Tempero lusitano se soma à explosão de referências que povoam o trabalho do ex-titã, criado durante um período sabático por diversos países
Por Fabiane Pereira, de Lisboa
Arnaldo Antunes se fragmenta – em estilos, ideias, linguagens – e volta sempre mais inteiro. Não importa se cantando, escrevendo ou criando poemas, continua sempre no seu território: a palavra.
"Eu produzo tudo simultaneamente. Às vezes, um poema vem no meio de um ensaio do show, ou uma canção chega na hora que estou mais introspectivo criando um poema ou trabalhando em um objeto visual. Mas, normalmente, quando tiro férias, entro num período muito mais produtivo, talvez porque eu esteja mais aberto à criatividade e em um estado de disponibilidade maior", explica ao site da UBC, em Lisboa, onde grava o DVD do álbum “Já É”, 16º de uma carreira coalhada de êxitos.
Trabalho que marcou a primeira parceria entre Arnaldo e o ultrassolicitado produtor carioca Kassin, “Já É”, como sugere o nome, uma conhecida gíria do Rio, brinca com esse deslocamento de eixo do paulistaníssimo ex-titã. Mas explora uma série de outras referências diversas, colhidas durante um período sabático a que o compositor se permitiu ano passado, cinco meses de intensas criatividade e reflexões, com viagens pela Índia, os Estados Unidos e a Itália. “Sempre quis trabalhar com o Arnaldo, sempre fui fã dos Titãs e da sua carreira solo. Quando recebi o convite, nem acreditei. Fizemos um disco lindo. O mais difícil foi selecionar o repertório, Arnaldo tem uma tonelada de músicas boas”, comenta o produtor.
"Eu já admirava o Kassin e gosto muito dos trabalhos que ele produz. Ele tem uma facilidade de se adaptar às diferenças dos artistas. É um dos caras com menos preconceito musical com relação a tudo que já conheci. Foi maravilhoso trabalhar com ele", devolve Arnaldo.
Quinze canções novas ganharam uma explosão de cores com as participações de Márcia Xavier, Brás Antunes, Marcelo Jeneci, Zé Miguel Wisnik, Jaques Morelenbaum, Pedro Sá, Domenico Lancellotti, Davi Moraes, Stéphane San Juan, Gabriela Riley, Pedro Garcia, Bacalhau, Caru Zilber, Chiara Banfi, Armando Marçal e os tribalistas Marisa Monte, Carlinhos Brown, Dadi e Cézar Mendes. Todas integram o repertório do show que Arnaldo leva estes dias a várias cidades portuguesas.
Com participação de Carminho, um dos maiores nomes do novo fado português, a turnê será gravada e lançada num DVD. Também sobem ao palco com eles Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves, do grupo português Clã. Um ingrediente internacional a mais para esse prato de múltiplos sabores: “O álbum foi muito influenciado pelos lugares por que passei durante minhas férias do ano passado. Viajei a Índia, Nova York e Itália mas, mais importante do que os lugares, ter dado uma pausa no meu ritmo de produção foi essencial. Tive uma disponibilidade emocional que foi fundamental para a criação deste trabalho", explica Arnaldo.
"Senti que precisava parar por um tempo maior, depois de uma sequência extensa de discos e turnês quase emendados. Não tenho disciplina nenhuma para compor. Sempre foi assim. Neste período eu renovei não só a vida, mas a criação", completa.
Na volta dessas viagens, Arnaldo compôs a letra de “Óbitos”, sobre uma melodia que Péricles Cavalcanti havia lhe mandado. Acabou entrando no disco. "Costumo falar sobre qualquer assunto mas, às vezes, quero expressar coisas que me mobilizam emocionalmente. Quis falar sobre a responsabilidade do legislativo. Sobre uma pessoa criar uma emenda ou assinar um projeto de lei que vai interferir na vida das pessoas. Quis falar de pessoas que têm responsabilidade sobre a vida de várias outras pessoas. Há muitas sacanagens por trás da criação de algumas emendas parlamentares, talvez falte um pouco de responsabilidade em quem delibera as leis. Muitas assinaturas causam misérias, guerras e problemas muito sérios", analisa o artista, que levava “muito tempo” sem um registro ao vivo, como descreve: “Me animei a gravá-lo aqui porque estou em Portugal fazendo uma sequência de shows e também porque fui seduzido pela possibilidade de ter os músicos do Clã e a Carminho. Vai ser uma grande alegria estar com eles no palco.”
O DVD deve ser lançado, simultaneamente, no Brasil e em Portugal, em março de 2017.