Por Geraldo Vianna - Publicado originalmente no Estado de Minas
O panorama atual do mundo da música exige muita cautela na produção e negociação de conteúdo e na busca de compreensão dos mecanismos que movem o novo modelo de negócios da era digital. Para os artistas, principalmente os jovens que não viveram os tempos áureos do disco no Brasil, surge o grande questionamento: como sobreviver com os baixos valores arrecadados na esfera digital das plataformas de streaming? Essa pergunta repercute em todos os setores relacionados aos autores e criadores de conteúdo, em todo o mundo. Estatísticas e análises de mercado apontam para um crescimento expressivo dos ingressos econômicos nas plataformas digitais, estimulando a indústria, mas trazendo grande frustraçãoquanto aos valores transferidospara os autores e compositores.
Mesmo conscientes de que passamos por um período de adaptação à nova forma de comercializar a música, preocupa-nos o fato de vivermos um momento em que a transparência se dá a partir de um determinado ponto das transações. As negociações globais não atendem aos anseios dos autores – alheios ao detalhamento dos acordos – e os repasses não demonstram clareza em seus cálculos.
Considerando que hoje são aproximadamente 50 milhões de assinantes do serviço de música – no caso do Spotify – e em torno de 900 milhões de usuários do YouTube, tudo se torna mais confuso. Todo conteúdo depende de um criador... de uma cadeia produtiva. Diante desse quadro e da falta de uma lei clara sobre a execução pública no streaming, é preocupante saber que há artistas que recebem R$ 0,0000001 por obra executada. E mesmo chegando à casa dos centavos, o pagamento inviabilizaria a transação. O valor a ser pago seria inferior às despesas operacionais e impossível de se processar.
Alianças de autores espalhadas por todos os continentes se empenham na busca de uma solução que atenda a todas as partes envolvidas, trazendo uma melhor forma de combater essas discrepâncias e gerando mais confiabilidade na condução dos negócios, com base na ética e na transparência dos acordos. Um pacto ético-comercial que traria mais conforto para a classe artística e contribuiria para um melhor intercâmbio com os consumidores, gerando mais confiança nos serviços vendidos.
Segundo palavras de Jean-Michel Jarre, presidente da Cisac (Confederação Internacional das Sociedades deAutores e Compositores),"...estudo da consultoria EY, encomendado pela Cisac apenas um ano atrás, estima o valor das indústrias criativas em não menos que US$ 2,25 bilhões de dólares no mundo todo. E as indústrias criativas provêm 25 milhões de empregos".
Constatações extremamente positivas que nos levam à incompreensão do alheamento de determinados grupos que questionam e retardam uma negociação no Brasil. Caso do YouTube, por exemplo. O desrespeito aos compositores e detentores de direitos autorais, nesse caso, extrapola todas as barreiras éticas comerciais e códigos de conduta que permeiam a boa-fé na condução dosnegócios. Um atentado aos autores e editores e uma tentativa de desmoronamento da gestão coletiva, chegando quase ao menosprezo da classe artística. Desconsiderando o papel dos criadores que são responsáveis diretos pelo conteúdo disponível em sua plataforma.
Mesmo se considerarmos que a inventividade de nossos criadores não é movida pelo dinheiro, devemos concordar que sem ele torna-se impossível a manutenção da vida e a sustentabilidade da profissão. Que todos dependem do reconhecimento financeiro inerente à criação, favorecendo-os como favorecem os grandes negócios. Que isso somente acontecerá mediante uma compensação justa que instigue e mantenha um fluxo de criação e comercialização dentro de uma esfera de justiça, na aplicação e partição justa dos valores arrecadados.
As novas tecnologias digitais criaram inúmeras possibilidades de expansão da economia criativa e da difusão e interação, em nível mundial, da arte. Com esse avanço, naturalmente, surgem novas necessidades de adaptação de um modelo de negócio que convenha a todos os envolvidos. Não podemos aceitar e permitir que organizações poderosas nos explorem. Que incorporem aos seus serviços a nossa produção sem uma justa remuneração e transparência comercial. Que nos punam com valores miseráveis pela nossa criação.
Autores do mundo todo se unem, a uma só voz, clamando por tempos melhores. Mais justos. Conseguiremos...