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No streaming, lançamentos estão em queda, e hits ‘velhos’, em alta
Publicado em 29/07/2022

Kate Bush e Metallica vão ao topo das audições com música dos anos 80; o que está acontecendo?

Por Eduardo Lemos, de Londres

Há poucas semanas, a música mais tocada no mundo era de autoria da cantora inglesa Kate Bush, 63. Na mesma lista, estava uma faixa do grupo de rock Metallica, 41 anos de carreira.

Estamos na década de 80? Na década de 90? Não, nada disso. Neste 2022, a indústria musical está testemunhando a força avassaladora do que se convencionou chamar "música de catálogo", ou seja, todas as faixas que tenham mais de 18 meses de idade — mas que, no caso dos velhos hits a ocupar o topo das audições, chegam às décadas de existência.

"O mundo enlouqueceu!", brincou Kate Bush recentemente, em entrevista a um programa de rádio da Inglaterra. Em junho, sua música “Running Up That Hill”, lançada há 37 anos, tornou-se a faixa mais ouvida no mundo depois de aparecer em uma cena da série “Stranger Things”, da Netflix. A mesma série fez com que “Master of Puppets”, uma canção antiga do grupo Metallica, atingisse o 22º lugar nas paradas do Reino Unido e figurasse entre as 40 mais tocadas dos Estados Unidos, um feito que a canção nunca havia alcançado desde que foi lançada, em 1986.

Muita gente nova ouvindo música "velha" estaria afetando diretamente a audiência dos lançamentos. Segundo o novo relatório da empresa Luminate (antiga MRC Data/Nielsen Music), divulgado semana passada, nos Estados Unidos a música "atual" teve 1,4% menos ouvintes neste semestre em comparação ao mesmo período de 2021. No ano anterior, aliás, a mesma empresa já havia registrado queda nos streams e vendas de lançamentos. Importante lembrar que isso em um mercado em crescimento — de acordo com o relatório, o consumo de músicas (a soma de lançamentos + catálogo) naquele país subiu 9,3% em relação a 2021.

Ou seja, se os lançamentos estão em queda, automaticamente isso significaria que os catálogos estão em plena ascensão. Embora isso possa soar como má notícia para artistas novos e gravadoras, trata-se de algo "natural", segundo a diretora da Sonar Cultural, Dani Ribas.

"O lançamento não está em baixa, as pessoas é que retomaram um comportamento anterior à superdigitalização causada pela pandemia", explica.

Segundo a especialista, há uma "inflação de conteúdo" disponível, e a tendência a partir de agora é o público buscar um equilíbrio entre o consumo de materiais inéditos e o consumo do que já é conhecido.

Ribas também cita o próprio mercado como um dos fatores que ajudam a explicar os números do relatório:

"Não faz nem 5 anos que a maior parte do consumo musical é via streaming. Nos EUA e na Europa, o número de assinantes estacionou. O mercado todo está em tendência de acomodação, depois de uma euforia com a chegada dessas plataformas ao mercado e sua consolidação.”

A especialista propõe ainda uma atualização da classificação que separa o que é catálogo do que é lançamento. "Com a pandemia, houve certamente uma compressão do espaço-tempo, o que me faria questionar essa fronteira dos 18 meses. Se eu tivesse que refazer a classificação entre catálogo e lançamento, eu diria que o catálogo é formado por músicas que a gente lembra porque são ligadas à nossa emoção e à nossa memória afetiva. E o lançamento é o que há de material novo dos artistas de quem gostamos… aliás, de quem gostamos por causa do catálogo deles.”

No Brasil, o fenômeno começa a ganhar força

No Brasil, embora não haja registro de fenômenos que se comparem aos casos de Kate Bush e Metallica, há bastantes indícios de que a audiência local também está numa onda nostálgica. Uma canção d'Os Paralamas do Sucesso foi escolhida como tema de abertura da nova novela da Rede Globo, "Cara e Coragem", e o sucesso de outro folhetim da emissora, "Pantanal", está estimulando o público a ouvir Almir Sater, Roberta Miranda, Alceu Valença e Jair Rodrigues. O mais recente trabalho do cantor e compositor Nando Reis traz takes alternativos de canções que ele lançou no ano 2000.

"Existe um movimento muito forte por parte da geração Z em estar conectada com a música de catálogo, especialmente as músicas dos anos 60, 70 e 80. Artistas como Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Djavan estão tocando em festivais cujo público principal é a geração Z", observa o responsável por conteúdos, marketing artístico e relações com as gravadoras da Deezer Brasil, Pedro Kurtz. "Isso tem tudo a ver com o comportamento da geração Z, que tem nostalgia de tempos que eles não viveram mas com os quais eles se sentem conectados.”

A própria Deezer percebeu este movimento e lançou em julho o projeto "InVersions 90", em que artistas contemporâneos recriam suas músicas preferidas da década de 90. Participam nomes internacionais, como Lauv (EUA), Ayra Starr (NIG) e Easy Life (UK), além de brasileiros como o grupo Fresno e a cantora Carol Biazin.

"De um lado, queremos que o público que predominantemente escuta música de catálogo possa redescobrir essas faixas na voz de outros artistas; de outro, que possamos apresentar este material de catálogo para uma geração que não teve contato com esse conteúdo anteriormente. Sabemos que a geração atual busca inspiração no passado para criar a sua própria estética", diz Kurtz.

Responsável pela curadoria e textos de reedições especiais ou compilações de Belchior, Gilberto Gil, Elis Regina, Ney Matogrosso, Jorge Mautner, Novos Baianos e Tom Zé — e autor de “Tempo Feliz - A História da Gravadora Forma” (Ed. Kuarup), lançado em 2022, o jornalista e pesquisador musical Renato Vieira também enxerga um aumento do interesse do público e das próprias gravadoras pela "música de catálogo".

"No streaming, não existe o ‘fora de catálogo’. A gravadora tem um espaço infinito, e meu trabalho foi impulsionado por isso. Como a internet democratizou muito o acesso, a curiosidade ficou mais ampla”, diz Vieira, que reitera, porém: o interesse de uma geração pelos seus antepassados não é algo novo. "O mundo da música sempre foi nostálgico. De tempos em tempos um produto cultural estimula a lembrança de uma música. O que mudou é o acesso.”

A compra de catálogos valiosos por parte de empresas como a Hipgnosis pode influenciar o renovado interesse do público por músicas antigas, já que, depois de investir muito dinheiro na compra do direito sobre as obras, os investidores querem ver retorno.

"O dono do Hipgnosis, Merck Mercuriadis, fez carreira na indústria da música. Ele sabe que a música está em toda parte e que esses artistas consagrados não perdem relevância", diz Dani Ribas.

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