revista “Exame”. Como não há formação específica (ainda), fazer como ele e não se desligar das novidades é a chave. Todos os serviços de streaming recebem currículos de potenciais candidatos e ainda fazem varreduras ativas em busca de boas playlists criadas por usuários comuns, garimpando profissionais.
2 - Criador de identidade musical: No Brasil já há empresas que criam identidades musicais para marcas (com presença nos serviços de streaming, no YouTube e nas redes sociais). É como se uma marca tivesse uma “rádio” própria (muitas, inclusive, realmente militam na seara das rádios on-line) em que criam listas de canções que melhor possam traduzir seu conceito. É comum com marcas de roupa, por exemplo. Mas já há restaurantes e lojas variadas que sobem para a rede as trilhas que tocam nos seus espaços físicos. O garimpeiro sonoro responsável por esse “branding” musical precisa unir duas fontes de conhecimento: programação e marketing, já que a produção de uma playlist baseada na identidade musical de um cliente específico nada mais é do que uma entrega personalizada de marketing.
3 - Programador de rádio on-line e/ou plataforma de música digital: O responsável por essa programação precisa ouvir música de todos os gêneros porque ele é o responsável por apresentar ao usuário as novidades musicais de acordo com o perfil do ouvinte. Obviamente, é impossível que alguém consiga ouvir tanto material trabalhando oito horas por dia, então esse profissional precisa ter uma audição treinada de modo a entender para onde a música vai após, digamos, 20 segundos. Sim, a coisa é frenética. Não ter preconceitos musicais e gostar de novidades sonoras são premissas para ser bem-sucedido na profissão.
4 - Diretor artístico de rádio: Não, não nos enganamos. Essa carreira, acima da do programador, também tem tudo a ver com a era digital. As rádios mais bem-sucedidas, como se sabe, já vêm se replicando na rede, e, hoje, o diretor artístico está de olhos e ouvidos muito atentos ao que acontece na internet. O diretor artístico lida com pesquisas mercadológicas, posiciona a marca, pensa nas promoções através de todos os segmentos – incluindo, obviamente, mídias sociais - e ainda cuida da programação, das diferentes formas de se conseguir aumentar o faturamento, atua no marketing e na gestão dos valores da rádio. Como diretor artístico é cargo, não carreira, uma boa formação em marketing e conhecimentos profundos de música e do mercado musical são condições indispensáveis para chegar ao topo nessa área.
5 - Programador de rádio: Outro que nem pode cogitar estar por fora do que acontece no mundo virtual. O programador auxilia na elaboração da programação musical que é transmitida em cada dial. Ele também organiza trilhas musicais, ajuda a escolher a música mais apropriada para o perfil da rádio e detecta a necessidade de aquisição de novos produtos para a emissora. É como o cara lá do item 1, mas com um certo gosto nostálgico/vintage.
6 - Supervisor de música: É uma espécie de curinga na indústria musical, especializado em direcionar músicas para todos os meios de comunicação possíveis. Qual a trilha perfeita para um comercial de TV? E para determinada cena de um filme? E que música ficaria perfeita num videogame? Ou numa peça de teatro? Ou numa novela?... O supervisor de música não tem formação específica – embora muitos deles sejam agentes ou produtores, gente cujo radar para novidades está sempre tinindo. É preciso, contudo, respirar música, vivê-la e pensá-la o tempo todo. Em outras palavras: tem que conhecer muitas playlists de plataformas de streaming, mapear ativamente o Vevo em busca de novos clipes e novas tendências, fazer uma varredura pelo Twitter atrás de tendências de conversação sobre o mundo musical, desenvolver uma rede de contatos em diversos países para captar novidades... Não é para todo mundo. Segundo o Guild of Music Supervisors americano, organização responsável por promover o trabalho dos supervisores musicais por lá, são também atribuições desses profissionais negociações, contratos, licenças e manejo de direitos autorais. Não há gênero musical que ele não conheça, não há meio eletrônico cuja linguagem ele não domine.
7 - Artists and Repertoire, ou Artistas e Repertório (A&R): Esqueça essa bobagem de que as gravadoras estão acabadas. Elas não só têm ainda um papel fundamental como hoje, mais acessíveis, menos gigantes, paradoxalmente são quase que mais capazes de prospectar novidades realmente de vanguarda. Algumas, inclusive brasileiras, têm esse departamento – o célebre A&R – que funciona como uma confortável ponte entre artistas, ajudando-os a fazer networking. Com amplo conhecimento do mercado e os radares sempre ligados, o profissional de A&R detecta novidades e ainda consegue aproximá-las de outras novidades, promovendo parcerias. Também atua como “babá” de alguns e tradutor da linguagem “artística” para os frios homens de negócios das gravadoras. É a voz do artista incompreendido nos corredores da burocracia da indústria.
8 - Diretor artístico de gravadora: Cabe ao diretor de uma gravadora criar planos de carreiras para seus contratados e de pautar o mercado com inovações estéticas. Farejar novos nomes e não se acomodar em cases com probabilidade de sucesso rápido e certeiro: esta é a função de um bom diretor artístico. Infelizmente, não são muitos os profissionais que, em momento de incerteza e pouco dinheiro nos cofrinhos das gravadoras, bancam projetos muito segmentados. Se, antes, as gravadoras mantinham no cast artistas com pouco sucesso comercial (embora muito reconhecimento e prestígio) era porque os artistas mais populares compensavam os poucos lucros trazidos pelos alternativos. Cabe ao diretor artístico distribuir o cobertor curto por todo mundo da melhor forma possível.
9 - Curador artístico de projetos e/ou festivais: Uma das funções mais desejadas do mercado fonográfico, o curador artístico de projetos musicais e de festivais tem a função de "cuidar" da programação. Essa figura é chave na criação do conceito e de todo o resultado final de um projeto ou festival. A função, como, de resto, todas as anteriores, pede um espírito garimpeiro inato. Alguém que seja capaz de unir os interesses do festival e do público com a máxima sinergia. Este profissional, normalmente, é muito bem relacionado e tem um profundo conhecimento e apreço pelos artistas e pela música.
10 - Agente - Do festival alternativo no Tocantins ao pequeno e atuante palco que reverbera os melhores da música alternativa em São Paulo, é importante ter alguém que saiba onde mirar na hora de marcar um show. Há quem diga que, num momento de incertezas e pouco (pouquíssimo) lucro com a comercialização de música on-line, os shows são a tábua de salvação para os independentes. Verdadeiro ou não, não dá para construir uma carreira sem se apresentar. Um artista pode tentar descobrir os contatos dos responsáveis pelos palcos mais disputados do país e tentar com ainda mais força convencê-los a lhe dar uma chance. Ou pode contratar um bom agente.