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Quem recebe os direitos autorais da música clássica no streaming?
Publicado em 25/10/2021

Obras de autores mortos há mais de 70 anos, portanto em domínio público, também geram royalties; entenda

Por Ricardo Silva, de São Paulo

Um estudo da plataforma de streaming francesa Deezer em parceria com a BPI — a poderosa associação da indústria fonográfica britânica — e a Royal Philharmonic Orchestra, também do Reino Unido, revelou há alguns meses um boom no consumo de música clássica. Transversal, essa explosão, em parte justificada por uma busca coletiva por sons mais pacíficos e contemplativos em meio à pandemia, teve expressivo crescimento (+ 37%) entre os jovens de até 35 anos, uma faixa etária normalmente não associada ao gênero. Mas que já responde por 34% dos ouvintes de música de concerto na plataforma. 

Todo esse repentino sucesso chama a atenção para o tema dos pagamentos de direitos autorais e de execução pública sobre músicas há décadas — às vezes séculos — em domínio público. 

É claro que a música clássica é um gênero em renovação, com obras compostas recentemente e que se inserem, portanto, na lógica normal dos pagamentos de direitos autorais e conexos. Mas também é inegável que se trata de um estilo musical que tem como característica uma ampla presença de obras antigas. Como já explicamos em diferentes ocasiões nos nossos canais informativos, a música continua a gerar direitos autorais ao seu criador e aos seus descendentes 70 anos após a morte do último dos compositores — ou do único compositor, no caso de uma criação solo. Assim, peças criadas pelo grande Igor Stravinsky, por exemplo (morto em 1971), ou pelo mais conhecido autor clássico brasileiro, Heitor Villa-Lobos (morto em 1959), ainda rendem royalties aos herdeiros.

Mas, segundo o estudo da Deezer, o grosso das audições de música clássica é de obras de autores mortos há séculos, como Bach, Mozart e Beethoven, além de outros que chegaram a viver no século XX, mas cujas obras também já entraram em domínio público, como Debussy (morto em 1918). Um caso curioso de autor inserido nesse novo boom é o do austríaco Arnold Schönberg, que morreu em 13 de julho de 1951. Seus herdeiros continuarão a receber direitos autorais, portanto, só até o próximo dia 31 de dezembro. A partir de 1º de janeiro de 2022, a obra entra em domínio público. 

Nestes casos, quem recebe o quê quando a música desses autores é incluída nas plataformas?

A parte autoral, naturalmente, já não tem mais que ser paga. Mas não significa que não é gerada. É o que explica Marisa Gandelman, advogada especialista em direitos autorais e no intricado sistema legal das indústrias criativas: "As obras que estão em domínio público podem ser livremente executadas, portanto, no meu entendimento, não entram no cálculo da distribuição. Podem gerar receita, mas não derivam em rendimento. Existem exceções, como o caso dos países em que as sociedades cobram os direitos das obras em domínio público e o usam com finalidades assistenciais (para distribuição ou programas de assistência aos seus associados mais necessitados), por exemplo", ela afirma. 

Na imensa maioria dos países onde não se cobra direitos autorais de obras em domínio público, a distribuição é diferente. No caso das plataformas que usam como método de distribuição o modelo market centric (ou seja, quase todas), esse dinheiro será entregue aos outros participantes do sistema. Lembrando: o market centric é aquele modelo em que toda a receita gerada num determinado período é juntada num único bolo e distribuída aos titulares em função do número de execuções que eles tiveram, independentemente do que cada usuário tenha ouvido naquele período.

Ou seja, sem que o dinheiro que corresponderia aos autores cujas obras já estão em domínio público chegue a ninguém, é esperado que ele acabe engrossando a receita dos autores vivos ou dos herdeiros daqueles cuja obra ainda gera dividendos

Além da parte autoral, contudo, também há os direitos conexos dos produtores das gravações e dos maestros/regentes. Ao produzir uma nova versão da "Nona Sinfonia" de Beethoven com uma determinada orquestra, eles têm valores a receber do streaming, e o prazo pode variar segundo o país. No Brasil ou na União Europeia, por exemplo, de maneira análoga ao do direito de autor, também é de 70 anos, mas contados a partir da fixação da música num suporte tangível ou intangível (arquivo digital) ou, na ausência de fixação, da data da radiodifusão.

Os músicos executantes — membros da orquestra que dão vida àquela composição na gravação — recebem através de contratos assinados com os produtores fonográficos, não tendo direito a valores de direitos conexos posteriormente, em cada distribuição do streaming. Existe um movimento mundial desses intérpretes que reivindica seu quinhão sobre as execuções no streaming, mas por ora eles não tiveram êxito na demanda.

"Não importa o que tocam, se se trata de algo em domínio público ou não: intérpretes e músicos continuam tendo direitos exclusivos sobre a fixação de suas interpretações, apesar de não estarem recebendo pelos rendimentos gerados pelo que seria a parte de comunicação ao público no caso de streaming", defende a advogada, que lembra: a ausência de pagamentos a posteriori aos músicos acompanhantes já vem de outros períodos ou suportes: "Na venda dos CDs, os músicos acompanhantes também não recebem. O produtor fonográfico paga a seu intérprete (através de um contrato) e, depois, recebe todos os direitos, não importa qual seja o direito ou o meio de comercialização."

na execução pública, os músicos executantes têm direito a valores, que recebem diretamente das sociedades de gestão coletiva de direitos conexos às quais estão filiados.

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