Pesquisa nos EUA indica que catálogo 'antigo' ganha terreno no streaming, mas comportamento do ouvinte mostra que questão é mais complexa
Por Eduardo Lemos, de Londres
Adele, Drake, Olivia Rodrigo, Doja Cat, Billie Eilish, Tyler The Creator, Lana del Rey, Lil Nas X, Foo Fighters: é grande a lista de pesos-pesados da música pop mundial que colocaram novos discos no mundo em 2021. Mas uma pesquisa sobre consumo de música nas plataformas digitais realizada pela empresa MRC Data e publicada em janeiro deste ano mostra que, ao menos nos Estados Unidos, a cada 10 músicas tocadas nos streamings, três (ou 30,2%) são consideradas lançamentos, e sete são consideradas "de catálogo" (ou 69,8%). Vale lembrar que catálogo é o nome que o mercado dá para obras lançadas há mais de 18 meses, seja o álbum de estreia dos Beatles ou o mais recente disco de Paul McCartney.
O que chama a atenção é que esta diferença não para de crescer. Em 2020, a mesma MRC Data já mostrava que havia uma diferença substancial entre consumo de lançamentos e catálogos nos EUA, na ordem de 35% para faixas novas e 65% para trabalhos mais antigos. A continuar neste ritmo, uma projeção feita pelo site Music Business Worldwide avalia que, em 2030, lançamentos devem responder por apenas 24% dos plays.
E como é no Brasil?
Embora ainda não haja nenhuma pesquisa sobre este tema com foco no mercado brasileiro, alguns sinais indicam que o consumo de músicas de catálogo no Brasil está crescendo. Segundo a Deezer Brasil, o país lidera o consumo de músicas através de playlists: 35% dos usuários ouvem música assim, contra 26% dos Estados Unidos e 29% da Inglaterra. "Isso significa que os usuários escolhem playlists por gênero ou mood. Dificilmente essas playlists são de lançamentos, ou majoritariamente deles, a não ser algumas criadas específicas com esses conteúdos para promovê-los", diz Polyana Ferrari, chefe de Comunicação Externa da Deezer no Brasil.
Segundo Mariana Abreu, que por 9 anos liderou a área de Business Intelligence da Sony Music Brasil, a pandemia foi determinante para impulsionar o alcance das obras que não são consideradas lançamentos.
"Logo no início, quando quase todos estavam em casa buscando formas de se distrair e se sentir mais próximos daquilo que gostam, observamos um aumento expressivo do consumo de músicas de catálogo. Foi um efeito “comfort music”, fazendo uma analogia com “comfort food”, ou seja: são músicas que 'nos abraçam' e nos deslocam a lugares já conhecidos", explica.
Além disso, segundo Mariana, é preciso levar em conta o fenômeno TikTok, a plataforma de vídeos que vem se tornando, também, um player gigante no mercado da música. "A partir do boom do TikTok, há um resgate de clássicos da música que ganharam um novo momento a partir de desafios de dança, por exemplo. Isso nos mostra que o catálogo sempre pode ser um novo gatilho para ser trabalhado estrategicamente e alcançar novas audiências."
Embora o TikTok seja essencial na estratégia de divulgação de lançamentos, são as músicas de catálogo que têm roubado a cena na plataforma, de acordo com Fernanda Jubé, Business Intelligence da agência Tecla Music.
"Hoje em dia, eu diria que o consumo na plataforma está dividido em 50% para lançamentos e 50% para catálogo. Não é um movimento muito grande, não chega a ser algo que justificaria dizer que há mais ouvintes de música de catálogo, mas a gente vê que é um movimento crescente. Com a disseminação do TikTok, eu acredito que isto será uma tendência para o futuro."
O número expressivo de novas músicas que chegam ao Spotify diariamente - segundo a plataforma, são 40 mil novas faixas a cada 24 horas - é um problema para os artistas, que veem a concorrência aumentar a cada dia. Seria este excesso também um problema para o público, que, ao não conseguir acompanhar as novidades, se agarraria ao que já está estabelecido? Para Mariana Abreu, não necessariamente.
"Claro que poucos vão conseguir acompanhar tudo que é lançado semanalmente, mas em geral as pessoas possuem um comportamento híbrido entre consumo de lançamentos e de catálogo, de conhecer novas músicas também e de se manter atualizado. E as plataformas digitais, com curadoria humana e de algoritmos, disponibilizam inúmeras formas de facilitar a descoberta do que está sendo lançado", observa.
No entanto, a busca por novidades parece ser mais intensa em ouvintes com até 30 anos de idade. "O que a gente percebe é que as pessoas com mais de 30 tendem a não consumir mais músicas novas, elas tendem a ficar no catálogo. Elas ficam mais apegadas à memória afetiva que construíram com estas músicas e com estes artistas até esta idade. E aí simplesmente não procuram mais", diz Fernanda Jubé.
Catálogo e lançamento não são inimigos
Um exemplo deste interesse cada vez maior por "não-lançamentos" influencia até o mercado de podcasts. Em 2020, o jornalista Ricardo Alexandre, ex-editor da revista "Bizz" e autor de diversos livros sobre música, lançou o podcast Discoteca Básica, que semanalmente traz um episódio sobre um álbum clássico da música brasileira e mundial, especialmente discos lançados entre os anos 60 e 90. Enquanto Ricardo Alexandre revela histórias por trás de cada obra, um convidado especial comenta a sua relação com o álbum. Já passaram por lá nomes que vão de Herbert Vianna a Luís Fernando Veríssimo, incluindo Pedro Bial, Pitty e Teresa Cristina.
"Hoje, a música se tornou uma experiência individual, que é escutada em fones de ouvido. Eu queria fazer um projeto que reproduzisse uma situação que era comum na minha adolescência: sentar em torno de um disco e fazer da música uma experiência coletiva. Embora eu nunca tenha pensado no podcast desta forma, ele naturalmente me levou aos discos de catálogo", diz o jornalista.
A última temporada, encerrada no fim de 2021, teve mais de 300 mil downloads, um número "bastante relevante", segundo o jornalista. O interesse do público pelos temas abordados no programa levou a equipe a aumentar a carga para 2022: serão duas séries de 10 episódios cada, com estreia em maio. Embora não tenha claro o perfil de público do podcast, Ricardo Alexandre enxerga um interesse dos mais jovens por álbuns que provavelmente fizeram a cabeça dos seus pais. "É um público muito jovem que tem se relacionado com estes discos também através do álbum físico, da coleção de vinil", conta.
Ainda que o podcast se debruce sobre os álbuns considerados "clássicos", há um espaço fixo no programa que recomenda lançamentos de artistas iniciantes.
"Esse quadro gera mais repercussão do que um programa que eu tinha na rádio FM, que era especializado em bandas novas. Eu sinto muito mais retorno quando eu sugiro um artista novo a partir de um artista estabelecido."
A sensação de que o catálogo pode servir de ponte para os lançamentos, explicitada por Ricardo Alexandre, combina com o que mostram os dados, segundo Mariana Abreu. "O consumo de catálogo e de lançamentos são complementares. Não vejo uma disputa do protagonismo entre catálogo e lançamentos, mas uma complementaridade entre ambos. Isto sim é muito poderoso para levar artistas a um novo patamar e para trazer a melhor experiência ao ouvinte, que muitas vezes nem faz essa associação do que é catálogo ou lançamento", encerra.
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