Um algodoal na cabeça, protegendo os filhos e os amigos dos filhos. Ê Algodão, eu quero as canções praieiras, as canções de amor, as canções brasileiras. A Bahia pensa que Caymmi é só dela, mas Dorival é de todos nós, de todo brasileiro que ama sua música e sua lírica, e ele é um deus que nos iluminará e viverá sempre. Agora – eu sei, pois passei isso com a morte de meu pai- ele sai da cena visível e vai morar dentro dos meus amigos queridos, Nana, Dori e Danilo. Essas pessoas especiais, quando deixam de respirar o nosso ar, nos invadem e se instalam no fundo, na essência, dos que as amam. Elas passam a nos habitar. Passamos a ser a sua casa, pois a lembrança deles é a nossa guarida.
Não consigo chorar, a não ser de alegria e entusiasmo, por Dorival Caymmi. Imagino aquele jovem rapaz, vindo de Salvador e assombrando o Rio de Janeiro com sua voz e violão. Compositor, cantor e músico, um três em um incomum, uma trindade em uma só pessoa. Cantava diferente de tudo o que se conhecia. Aquela voz grave e brejeira, aquele tocar nas cordas de um jeito que encantava e possuía. Mestre da vida e da música, do mar e de tudo o que é humano. Mestre no amar as mulheres, principalmente sua Stela Maris. E delas tanto gostava que, ao nascer, ó santo irreverente, teria olhado para trás.
Estou eu, menino, correndo com a bola nos pés, me divertindo na manhã de minha cidade. E a voz dele, vindo dos rádios das casas, nos falava de Maracangalha e do chapéu de palha. Um pouco mais tarde, comovido, iria conhecer a terna e triste “Saudades da Bahia”: ah, se eu escutasse o que mamãe dizia. Um pouco mais tarde, no colégio, embarquei na beleza das canções praieiras. Caymmi sempre em minha vida.
Quando eu tinha meus vinte anos, jogado na música e na poesia pelas mãos amigas de Milton Nascimento, um dia eu fui parar em sua casa, no aniversário de seu caçula, meu amigo Danilo. Tímido, me avermelhei. Por ele e por toda a família que, ali eu entendi, era minha parente e irmã. Por essas coisas de gerações, para mim ele era velho, como hoje eu o sou para muita gente. Mas ele, o gênio que me recebia com afeto e música, tinha apenas 53 anos, percebi isso muitos anos depois. Sua família musical foi, não sabem, muito importante para que eu decidisse o rumo profissional de minha vida.
Dorival Caymmi compôs pouco mais de cem canções. Simples e eternas, belas e definitivas. É um cancioneiro capaz de fazer inveja a qualquer artista e comover a todos os que têm sensibilidade. Um cara que pára a criação de uma canção por meses até encontrar o verso que o satisfizesse: “ e assim adormece esse homem que nunca precisa dormir pra sonhar porque não há sonho mais lindo do que sua terra, não há”. Exato. Não há pressa para a boa criação, não há sonho mais belo que o seu amor pelo Brasil.
Dorival Caymmi é e sempre será o máximo.
FERNANDO BRANT