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Cena R&B brasileira vive momento efervescente
Publicado em 29/09/2021

Ao fazer como lá fora e incorporar elementos diversos — do pop, do rap e até do pagode —, gênero trilha caminho do mainstream

Por Isaque Criscuolo, de São Paulo

Isadora: a cantora e compositora é um dos grandes expoentes do novo R&B brasileiro. Divulgação

 

Há anos, rap e funk disputam o pódio pop entre os gêneros de raiz negra oriundos das grandes cidades brasileiras. O R&B, enquanto isso, vinha caminhando paralelo, sem grande ruído — mas com muito bom som. Gigante nos EUA, ele agora vive uma verdadeira renovação criativa por aqui, que pode lhe ajudar a finalmente conquistar seu merecido espaço no mainstream.

Quando pensamos em "clássicos" nacionais da cena, vêm à mente Cassiano, Hyldon, Djavan, Tim Maia, Sandra de Sá, Jorge Ben Jor e tantos outros que importaram e "antropofagizaram" o R&B, adicionando seu próprio tempero e abrindo os caminhos a talentos que hoje imprimem suas próprias experimentações e outros olhares. Alt Niss, Bivolt, IZA, Luccas Carlos, Fabriccio, Isadora, Wesley Camilo, Kynnie, Tássia Reis e o duo YOÚN são alguns dos melhores exemplos da efervescência atual do R&B nacional.

Para o artista paulista Wesley Camilo, ao longo dos últimos anos o R&B sempre esteve presente no gosto dos brasileiros, seja pela influência da música americana ou pelos elementos de R&B que a música pop mundial e brasileira utilizam:

"Eu cresci com pessoas cheias de talento, e que até serviram como referência pra mim, dizendo que o R&B não 'virava' no Brasil. O que não existia era a consolidação do gênero por meio das gravadoras. A chegada das plataformas de streaming, junto com a popularização dos equipamentos de home studio, geraram um fenômeno. Sinto que, junto com essa acessibilidade, veio uma dose maior de autoestima para o artista se reconhecer na sonoridade que ele ama e não apenas se encaixar num movimento de mercado", diz o cantor.

As últimas entregas de Wesley foram os singles "Espaço", um som R&B com a participação de Rayza Nicacio, e "Não Fala Nada", um neosoul com crítica às pessoas que falam demais, ambos disponíveis nas plataformas de streaming e integrantes do seu próximo álbum, "Presente", ainda sem data de lançamento.

Wesley Camilo: para ele, democratização da produção é o caminho. Divulgação

 

Enquanto aqui o caminho ainda tem sido predominantemente independente, lá fora nomes como The Weeknd invadem o mainstream com o pé na porta. "Save Your Tears", seu hit mais recente, está há 48 semanas na The Hot 100 da Billboard, acompanhado de "Blinding Lights", há 54 semanas no ranking Billboard Global 200 após ter estourado em versão solo ou em releituras, como o duo com a estrela pop-flamenca espanhola Rosalía.

As misturas, aliás, tornam difícil até mesmo identificar o gênero em alguns casos. Em 2020, gerou polêmica a acusação de The Weeknd (nome artístico do cantor canadense de origem etíope Abel Makkonen Tesfaye) contra o Grammy Awards. Seu álbum, "After Hours", aclamado por público e crítica, foi ignorado em todas as categorias da premiação, o que gerou uma cândida resposta de um dos executivos do prêmio: ao fusionar pop e R&B de formas tão variadas, não teria "ficado claro" para os especialistas que escolhem os indicados onde encaixar o trabalho.

Já é assim há algum tempo. Surgido nos EUA nos anos 1940, como uma derivação do blues com mais suingue, o estilo foi incorporando modismos musicais na sua trajetória de décadas. A vertente que conhecemos hoje, e que domina as produções musicais, começou ao fim dos anos 1980, levada por nomes como Whitney Houston, Mariah Carey, além de Usher, R. Kelly, Janet Jackson, TLC, Aaliyah, Destiny's Child, Tevin Campbell e Mary J. Blige.

Nos anos 2000, uma nova enxurrada de nomes pop ligados ao R&B ajudou a torná-lo ainda mais pop: Alicia Keys, Beyoncé, Bruno Mars.

É por causa de todos esses artistas, muitos ativos até hoje, que o terreno musical R&B se manteve fértil com excelentes representantes contemporâneos, como H.E.R., SZA, Daniel Caesar, Miguel e Jorja Smith e o próprio The Weeknd.

Em entrevista à revista "Variety", Daniel Glass, executivo e fundador da Glassnote Records, disse que o cantor e compositor canadense quebrou as barreiras do R&B para se tornar mainstream. "Se eu perguntar qual o gênero de Stevie Wonder, Michael Jackson ou Prince, você diz pop, não R&B, e acho que ele está se aproximando dessa liga de apelo em massa. Não considero ("After Hours") um álbum somente de R&B ou hip hop, mas é definitivamente um candidato a álbum do ano", diz.

A cantora e compositora Bivolt. Divulgação

 

Para o artista carioca Luccas Carlos, o ritmo está recebendo o valor que merece no momento, com grandes nomes explorando seu lado mais melódico e usando artifícios do R&B: 

"Eu quero é mais! Se todo mundo entender o que é o lance mesmo, melhora para todos!", diz.

"Estamos lançando músicas tão boas que a galera não tem como ignorar. Estamos popularizando o gênero, levando para o pop, para o rap", fala a cantora e compositora Bivolt, que recentemente lançou um single com Emicida, "Eu & Tu!" e outro com Gloria Groove, "Pimenta". Um bom exemplo deste R&B brasileiro misturado ao pop é a obra de IZA nos hits "Dona de Mim" e "Pesadão", que caíram no gosto popular e conquistaram premiações como Melhor Álbum no Women's Music Event Awards e Melhor Música no Prêmio Multishow de Música Brasileira de 2018, respectivamente.

"Um dos principais motivos para o crescimento do R&B no Brasil é as plataformas de streaming criarem playlists focadas no ritmo. Isso permite que as pessoas descubram as músicas, os artistas e passem a consumir cada vez mais", raciocina a cantora Isadora. 

Em 2020, ela lançou o EP "Universo Particular", após a visibilidade que conquistou por sua passagem pelo programa da TV Globo "The Voice Brasil", em 2014. Suas músicas já ultrapassam 80 milhões de plays nas plataformas digitais. É dela o hit "Sun Goes Down", interpretada por ela própria e composta em parceria com o DJ Bruno Martini e Zeeba.

Sobre os desafios de criar R&B no Brasil, Wesley Camilo enfatiza que a versão nacional do gênero não nasce com a mesma construção da americana: 

"Nós aqui temos uma influência grande do soul brasileiro e também do pagode, que aos poucos nos dá uma identidade única. Ou seja, entender o contexto é imprescindível. Penso que, assim como na construção da sonoridade, a consolidação do movimento também precisa de tempo para acontecer. Aos poucos, os posicionamentos artísticos vão ficando mais definidos, subgêneros vão se desenvolvendo, e gradativamente o movimento R&B vai sendo mais reconhecido. Porque, como já disse, ao meu ver ele já é aceito", diz.

No momento atual, com os impactos de uma pandemia ainda afetando o mercado musical como um todo, a cena R&B avança de mãos dadas com a cena do rap/trap em busca de mais estrutura e oportunidades: 

"Ainda não temos tantas casas de show, festivais e estrutura de mercado voltadas para o gênero R&B, por isso acredito que um grande desafio seja alcançar essa independência no R&B, através desses pilares que vão se estabelecendo em volta da comunidade que consome, gerando renda, aumento nos investimentos e, consequentemente, mais qualidade e conteúdo", pontua Wesley.

Como conclui Luccas Carlos, para avançar ainda mais, a cena precisa trazer mais da própria cultura local para o gênero: 

"É possível, sim, a gente dar a nossa cara para a coisa, sem descaracterizá-la, deixando até mais mastigável pra quem não é familiarizado com a parada. O maior desafio é a estabilidade do gênero no Brasil. Afinal, na cabeça da galera vem muita coisa antes do R&B. Apesar disso, estamos chegando lá."

Luccas Carlos: otimismo sobre o futuro da cena. Divulgação

 

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